A história de Francisco e Eugênio
História e personagens verdadeiros. Corria o ano de 1969. Fazia cinco anos que o Brasil vivia e sofria os excessos do regime de exceção que se instalara, verdadeiramente, em 1º de abril de 1964 – o dia da mentira – não em 31 de março, como aqueles mentores do ignominioso golpe de estado quiseram fazer crer que a sua ditadura militar recém-instalada ficasse reconhecida na história como revolução.
Francisco tinha então 33 anos e já comandava a Cia. Fiação e Tecelagem Santa Bárbara, após a morte do seu pai, Rafael Cervone, em 14 de janeiro de 1968.
Eugênio Basso contava 56 anos de idade e trabalhava na “Cia. fiação” ou “de fiação” ou, ainda, no “Cervone” - como se referiam à empresa - desde 1º de fevereiro de 1955, talvez um dos mais antigos trabalhadores da empresa fundada em 1922.
Eugênio participara ativamente dos cuidados com Francisco desde a sua infância, atuando como uma espécie de ama-seca da família de Rafael Cervone. Saía a passear com ele, transmitia-lhe as primeiras impressões sobre a vida das pessoas, o trabalho, a sobrevivência difícil dos trabalhadores com relação à duração da jornada diária de trabalho, por exemplo, com tantas horas a cumprir até o seu encerramento. E, claro, aos baixos salários pagos à época aos trabalhadores da principal indústria barbarense, fora do âmbito da atividade canavieira, do plantio e da colheita da cana de açúcar e do álcool por parte das usinas açucareiras localizadas em Santa Bárbara d’Oeste.
E, claro, também se incluindo na exclusão das usinas antes referidas, a Indústrias Romi S/A e as indústrias do fabrico de implemento agrícola.
Eugênio se encontrava na agência postal para retirar uma correspondência registrada com aviso de recepção (AR) provinda da empresa em que ele trabalhava: a Cia. Fiação e Tecelagem Santa Bárbara.
Indignado e inconformado por estar sendo notificado de tal maneira (por carta registrada e com AR), bastante alterado, quase transfigurado, manifestava conhecer o conteúdo de tal correspondência: “deve ser uma carta de advertência!”, afirmava em tom alto.
“Querem me mandar embora”, continuava. “Vai ver, vou ser demitido por justa causa”, reverberava. Suspeitava disso por causa de amigos do trabalho lhe terem dado uma dica para “ficar esperto”.
Eugênio bradava: “eu, praticamente, criei a pessoa que assina esta carta”, “vou me recusar a receber esta carta, quero ver só”, “imagine só, muitas vezes, eu limpei o Chico quando ele se sujava, fazendo as suas necessidades nas calças”, “agora, ele me adverte com a ameaça de me demitir”, “não é justo!”. Eugênio quase que chorava naquele momento.
Inopinadamente, Francisco havia ingressado na agência enquanto Eugênio se manifestava. Sem que ele percebesse, se aproximara de Eugênio pelas costas, constatando o seu estado emocional quase que descontrolado e deparando com aquele quadro que o remetia naquele momento à sua infância, havia pelo menos uns vinte e seis ou vinte e sete anos.
Francisco, sensibilizado pelos lamentos repetidos de Eugênio quanto a estar sendo injustiçado, se aproximara, tocando-lhe os ombros. Eugênio, ao se virar, percebia que os olhos de ambos se encontravam. E, sem palavra alguma, ambos se abraçaram emocionados.
Francisco, então, rasgara a carta... Os dois sorriram, subentendendo-se. Parecia que naquele momento mágico percorriam de volta o caminho que um dia fora apenas dos dois.
De mãos dadas, com a inocência do sorriso da infância de um e o da dedicação, do cuidado e da fidelidade do outro a permear ambos os lábios, augurando o futuro que ainda estava por vir.
Cinquenta anos se passaram... Para quem crê, possivelmente estarão revivendo agora no céu o júbilo da vida de ambos aqui na Terra.
Assim seja!
Alonso de Oliveira, jornalista. Foi secretário de Administração, diretor de Suprimentos e coordenador de RH da prefeitura de Americana. RG 5.209.484. E. mail: alonsoliveira@hotmail.com.