A grande reflexão

A grande reflexão

Mais um final de ano se aproxima e, com ele, as típicas reflexões sobre o que conseguimos alcançar, quanto avançamos na vida, o que esperamos atingir no próximo ano. As experiências desse balanço de final de ano são às vezes difíceis de relembrar e quase sempre trazem a incômoda questão “para que mesmo tudo isso?”.

Mergulhada nessa vybe, usei meu final de semana para reler o clássico livro “Em Busca de Sentido” de Viktor Frankl e percebi que ainda fazia uma ideia errada do que o autor considera uma vida com sentido. Descobri também que é muito interessante se estudar o sentido, ainda mais em um final de ciclo. Havia lido Frankl há muitos anos e tinha guardado a dimensão de sua sabedoria ao falar do sofrimento humano, mas havia me esquecido do seu pragmatismo em relação às grandes questões existenciais. Refletindo sobre elas entrelaço nesse artigo os gigantes Viktor Frankl, Manfred Kets De Vries e Carl Jung.

Hoje, no meio empresarial, muito se fala sobre a necessidade de produção de sentido ou sensemaking. Sentido em si é uma palavra muito ampla, tão vasta quanto as formas de explica-lo. No dicionário existem para ela 21 definições, das quais destaco primeiramente três: propósito, compreensão e significado. Como propósito, entende-se sentido como algo a se realizar, o alvo, o objetivo pelo qual se vive. Como compreensão, nossa capacidade de dar sentido à experiência, de percebermos as coisas com nossa razão. E como significado a possibilidade de entregar um contexto determinado ao que se faz, ou seja, uma unidade de sentido.

Há ainda um quarto jeito de entender sentido, que nos faz bem nesse momento: o de orientação para um movimento, por exemplo quando dizemos no “sentido norte” ou “sentido horário”. Uma vida com sentido traz norteamento, força que nos move a uma determinada direção.

Exatamente o que está faltando à muita gente. Conversando com vários clientes ao longo desse ano, se pudesse resumir seu estado de espírito agora, eu diria que, após tantos desafios e sofrimentos de ordem pessoal e profissional, eles estão com extrema dificuldade em continuar a fazer qualquer coisa que não encontrem sentido em ser feita. Esse processo é natural em nosso desenvolvimento como pessoa e parece ter sido agravado pelas experiências com o Covid-19. A pandemia nos trouxe, nesses últimos dois anos, doses diárias de isolamento, intercambialidade de vida pessoal e profissional e a percepção da brevidade da vida. De que ela se vai como um sopro.

Manfred Kets De Vries, psicólogo, psicanalista e coach de lideranças, em seu excelente livro “Sexo, dinheiro, felicidade e morte”, explora as principais questões existenciais que rondam a cabeça das lideranças. São aqueles questionamentos que, quando não respondidos de forma satisfatória, roubam a atenção de executivos(as) enquanto eles (as) deveriam estar envolvidos em questões como planejamento estratégico, reuniões de resultados e demais arranjos da vida corporativa. A esse processo ele chama de busca por autenticidade:

“A autenticidade implica fazer coisas que tenham sentido para nós e que façam com que nos sintamos úteis. Infelizmente, muitas pessoas passam pela vida sem identificar nela qualquer sentido e sem conseguir perceber nela um senso de utilidade. Eles são como sonâmbulos, mesmo quando estão ocupados fazendo coisas que julgam serem importantes.”

E eis que aqui, no andar de nossos dias, nos deparamos com muitas coisas sem sentido, em qualquer tradução do termo. E isso não se resume apenas à vida corporativa. Por exemplo, por que pessoas postam fotos felizes, se em seu íntimo estão confusas e tristes? Por que muitos usam a máscara no queixo ou sozinhos no parque? Por que montamos árvores de Natal com neve se vivemos em um país tropical? E por aí vai.

Na criatividade dos memes de internet reproduz-se um sujeito com uma camiseta que diz: “sobrevivi a mais uma reunião que podia ter sido um e-mail”. E eis aqui a falta de sentido que mais tenho presenciado nos últimos dias: o excesso de interação, a sobrecarga de contato e comunicação, sem que haja sentido no que se faz, com quem se faz, por que se faz. Para muitos executivos a maior parte do tempo se divide entre reuniões para definir o que fazer (sem que efetivamente sobre tempo para fazer as coisas combinadas), rolagem de timelines em redes “sérias” ou vídeos triviais, notícias aleatórias; ou aquele velho tour na agenda de vacinação que vai do Iapoque à Bielorrúsia, disponível diariamente no noticiário. É um pouco um espetáculo “non sense”. Mas não precisa ser assim.

Vejamos os atuais meetings, antes tão somente reuniões. A piada é antiga, do mundo pré-pandemia. Nos 2000 fazíamos auditoria para prêmios de gestão e encontrávamos como prática de destaque as “matrizes de reuniões”. Na roda do cafezinho falávamos que elas alimentavam o “programa de milhagem de reuniões”, fazendo alusão aos iniciados programas das companhias aéreas que muitos começavam a coletar.

Eis que 20 anos depois e com muita tecnologia acumulada multiplicamos as bases de acesso às pessoas: agora podemos encontrá-las pelo whats, chat do Teams, drone e até o velho e-mail. No entanto, a ansiedade da busca pela tarefa permanece, e substituímos a angústia do isolamento da pandemia por horas de Zoom e áudios de dez minutos no final do dia. Segue a sina das reuniões sem sentido. E eis que alguns gestores são tão ocupados em sua semana que não raro alguém vem com outra piada: “desculpa que nessa reunião não posso ir, porque nessa hora estarei trabalhando”.

Mesmo com o excesso de possibilidades de conexão, nesse mundo digital cada vez mais online e on-time, nos sentimos repletos de reuniões e tentativas de contatos que não seriam necessárias, envoltas que são em tentativas de controle, sentimentos de falta de confiança e falta de autonomia. E isso acabou sendo mais exposto ainda quando, em função dos protocolos sanitários, tais compromissos invadiram nossos lares, nossas horas de descanso, nossos finais de semana. É um paradoxo: mesmo com todo o grau de conexão que a tecnologia nos permite, nos sentimos cada vez mais desconectados e, sim, confusos. Sobre isso fala Kets De Vries:

“Uma vida desprovida de significado é uma vida vazia. Precisamos transcender os sentimentos de tédio, desconexão e alienação - tão familiares nessa era de conveniências e abundância. Conseguimos chegar à transcendência quando formamos um ELO de ligação com algo maior do que nós mesmos.”

Nesse momento busco novo fôlego com Victor Frankl. O que mais aprecio na visão dele é que o sentido, ou significado da vida, não é algo que se encontre pelo pensamento ou argumentação lógica, tampouco com modelos mentais de construção da realidade. O sentido é algo concreto, que encontramos única e exclusivamente por nossas ações, a partir das decisões e direção que tomamos. Mais especificamente o sentido pode ser encontrado a cada passo de nossa estrada e não em alguma montanha sagrada. Não está no alto da escalada e sim na mais ordinária das rotinas. Diz ele:

“A rigor nunca e jamais importa o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós.”

E complementa:

“Em última análise viver não significa outra coisa que não arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida, pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida e a cada indivíduo, pelo cumprimento da exigência do momento.”

Assim é que nosso desafio é tirarmos o melhor de cada situação, fazendo nossa parte, entregando de nós o que é possível, o que é lógico, o que é necessário. Do que se extrai que, mais importante que achar respostas para o sentido da vida, é encontrarmos uma vida com sentido, especialmente em meio às dificuldades.

Carl Jung, em seu livro Memórias, Sonhos e Reflexões, nos presenteia sobre o entendimento de seu papel como psicanalista e da importância da busca por sentido e autenticidade:

“Enquanto médico, sempre me pergunto que mensagem traz o doente o que significa ele para mim. Se nada significa, não tenho um ponto de apoio. O médico só age onde é tocado. “Só ferido cura.” Mas quando o médico tem uma persona, uma máscara que lhe serve de couraça, não tem eficácia. Levo os meus doentes a sério talvez me encontre muitas vezes exatamente como eles: diante de um problema.”

E agora, no final de ano, qual é a maneira emocionalmente inteligente de produzir sentido? Ao que tudo indica, pela pausa, pela troca ausente de telas. Jung também lembra da importância de podermos conversar com alguém sobre nossas dúvidas e aflições. Mesmo terapeutas tem supervisão de terceiros, para que possam ver diferentes pontos de vista sobre um problema.

“Tenham também um confessor, homem ou mulher! As mulheres são muito bem-dotadas para isso. Elas possuem uma intuição muitas vezes excelente, uma crítica pertinente e podem perceber o jogo dos homens e às vezes também as intrigas de sua anima. Elas descobrem aspectos que o homem não vê.”

Feliz fico com o elogio de nossa intuição feminina. Reforça-se também aí a importância de amizades e amores longevos. Somos seres que precisam de conversas significativas e funcionamos muito melhor quando podemos contar com testemunhas para nossa jornada.

Dito tudo isso, meu palpite: não fuja das reflexões de final de ciclo. É preciso finalizar para recomeçar. Desligar, para ganhar energia para o novo. Esse é o tempo certo para rever rotinas, rodar o ciclo de aprendizado, papear sem pressa, limpar as gavetas e se preparar para o desconhecido território de Janeiro. Por isso mesmo aqui na Conexão IE vamos fazer uma pausa, recesso do mundo online. Fica nosso desejo de um pouco mais do melhor tempo de todos, o off-line. Que possamos todos nós produzir, pelo experimentar da vida, um pouco mais de sentido.

Num restinho de inspiração, termino esse artigo com mais uma frase de Carl Jung:

A mais ínfima coisa dotada de um significado tem mais valor na vida que a maior de todas as coisas sem sentido.”

Boas reflexões!

Marcia Azeredo

Gerente Comercial Thomson Reuters (Soluções Domínio)

3 a

Como sempre, é um prazer ler o que escreves Alessandra Gonzaga, Ph.D.! Obrigada por trazer esta reflexão tão importante. 😍 🙏

Bárbara Padilha Bastos

Mentoring & Coaching | Marketing Digital | Social Media | Empreendedorismo | Agência Digital

3 a

É tão bom ler as tuas reflexões, e na maioria delas a sintonia com as minhas é inexplicável. Esses dois últimos anos para mim foram de grandes aprendizados, como tu mesma sabe rsrsrs. E ainda continuo aprendendo com a minha rotina do dia-a-dia. Mesmo quando tudo parece que está no lugar correto, a vida te faz rever as ações e começamos a construir algo novo. A vida é uma caixa de surpresas, sempre nos surpreendendo. Hoje após longos anos de terapia, mentoria, leituras, uma depressão, consigo perceber o real sentido da minha vida: VIVER. E é viver no presente. Saber fazer escolhas, ter um tempo para mim, ter um tempo para a família, ter o tempo para a carreira. Saio de 2021 com sentimento de gratidão, por todos esses dias, e a cada reflexão percebo o quantas oportunidades tivemos. Que 2022 seja tão majestoso como este ano! Nos vemos por lá! Um beijão! <3

Vivian Laube

Especialista em Comportamento Organizacional e Liderança / Apaixonada por Comunicação Não Violenta/ Criadora do Método Vamos Aprender a Conversar/Mentora/ Facilitadora de cursos e palestras

3 a

como sempre Alessandra Gonzaga, Ph.D., profunda e inspiradora. Amei!

Rogerio Branco da Silva

Gestor Imobiliário - CRECI 258657 - CNAI 44870

3 a

Bela reflexão 👏🏼👏🏼👏🏼

Carla Cristina de Almeida

Ajudo profissionais na comunicação autêntica | Fortaleço sua marca com estratégia na rede profissional | Mentora em LinkedIn | Gestão do Perfil 360 graus | Consultoria estratégica | Palestrante | Redatora Ghost e Copy

3 a

Alessandra Gonzaga, Ph.D. penso que neste momento e diante de tantos fatos já vividos no todo coletivo, todos nós estamos "exaustos" dos acontecimentos repetitivos que batem nas portas de nossas vidas. Porém é necessário manter a sanidade mental para que o físico colabore e assim demos continuidade ao que precisamos executar. Momentos íntimos, individuais e somente conosco são precisos para darmos uma "freada", refazer os pensamentos e seguir com as forças que temos e que precisam se renovar. Assim podemos também ter bons costumes em uma leitura agradável, um momento de meditação ou ouvindo uma música, cozinhando a sua refeição preferida. Saúde mental é importante e precisa do seu lugar nas nossas vidas.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos