A gestão do home office: do concreto ao intangível
"Por Ronald Dauscha
Quando se fala em home office, além da definição de que as atividades de uma empresa passam a ser realizadas na residência dos colaboradores, idealiza-se, imediatamente, os ganhos advindos dessa nova prática (seja essa deliberada ou forçada, como no caso da atual pandemia). É importante deixar claro que a maior parte das funções administrativas podem ser exercidas remotamente, de forma eficiente, e que a legislação brasileira, atualmente, permite esse regime.
Os benefícios quantitativos decorrentes dessa mudança nos hábitos e processos profissionais são vários: menor tempo de deslocamento em grandes cidades quando se mora distante do local de trabalho, menores custos de transporte (público ou privado, com combustível, pedágio etc.), menores riscos (acidentes, assaltos etc.), entre muitos outros. Os ganhos qualitativos vão desde uma melhora na alimentação, maior tempo para lazer e dedicação a hobbies (quando não há isolamento, também para prática de esportes) até uma convivência mais intensa com a família (educação dos filhos, entretenimentos conjuntos etc.).
Após ratificadas as incontestáveis vantagens do trabalho em casa, deve-se, contudo, sempre deixar claras as premissas necessárias ao ambiente e à infraestrutura para que uma boa prática das atividades profissionais possa ser realizada com eficácia: uma razoável separação física e acústica na área escolhida para trabalhar, a garantia de padrões de ergonomia, disponibilidade de computador ou notebook à altura das atividades exigidas, uma rede de comunicação com velocidade e estabilidade garantidas, bem como todos os equipamentos correlatos e necessários (roteador, repetidores Wi-Fi, no-break etc.). O suporte de TI e a segurança de dados deverão ser disponibilizados pelo empregador.
Até aqui, esses aspectos objetivos de ganhos e premissas não foram defrontados com outros parâmetros mais sensíveis, delicados e tênues. Um compromisso a ser perseguido entre as partes (em geral, integrantes da família) é a da “separação presencial” entre quem atua de forma remota e os coabitantes exercendo outras atividades ou estudando.
Isso passa por minimizar desde pedidos de ajuda pelo companheiro para tarefas ou consertos em casa, “invasão” não intencional de familiares (preponderantemente, crianças) em conversas e reuniões a distância ou em momentos de concentração e inesperados atendimentos de prestadores de serviços. Porém, todos esses exemplos, inicialmente criticados, devem ser objeto de reflexão e reconsideração, pois com a adoção de novos modelos de definição de metas e acompanhamento, aliados a um formato de horário de trabalho flexível, surgirá um novo modus vivendi de uma vida familiar e profissional híbridas e interligadas.
Esclarecendo essa mudança inexorável, ao invés do processo anterior de registro de horas, definição e controle de tarefas e monitoramento presencial de atividades, muitos conceitos novos disseminados (ainda não amplamente utilizados) deverão ser incorporados para tornar viável a prática do escritório em casa e trazer bons resultados: a definição de metas pelos superiores – e não de tarefas, uma maior organização pessoal (que deve, em parte, substituir vários procedimentos empresariais), o autogerenciamento, a rápida obtenção de informações por meio de sua própria rede de contatos, reuniões sistemáticas de alinhamento entre os integrantes da equipe, entre outros.
O aspecto da ascensão na carreira também assume totalmente outros esforços e estratégias. É consenso que o crescimento profissional não se dará só mais por uma constante aquisição de conhecimento e acúmulo de experiências, mas, sim, também por comportamentos e atitudes diferenciados – esses últimos preponderantemente só reconhecidos presencialmente – e que são premissas fundamentais tanto para carreiras técnicas como para futuras posições de liderança. Como não há mais a exposição presencial de atitudes, decisões e comportamentos perante a chefia, será necessário ser mais proativo para ser detectado e bem considerado nas futuras avaliações de desempenho: frequentemente, deve-se ressaltar o que se está fazendo, oferecer ajuda e compartilhar ideias e sugestões.
Deve-se, também, atentar para alguns erros comportamentais muito comuns na prática do home office. Desde “ir trabalhar” sem estar vestido adequadamente (sugere-se, inclusive, que o façamos como se fôssemos para o escritório físico), despachar em camas ou sofás, até agendar, para otimizar o tempo, várias reuniões seguidas sem espaço algum para despachar as ações definidas na reunião anterior ou se preparar para a próxima. Uma dica, aqui, é sempre deixar um período mínimo entre os encontros, como se fossem “deslocamentos virtuais”, tanto para a copa para tomar um café ou o equivalente a dirigir no trânsito a caminho de um novo compromisso.
Um último fator a ser gerenciado é a possível depressão decorrente do home office. No ocidente, não somos criados para ficar sozinhos, tanto no trabalho e no lazer quanto em práticas esportivas (sem falar na prática de meditação ou afins, tão comuns em outras culturas). Mesmo que não se more sozinho, a falta do ambiente de trabalho, do convívio com colegas e das relações sociais em geral, pode, em casos extremos, levar à depressão. Duas técnicas possíveis para evitar a evolução nesse sentido são: envolver colaboradores que atuam isoladamente em suas tarefas, sem a necessidade de interação com outras, como ouvintes em algumas reuniões que digam respeito ao tema; e realizar, esporadicamente, happy hours virtuais, onde, com microfone e câmeras ligados, todos os colegas, de forma descontraída, encontram-se e divirtam-se longe de suas responsabilidades profissionais.