Gestão descentralizada e a 3ª geração
A terceira geração da Votorantim ao redor de José Ermírio de Moraes (o quinto da esq. para a dir.)

Gestão descentralizada e a 3ª geração

A realidade vivida pelo Brasil nos anos 1960 viria mostrar que a estratégia de José Ermírio de Moraes de reinvestir os lucros e limitar as retiradas ao mínimo era acertada. A partir de 1964, com a chegada dos militares ao poder, uma nova política econômica entrou em vigor, com aumento de impostos, incentivo a investimentos em títulos públicos e controle de preços, o que reduzia ainda mais as já escassas possibilidades de financiamento das empresas brasileiras. O caminho para crescer, agora, dependia quase exclusivamente do capital próprio.

Dois anos antes do início do Regime Militar, o grupo já teve que começar a se virar sem a liderança do engenheiro pernambucano, que estivera à frente da Votorantim durante as últimas três décadas. Em 1962, ele se afastou do comando dos negócios para se candidatar a senador pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no seu estado natal. José Ermírio elegeu-se com folgas, sendo o mais votado na disputa em Pernambuco, escolhido por mais de três milhões de eleitores. No ano seguinte, ele seria chamado para compor o primeiro ministério presidencialista de João Goulart, onde ocupou a pasta da Agricultura.

Instalado o regime militar, José Ermírio se manteve fiel ao lado derrotado de que fazia parte, e passou à oposição. Embora tenha conservado o cargo de presidente, ele permaneceria distante do dia a dia da Votorantim por quase uma década, retornando só em 1971 – mas para ocupar outro papel e preocupado muito mais com o futuro do que com o presente da instituição.

Reinventando o sistema de gestão

O afastamento da grande figura pública da família Moraes só pôde ser encarado sem traumas porque o grupo já tinha encontrado uma maneira de reinventar seu sistema de gestão, adaptado à nova realidade das operações da Votorantim. Na ausência de José Ermírio, os três integrantes da terceira geração e seu genro passaram a formar o novo “núcleo duro” de comando dos negócios. A estratégia era ao mesmo tempo de simples compreensão e de difícil execução, só possível em um ambiente em que há unidade de propósitos e de objetivos.

José Ermírio ainda se manteve como presidente, mas não houve a escolha de um novo diretor-geral para o grupo. Cada um dos quatro sócios era responsável por um ou mais segmentos das operações. As decisões fundamentais eram tomadas em conjunto, mas eles usufruíam de autonomia em suas frentes. Os quatro confiavam tanto uns nos outros que o todo sempre acabava prevalecendo sobre o individual, balizados pelo senso de legado que tinha sido infundido pelo engenheiro pernambucano, com base na tríade trabalho duro, reinvestimento dos lucros e retiradas mínimas.

O modelo mostrou-se ideal não só para acomodar o processo sucessório na família, mas também para conviver com as condições econômicas brasileiras do momento, ao permitir a máxima concentração de capital próprio para financiar o crescimento em um cenário de escassez de crédito, combinada à descentralização administrativa que possibilitava gerir com eficiência operações tão distantes e diferentes entre si.

Em 1965, a Votorantim mudaria de sede mais uma vez, agora para o prédio que abrigou durante décadas o glamoroso Hotel Esplanada, na Praça Ramos de Azevedo, logo atrás do Teatro Municipal, no centro de São Paulo. Adquirido pelo grupo, o edifício tinha um significado especial para os Moraes – ali, em 1925, José Ermírio tinha se casado com Helena, a filha do “comendador” Antonio Pereira Ignacio.

Por mais espaçosas que fossem as novas instalações, distribuídas por sete andares, naquela metade dos anos 1960, não era possível administrar um grupo tão espaçado geograficamente de um único edifício. Estamos falando de uma época em que a economia brasileira era pouco interligada, com enormes dificuldades de comunicação e logística. Assim, pelo modelo que dava autonomia a cada um dos quatro sócios da terceira geração, os negócios conseguiam ser geridos com eficiência e as decisões podiam ser tomadas com agilidade, sem depender da administração central, em São Paulo.

Divisão dos negócios

Irmão mais velho e o primeiro a ingressar no grupo, José Ermírio de Moraes Filho respondia pelas operações de tecelagem, pelas fábricas de cimento das regiões Sul e Sudeste, e por uma indústria de filmes transparentes, a Votocel. Na década de 1960, a demanda por cimento no Brasil estava em alta – primeiro pela construção de Brasília e depois pelos grandes projetos de infraestrutura e habitação lançados pelos militares. Para atender ao mercado, a Votorantim ampliou as unidades existentes, com a construção de novos fornos nas plantas de Rio Branco (PR), Itajaí (SC) e a Usina Santa Helena, que agora contava com sete deles, a maior fábrica de cimento do país no período. Em 1967, começam as obras para construir uma segunda planta no Rio Grande do Sul, no município de Pinheiro Machado.

Antônio Ermírio de Moraes, o segundo filho, recebeu a responsabilidade de cuidar do segmento de metalurgia, o que incluía a Siderúrgica Barra Mansa, a Companhia Brasileira de Alumínio e duas novas operações. Em 1962, a Votorantim tinha adquirido a Companhia Mineira de Metais (CMM), para produzir lingotes de zinco eletrolítico, um processo complexo que se dividia entre as unidades de Vazante e Três Marias, em Minas Gerais. A segunda novidade era a Metalúrgica Atlas, um empreendimento que o grupo colocou em andamento pensando na própria expansão. Chamada de “fábrica das fábricas”, ali eram produzidos fornos elétricos, fornos rotativos para cimento e uma série de outras máquinas e equipamentos que eram utilizados pelas diversas instalações industriais da Votorantim.

A Ermírio Pereira de Moraes foi entregue o comando da Nitro Química, que tinha sido o principal negócio do Grupo entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a primeira metade dos anos 1950. Naquela segunda metade da década de 1960, porém, a empresa enfrentava dificuldades – era preciso conviver não só com a falta de matérias-primas, mas também com a insolvência de clientes importantes, desestabilizados pelas medidas do governo militar para conter a inflação. Em 1967, ele teve de negociar uma reestruturação acionária, em que a Votorantim assumiu a participação do Grupo Klabin na Nitro Química, em troca da exclusividade na fabricação de náilon. A produção foi reorganizada, estabeleceu-se uma política mais rigorosa para conceder crédito a clientes e compradores e foi lançado um esforço para qualificar a mão de obra e contratar executivos bem-formados.

O irmão mais novo dos Moraes também respondia pelos reflorestamentos, um segmento dos negócios que ganharia importância na década seguinte, ao possibilitar uma nova reinvenção dentro da Votorantim, dessa vez em sua matriz energética. No fim dos anos 1960, o Grupo cultivava quase oitenta milhões de árvores, distribuídas pelos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.

Clóvis Scripilliti, o genro de José Ermírio e o último dos quatro a ingressar nos negócios da família, dirigia todos os empreendimentos da Votorantim na região Nordeste. Ele começou por duas usinas de açúcar em Pernambuco, que reorganizou como exportadoras de álcool. Essa foi a alternativa encontrada para tornar a operação rentável – assim o produto escapava do tabelamento de preços do governo e ao mesmo tempo não era preciso competir internacionalmente em mercados muito subsidiados, como do açúcar.

Scripilliti também foi o comandante da expansão dos negócios de cimento na região. Ele alugou um pequeno avião monomotor para mapear pessoalmente as jazidas e analisar de perto os mercados regionais. Além de ampliar a produção da Fábrica de Cimento Poty (em Pernambuco), em 1967 inaugurou uma nova unidade em Aracaju (SE), a Cimento Portland Sergipe. Em 1968, começou a funcionar a Companhia Cearense de Cimento, em Sobral (CE), para abastecer os estados do Ceará, Piauí e Maranhão.

A precariedade da infraestrutura da época exigia um jogo de cintura e capacidade de adaptação em dose dupla, no que a autonomia decisória do modelo de gestão descentralizado se mostrava essencial. O genro de José Ermírio teve que montar um sistema próprio de comunicação para interligar as unidades nordestinas, porque não havia contato telefônico entre as plantas. Um sistema de rádio foi instalado para transmitir relatórios diários de produção e vendas. Transportar o produto final também não era tarefa fácil, obrigando Scripilliti a montar uma subsidiária só para isso, com quatrocentos caminhões – depois, para abastecê-los, teve de criar a própria rede de lojas de pneus.

Havia o lado positivo naquilo tudo também. Como as distâncias regionais do Brasil ainda eram insuperáveis naquele tempo, a produção no Nordeste foi decisiva na consolidação da Votorantim no segmento. No início da década de 1970, o Grupo dominava um terço do mercado nacional e contava com oito unidades produtivas – nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul (duas), Pernambuco, Sergipe e Ceará.

O resumo da situação do Grupo no fim dos anos 1960 indica como o novo modelo de liderança compartilhada, posto em prática pela terceira geração, funcionou a contento. A Votorantim fechava a década com cerca de cinquenta unidades industriais espalhadas pelo país, empregando quarenta mil funcionários.

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Bruno Ferrari Salmeron

Autor do livro “Governança em Família: da fundação à sucessão”, é diretor de Operações da Divisão Automotiva da Schulz S.A., membro do Conselho do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e coordenador do Capítulo de Santa Catarina do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).

O livro pode ser adquirido no site da Editora Évora, através do link:

www.editoraevora.com.br/governanca-em-familia

Ricardo Cristiano Oribka

TranspoTech Equipamentos – Somos obstinados na entrega de soluções com equipamentos de movimentação, de baixo consumo energético, alta eficiência. Nosso maior ativo são as nossas PESSOAS!

3 a

Muito legal o artigo!

Gláucia Junqueira

Planejamento Estratégico, Crescimento e Desenvolvimento de Mercados e Produtos | Cultura Desempenho e Ética Organizacional

3 a

Gostei muito do artigo, mesmo! Parabens

LINDÍSSIMA HISTÓRIA!!! PARABÉNS!!!

Rafael Bittencourt

Product Manager | Team Leader | Squad Lead | People Lead | PSPO | Gerente de Produto | CBPP | Coordenador | Professor | Autor e Curador líder do livro Transição para PO e PM

3 a

Muito bom o artigo, parabéns. Um abraço.

Ótimo relato, exemplo de como uma gestão séria e alinhada dá resultado, mesmo com uma série de adversidades.

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