Guerra Fiscal
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) estabeleceu a isonomia entre os entes federativos, quais sejam União, Estados, Distrito Federal e Municípios, haja vista que todos detêm autonomia e, competência para legislar a respeito de algumas matérias, cuja limitação se dá nos contornos das normas constitucionais.
Assim, pode-se dizer que, dentro dessa conjuntura não há hierarquia entre os entes, pelo contrário, esses deveriam se harmonizar e, não se digladiarem.
Segundo o disposto no artigo 60, § 4, I, da CRFB é impossível editar lei complementar com intuito de abolir a forma federativa de Estado, ou seja, a atual formatação do Estado brasileiro é cláusula pétrea e, não pode ser modificada.
O território brasileiro é muito extenso e, o desenvolvimento econômico e social não chegou para muitas regiões, cite-se Estados e, Municípios.
A título de exemplo, o Estado de São Paulo, região sudeste do país, nem se compara com a região norte e, nordeste, pois aquele é rico e desenvolvido, já este carece de mínimas condições para o desenvolvimento regional econômico, como também padece de condições para oferecer o mínimo de dignidade para o ser humano.
Certamente o legislador constitucionalista ao analisar a desigualdade social e regional, redigiu na CRFB a norma abaixo elencada, in verbis:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
Novamente em outro artigo, no mesmo sentido a Carta Magna reforça essa imprescindível norma, in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
Diante de tais normas diretrizes de todo o sistema legal, penso que os entes federativos mais desenvolvidos deveriam se solidarizar com os menos providos, a fim de saciarem um bem maior e comum, qual seja a redução das desigualdades regionais e sociais.
Contudo o que vemos é uma verdadeira Guerra entre os entes da Federação e, o egoísmo regional impera numa total afronta a solidariedade que deveria nortear as relações entre eles.
Inclusive há uma batalha árdua travada junto aos Poderes do Estado, dentre esses, cite-se os Governadores dos Estados e, seus "Senadores" e "Deputados", tudo mancomunado para que nenhum Estado perca ou reduza sua receita.
Em contrapartida ao todo do sistema político, geralmente estruturado para defender os interesses muitas vezes egoístas de alguns Estados ricos da Federação, outros entes menos favorecidos, oferecem benefícios atrativos para as indústrias, isenções e benefícios fiscais de toda sorte, para que assim, na sua região haja o mínimo de desenvolvimento econômico e, por via de consequência haja melhorias no campo social.
Ainda assim, essas medidas não são suficientes, não haverá igualdade com as outras regiões mais providas e, reflexamente melhores condições sociais.
A dignidade da pessoa humana no Estado de São Paulo não é a mesma dignidade para a pessoa humana no Estado da Bahia, por exemplo.
As pessoas humanas são iguais? Sim! E, os Estados da Federação tratam essas pessoas como iguais? Não!
De outro modo, para sanar um pouco dessa disputa desigual, alguns entes da Federação oferecem melhores condições tributárias para empresas, indústrias, prestadores de serviços, etc... bem como é possível até mesmo reduzir o valor da mão de obra em algumas regiões, o que de fato aumentam e muito o lucro tão almejado pelo sistema capitalista.
Por outro lado em contrapartida à retirada dessas indústrias que migram para aquelas regiões mais benéfica, geram perda de arrecadação, geram desemprego e, instabilidade econômica local.
No entanto a ganância de um Estado rico como o de São Paulo é tanta, que nem percebe a migração silenciosa das indústrias, prestadores de serviços e, empresários para outros Estados que oferecem vantagens de toda sorte.
Outrossim, não podemos culpar o industriário, empresário, comerciante, ao buscar uma competitividade melhor no mercado, mas o principal é a significante redução da carga tributária.
Dentre as competências delegadas pela CRFB aos Estados e ao Distrito Federal encontramos a instituição de tributos, para que provejam recursos necessários a manutenção financeira, o que torna se fundamental para a autonomia federativa.
Nessa guerra fiscal declarada entre os Estados, pode-se dizer que o vilão é o ICMS, que é complexo e, vários Estados utilizam alíquotas diversas, sem falar nos convênios existentes, a exemplo o CONFAZ, que concede isenções, incentivos e benefícios fiscais, bem como sua revogação.
É de suma importância compreender que os convênios são etapas prévias ao conjunto de providências legiferantes. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal se posiciona:
ICMS e repulsa constitucional à guerra tributária entre os Estados-membros: o legislador constituinte republicano, com o propósito de impedir a 'guerra tributária' entre os Estados-membros, enunciou postulados e prescreveu diretrizes gerais de caráter subordinante destinados a compor o estatuto constitucional do ICMS. Os princípios fundamentais consagrados pela CF, em tema de ICMS, (a) realçam o perfil nacional de que se reveste esse tributo, (b) legitimam a instituição, pelo poder central, de regramento normativo unitário destinado a disciplinar; de modo uniforme, essa espécie tributária, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo, (c) justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação conjunta, poderão por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais. CONVÊNIOS E CONCESSÃO DE ISENÇÃO, INCENTIVO E BENEFICIO FISCAL EM TEMA DE ICMS: A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial a valida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS.
Esses convênios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributaria em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. (STF. Pleno. ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 8.9.1995. Grifado).
Nesse mesmo sentido, destaque-se o voto na ADI, cuja Relatoria do eminente Ministro Ilmar Galvão:
Ato normativo que, instituindo isenção de ICMS sem a prévia e necessária edição de convênio entre os Estados e o Distrito Federal, contraria o disposto no mencionado art. 155, §2, XII, g, do texto constitucional. Inaplicabilidade, no caso, da regra do art. 61, § 1, II, b, da Carta da República em relação, exclusivamente, à matéria tributária dos territórios. (STF. Pleno. ADI 2.357-MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 7.11.2003. Grifado)
Ressalte se que o Senado é de grande importância para a amenizar essa Guerra, uma, que cada Senador representa um Estado-ente da federação, duas, que a CRFB expressa:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;
V - é facultado ao Senado Federal:
a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;
VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;
Vê-se a importância do Senado nessa guerra declarada entre os Estados e Distrito Federal, haja vista que a fixação das alíquotas passa pelo crivo da casa legislativa.
Diante de todos esses argumentos podemos apontar como problema o pensamento egoísta e regionalizador dos representantes dos Estados e DF, que estão cada vez mais longes dos ditames da solidariedade e, bem mais afastados ainda de atingirem a maturidade necessária que leve o nosso país a concretizar um de seus principais objetivos constitucionais, qual seja reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Não há necessidade da manutenção de uma “Guerra Fiscal” escancarada, o que o cidadão brasileiro necessita urgentemente é de um olhar mais humano e, expansivo, que transcenda além do próprio interesse voraz de cada ente da Federação.