Globalização e Globalismo
Recentemente, numa publicação no blog de um think tank a que nos honramos de pertencer, com sede em Campinas, Estado de São Paulo, Brasil, procurando perspetivar como será a vida DC (novo significado: Depois do Covid), os seus autores, entre 18 mudanças apontadas na publicação, denominada “Nada será como antes”, sentenciavam que “o globalismo sofrerá um duro revés, substituído pelo protecionismo”. Rapidamente compreendemos que os autores em causa quereriam antes dizer globalização e não globalismo. Não foram os primeiros, nem por certo serão os últimos, a confundir os dois conceitos, tratando-os como sinónimos, que na realidade não são. Assim sendo, propomos estabelecer as incontornáveis diferenças entre ambos os conceitos, com recurso ao contributo de abalizados estudiosos e intervenientes na área das Relações Internacionais.
Não existe uma definição de Globalização universalmente aceite, que aliás não representa um fenómeno recente, embora em tempos de modernidade se possam divisar duas grandes datas: a época dos Descobrimentos Portugueses e Espanhóis (a partir do século XVI) e os anos 80 do século XX (revolução microeletrónica, novas tecnologias de informação e comunicação, aldeia global) com projeção na área económica, significando a integração internacional dos mercados de produtos básicos, de capitais e de trabalho, segundo a proposta de Levitt, em 1983, para designar a convergência dos mercados no mundo inteiro (Medeiros, 2013).
Fenómeno multifacetado e de grande complexidade, que importa caracterizar nas suas diferentes perspetivas (políticas, económicas, sociais e culturais), mas também numa visão de conjunto, é indubitável que a abordagem de estudiosos e políticos se centra primordialmente na componente económica. Como demonstra a própria OCDE que, em1994, definiu a globalização como “um fenómeno centrífugo e microeconómico, o primeiro abrangendo o comportamento e as estratégias das empresas (haveres, tecnologia e ativos financeiros), enquanto o segundo se concretiza pelo aparecimento de empresas capazes de marcarem a divisão internacional dos processos de produção, de elaborarem a comercialização de marcas e produtos diversos em vários continentes e de efetuarem uma gestão com externalidades (marketing, finanças, etc.) (Medeiros, 2013).
No tocante ao Globalismo, para o Embaixador Paulo Roberto de Almeida, “é um conceito novo, criado com motivações deliberadamente políticas, para caracterizar um movimento ou processo, equivalente a outros ismos existentes no cenário intelectual ou conceitual do mundo moderno, uma tentativa de forças conservadoras ou de direita, para rejeitar a sensação de perda de soberania nacional em prol da globalização, justamente como se estivesse ocorrendo uma conspiração de forças globalizantes para reduzir a soberania dos Estados em favor de um fantasmagórico “governo mundial” (Blog Diplomatizzando, 2017).
“Não hesito em classificar tal concepção estreita de alguns dos efeitos da globalização na categoria das manifestações paranoicas, derivadas de certo nacionalismo estreito, de um soberanismo introvertido, e de uma atitude defensiva em relação aos avanços diretos e indiretos da globalização, para mim inevitáveis e positivos, como aliás a própria perda de soberania dos Estados nacionais sobre partes importantes das políticas públicas, o que considero ser uma tendência favorável à racionalidade económica e ao bem-estar das sociedades nacionais” (Almeida, 2017).
“A esquerda política, num certo sentido, também atua contra a globalização, como visto pelo exemplo de diversos partidos europeus na rejeição dos projetos comunitários ou dos acordos regionais e plurilaterais de abertura económica e de liberalização comercial, como também em outros continentes. Na América Latina, diferentes componentes da esquerda tendem a rejeitar os acordos de livre comércio, em favor de projetos mercantilistas, estatistas, intervencionistas, colocados sob estrito controlo das burocracias nacionais” (Almeida, 2017).
Em síntese, pode dizer-se que o Embaixador Paulo Roberto de Almeida é dos que acreditam que este assunto do globalismo não passa de mais uma “teoria da conspiração”, da parte dos que se opõem à globalização, desvalorizando o assunto. Respeitando a posição do ilustre diplomata, parece-nos, contudo, dever atender-se à diferença real dos conceitos de globalização e de globalismo, como ponto de partida para uma pesquisa mais coerente do ponto de vista científico.
Nos antípodas, situa-se o Professor Doutor Filipe G. Martins, que, num Seminário da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), realizado em junho de 2019, em Brasília, sobre a temática “Globalismo”, define-o como uma “tentativa de instrumentalização política e ideológica da globalização, com a finalidade de promover uma transferência do poder decisório das nações para um corpo difuso de burocratas, cosmopolitas e apátridas, que respondem não às comunidades nacionais de eleitores, mas a um restrito conjunto de agências de influência com acesso privilegiado a esses burocratas, o que, no limite, significa a substituição das democracias liberais representativas por um regime tecnocrático e pouco transparente, no qual o poder decisório está concentrado nas mãos de alguns poucos privilegiados” (Martins, 2019).
No mínimo, como atrás dissemos, será prudente estabelecer as diferenças entre os conceitos de globalização e de globalismo, pois embora relacionados, não significam a mesma coisa. No dizer do Embaixador Luis de Castro Neves, VIII CORE, FUNAG, São Paulo, novembro de 2019, a Globalização “caracteriza-se sobretudo pela internacionalização dos processos produtivos, o que leva à necessidade de reformular uma série de conceitos, como o do protecionismo ser capaz de proteger uma dada economia face às restantes”, enquanto Globalismo é “a criação de uma arquitetura internacional voltada para a governança global, apoiada em organismos internacionais de grande alcance” (Neves, 2019).
E mesmo descontando o facto do Embaixador Castro Neves se referir apenas a um dos aspectos, ainda que marcante, da globalização no campo económico, já quanto àdefinição de globalismo não deixa dúvidas: o que algumas forças pretendem é alcançar a governança global, quiçá “surfando a onda” de uma globalização tida por irreversível. Esse objetivo, aliás, data de tempos longínquos na História, sendo a globalização um excelente veículo para concretizar agora, no século XXI, o que parecia não passar de uma utopia.
O aparecimento da pandemia do covid-19, apenas com alguns meses de devastações causadas, por todo o mundo, parece ter atirado esses propósitos para as calendas gregas, falando-se já até numa nova Era, a da Desglobalização. Da nossa parte, desejamos que a globalização continue. Uma globalização mais regulada e mais humanizada. Com preocupações acrescidas no domínio social e não só no económico. Quanto ao Globalismo, pode ir com a covid-19. Governo mundial só lá para 4559, quando poderosos Aliens quiserem destruir a Terra, na boa tradição dos filmes de ficção científica…
Associate Professor at FUUSA Florida University USA
4 aMuito bom artigo Prof. Doutor Tito Carvalho, sua lucidez em explicar temas relacionados ao Novo Normal surpreende.