Grunhidos.
Quando a espécie humana iniciou a comunicação entre seus pares os grunhidos foram essenciais. Os originários de nossa espécie, os primatas, desconheciam a linguagem verbal, digamos, com a elegância praticada por escassos nos dias atuais. As necessidades básicas dos primatas estão presentes até hoje no nosso dia a dia, seja alertando para o perigo, ou exprimindo emoções através de gestos comportamentais, ou na necessidade de atuação em grupo para defender determinados interesses.
Os grunhidos se popularizaram rapidamente entre os primatas, e o motivo foi óbvio, era preciso agir com eficácia e rapidez diante dos desafios, sobrevivência o nome do jogo.
Os anos passaram a espécie evoluiu, a linguagem foi se tornando complexa, no entanto, os grunhidos continuaram ali convivendo em harmonia conosco tendo alta relevância na comunicação não-verbal. Nos tempos atuais como deixá-los ao lado quando o cotidiano do ser humano é recheado por frustações? E, o barulho? Grunhidos e gestos são mais eficazes em diversas situações e fazem parte do nosso repertório.
A linguagem sofisticada é essencial para a evolução da raça humana, ela é complexa, ela exprime com maestria o que os grunhidos não fantasiam. A beleza dessa linguagem foi conferida a poucos da nossa espécie, sendo que alguns sabem apreciá-la como um bom vinho raro transportando suas mentes para paragens inesploradas, por exemplo, a descrição do eu lírico. Um exemplo prático encontramos tropeçando em "Tabacaria" no início do poema quando Álvaro de Campos diz:
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
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À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
Uma angústia existencial refletida com extrema sofisticação muito longe da linguagem não-verbal, a impossibilidade de alcançar seus sonhos quando inseridos num mundo sem propósitos claros. Sim, acena com “a esperança” no último verso, talvez, imaginando que lideranças mundiais surjam com uma visão sistêmica e holística. Essas mesmas lideranças que simplesmente inexistem atualmente.
Passados anos, séculos, milênios a comunicação humana atingiu requintes inimagináveis. Obviamente, esses estágios superiores de excelência dependeram da língua falada e escrita em cada localidade. Já os grunhidos estão conectados com a necessidade de respostas rápidas, o que nos traz até 2024, onde a velocidade das mudanças nos conduz a aparente não necessidade de leituras aprofundadas. Tudo deve ser rápido, abrupto.
Diante da IA – Inteligência Artificial a criatura superior ao criador, diante de um mundo aparentemente sem fronteiras, diante da comunicação amigável e a disponibilidade de *Gadgets a nossa juventude faz uma meia volta e releva, assume, saboreia os grunhidos, interrompendo milênios de evolução e contribuindo para o apartamento da sociedade, aqueles que conseguem enxergar a ruptura e os demais bilhões de seres humanos. Esses bilhões estão condenados ao ostracismo e a uma condição de vida assistencialista.
Em breve estaremos diante do salário-mínimo mundial necessário para manter sobrevivendo a maior parte das novas gerações num mundo desprovido de Pessoa.
*gíria tecnológica para designar dispositivos eletrônicos portáteis criados para performar funções específicas do cotidiano,