A Governança dos Cuidados Clínicos no âmbito de hospitais
INTRODUÇÃO
A intenção deste artigo é de contribuir para o debate sobre o conceito de Governança Clínica adotado, em tempos mais recentes, no âmbito hospitalar.
É lugar comum dizer que as instituições de saúde devem estar preparadas para as mudanças decorrentes da constante inovação tecnológica e o correspondente aumento dos custos, para a necessidade urgente de se estabelecer uma cooperação e coordenação mais eficientes entre os diferentes níveis de atenção, para o aumento da participação dos usuários nas decisões sobre sua saúde e para o desafio de tomar decisões em um sistema por demais complexo e diversificado.
No entanto, também é fato que a administração hospitalar contemporânea tem inovado na sua abordagem, passando da tradicional gestão vertical, com a visão clássica de serviços clínicos intramuros, para um planejamento e monitoramento mais amplo e transversal de suas atividades clínicas, seguindo tendências gerenciais e estabelecendo novos modelos de controle e avaliação, capazes de dar maior efetividade aos seus resultados assistenciais. Nesse sentido, pode-se afirmar que a principal influência teórico-metodológica aos modelos de administração hospitalar mais atuais foi, e continua a ser, a Teoria da Qualidade e suas derivações no campo da Saúde, em que o comprometimento direto dos profissionais e a segurança dos cuidados tem sido a pedra angular da eficiência da gestão.
A Governança Clínica ou a Governança dos Cuidados Clínicos é uma dessas derivações conceituais que emergiram do movimento da Qualidade e que se consolidaram como alternativas de boas práticas preconizadas pelos processos de Acreditação em saúde. Dentre seus princípios, destaca-se a "convergência das políticas institucionais em prol de uma gestão mais global de serviços e sistemas de saúde, focada nas necessidades do usuário, na qualidade e na segurança dos procedimentos clínicos" – entendendo-se aqui a "convergência de políticas" como a adoção, por parte dos gestores, de políticas mais integradas, potencializadas pela conjunção e interação das ações de cuidados clínicos pensados e dispensados ao paciente.
Inicialmente, visto como um novo paradigma, o conceito tem contribuído para um redesenho dos modelos de planejamento estratégico e operacional de serviços e sistemas de saúde em nível mundial. Teoricamente, ele estabelece uma lógica de inversão, partindo da premissa clássica do ajuste do cuidado em saúde ao planejamento e administração financeira, para, ao contrário, colocar o cuidado como objeto central do planejamento.
No contexto histórico, a expressão “governança” surgiu, pela primeira vez, num documento do Banco Mundial, Governance and Development, de 1992, sendo definida como “a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um País visando a seu desenvolvimento”, implicando ainda na “capacidade dos governos de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções”. Esse documento trouxe reflexões no sentido de “aprofundar o conhecimento das condições que garantiriam um Estado mais eficiente”. E tal preocupação deslocou o foco da atenção das implicações estritamente econômicas da ação estatal para uma visão mais abrangente, envolvendo as dimensões sociais e políticas da gestão pública. (Ibid., p. 400).
Foi o governo trabalhista britânico que lançou a expressão "Clinical Governance" , em 1999, numa associação lógica ao que propunha o documento do Banco Mundial, enfatizando a necessidade, naquele momento, de se aprofundar o conhecimento das condições que garantiriam um NHS - National Healthcare System - mais eficiente, melhorando sua capacidade de planejar, formular e implementar políticas, e cumprir suas funções com uma visão mais abrangente dos cuidados clínicos prestados.
Entretanto, a discussão da melhoria da gestão de serviços clínicos no Reino Unido tinha sido retomada mais intensamente, alguns anos antes, após o "Escândalo de Bristol", na Inglaterra, em 1995, no qual o anestesista Stephen Bolsin tornou pública a alta taxa de mortalidade em cirurgia cardíaca pediátrica no Bristol Royal Infirmary. Quatro anos depois, o documento Health Act, de1999, marcou o início da regulamentação mais efetiva da gestão clínica como base elementar da qualidade na prestação dos cuidados. Esse ato regulatório governamental reforçava o direito legal de qualidade da assistência à saúde aos cidadãos e definia os níveis de responsabilidade na prática. E estabeleceu-se, pela primeira vez, um quadro nacional, dentro do qual o NHS pode trabalhar em prol da revisão da qualidade dos cuidados que prestava aos pacientes, em decorrência da denúncia do Dr. Bolsin. A partir dali, a Governança Clínica colocou uma responsabilidade clara sobre as organizações do NHS para a prestação e melhoria contínua do atendimento. Na prática, isso significava a regulamentação de ações que resultariam em uma melhora na qualidade dos cuidados através de uma força de trabalho motivada e qualificada para a prestação. Na época, o conceito foi apresentado para beneficiar, sem dúvida, todo o sistema de saúde e para manter um alto padrão de cuidados clínicos.
Scally e Liam Donaldson (1998) o explicaram como sendo "uma estrutura através da qual as organizações do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido seriam responsáveis por melhorar continuamente a qualidade dos seus serviços e manter elevados padrões de cuidados através da criação de um ambiente no qual a excelência dos cuidados clínicos deveria acontecer". E a essa afirmação eles incorporaram três atributos principais que deveriam ser considerados em sua implementação: a busca permanente de elevados padrões de cuidado, a responsabilidade sempre transparente e a prestação de contas à regulamentação do governo numa dinâmica constante de melhoria.
O conceito aplicado
A Governança ou a Governação dos Cuidados Clínicos é, portanto, primariamente, um conceito de gestão de sistemas, organizações e serviços de saúde, focado na atividade clínica, sustentado por políticas institucionais convergentes que tendem a resultar em ações de melhoria e maior segurança dos cuidados prestados à população.
A partir do ato regulatório no Reino Unido, seus princípios foram rapidamente incorporados ao processo de desenvolvimento de padrões universais de qualidade gerencial da assistência, no momento em que crescia no mundo inteiro o número de modelos de avaliação de cuidados com fins de Acreditação de Organizações e Sistemas de Saúde. Efetivou-se, assim, a sua projeção como tendência para a gestão de saúde mais efetiva, no final dos anos 90 do Séc. XX.
Anteriormente, o papel do Hospital, no centro do Sistema de Saúde, já vinha sendo também revisto, e a estruturação diferenciada dos cuidados direcionados ao paciente se consolidava, muito mais fortemente nos Estados Unidos, em dois tipos básicos: O Inpatient care para os cuidados prestados a pacientes em regime de internação hospitalar, e o Outpatient care para os cuidados direcionados aos pacientes em regime ambulatorial ou em regime de tratamento extra-hospitalar. Evidente que essa classificação não resultou de um processo isolado da série de transformações e inovações pelas quais a atenção em saúde e a própria Medicina passaram nas três últimas décadas. E, como em qualquer movimento social transformador, aconteceram ajustes ou adaptações que chamo de "processos derivados".
O redesenho do modelo de gestão dos serviços hospitalares foi um desses.
Os serviços de Outpatient care constituíram-se, em suas vertentes clínicas e cirúrgicas, seguindo guidelines específicas e centradas no tempo médio de permanência, organizados nos chamados One Day Services - em que o paciente passou a receber cuidados por, no máximo, 23 horas e 30 minutos, reservados os últimos 30 minutos para as 24 horas para as decisões de Alta e/ou Internamento (transferência da condição de Outpatient para Inpatient).
O que se viu, nesse cenário pregresso, foi uma sucessão de paradigmas sendo quebrados, e as transformações dos modelos assistenciais sendo acompanhadas de novas formas de administrar o Hospital contemporâneo.
A Governança Clínica veio nessa sequência, impulsionada pelo movimento mundial da Qualidade e da Segurança dos Cuidados, entretanto, não sendo apresentada como um modelo de gestão hospitalar alternativo ou mais eficaz que os existentes. Ao contrário, surgiu como uma abordagem abrangente para agregar valor ao planejamento e aos mecanismos de monitoramento de todo o processo do "cuidar", em todos os níveis de atenção, enfatizando as funções clínicas.
A sua adoção no âmbito do hospital foi uma consequência natural, mas, apesar de sua aceitação rápida, ainda carece de clarificação conceitual em muitos países. Além disso, ainda se sente a falta da participação mais ativa dos conselhos de administração e executivos hospitalares em promovê-la como estratégia. Porém, mesmo que em implementação relativamente recente, os sinais de sua efetividade são promissores.
Referências
- Scally G, Donaldson LJ. Clinical governance and the drive for quality improvement in the new NHS in En- gland. BMJ 1998; 317(7150):61-65.
- Coward R. Educational governance in the NHS: a literature review. Int J Health Care Qual Assur 2010; 23(8):708-717.
- Kelly BD. Changing governance, governing change: medical regulation in Ireland. Ir J Med Sci 2010; 179(1):3-7.
- World Health Organisation (WHO). The principles of quality assurance. Copenhagen: WHO; 1983. (Report on a WHO meeting)
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8 aMuito bom, parabéns!!!
Sales Manager - Executivo de Contas - CTO - CIO - Inovation - Gestão de TI - Gestão de Negócios
8 aMuito bom, parabéns !!! A quebra de paradigmas ainda em alta e o preconceito de estar sempre com a capacidade máxima dos leitos ocupados ainda é uma máxima para o modelo de gestão que ainda nem pensa em repensar!!!