A história de Matthew VanDyke, o mercenário nerd
Um comando SEAL, a força especial da Marinha americana que executou Osama Bin Laden em 2011, foi morto no início deste mês durante um combate contra o Estado Islâmico no norte do Iraque. Charlie Keating IV é o terceiro militar americano a morrer na atual campanha contra o Estado Islâmico, que começou em junho de 2014. Além de fontes oficiais, as principais reportagens sobre a morte de Keating baseiam-se em entrevistas com Matthew VanDyke, um americano que criou uma unidade de treinamento de milícias cristãs do Iraque dedicadas a defender seu território dos terroristas islâmicos. É uma reviravolta interessante. Até poucos anos atrás, nenhum jornalista sério daria crédito a VanDyke.
VanDyke é mais um nerd americano que saiu pelo mundo em busca de aventuras e acabou envolvido em guerras alheias. Parte de sua história foi brilhantemente contada no documentário “Point and Shoot”, disponível na Netflix. O documentário retrata VanDyke como um sujeito meio esquisitão, excessivamente preocupado com a própria imagem, que compra uma moto e viaja solitariamente pela África, pelo Oriente Médio e pelo Sudeste Asiático. Ele tinha um plano um tanto quanto megalomaníaco de fazer um filme sobre suas aventuras. Por isso, sem muito planejamento, registrou em vídeo praticamente tudo o que viveu nessas viagens. São milhares de horas de gravações, muitas feitas com a câmera GoPro presa ao capacete enquanto cruzava desertos e países em guerra, como o Afeganistão. Depois, conseguiu credenciar-se junto às forças americanas para atuar como jornalista “embutido” (embedded, em inglês) na guerra do Iraque, escrevendo para um pequeno jornal dos EUA.
Numa dessas viagens, VanDyke fez amizade com um hippie líbio. Quando os protestos contra o ditador Muamar Kadafi na Líbia estouraram, VanDyke resolveu ir ao país para reencontrar o amigo e, quem sabe, filmar os acontecimentos por lá. Logo os protestos se transformaram em guerra civil e VanDyke acabou preso pelas forças de Kadafi. Ficou seis meses confinado em uma solitária. Sua família tentou obter ajuda de organizações de proteção aos jornalistas para libertá-lo, mas a verdade é que nenhum jornalista tinha ouvido falar nele e nenhum veículo de comunicação tinha vínculos com ele. Até que, em um ataque rebelde a uma base onde funcionava uma prisão do regime, VanDyke foi libertado junto com outros rebeldes ou opositores. Essa história é contada no livro "Correspondente de Guerra", que escrevi com o fotógrafo André Liohn, que retratou a guerra da Líbia.
O americano que passou seis meses preso na Líbia agora treina cristãos para lutar contra o Estado Islâmico no Iraque
Em vez de voltar para casa, VanDyke foi novamente de encontro ao seu amigo hippie transformado em combatente rebelde, e resolveu juntar-se à revolução. Ganhou roupas camufladas, um fuzil e o endosso dos rebeldes. Mas seu desempenho como soldado era duvidoso. Há uma cena muito representativa no documentário da Netflix em que VanDyke é levado para uma janela de um prédio, de onde ele poderia facilmente abater um franco-atirador de Kadafi. O americano passou um bom tempo mirando, vacilando. Quando ele finalmente ganhou coragem para atirar, o alvo já havia saído da sua mira.
E VanDyke sofre de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Há um trecho em que ele quase tem um chilique porque os rebeldes derrubaram açúcar sobre as caixas de munição que estão dentro do carro que irá levá-los ao front. O americano tem fobia de açúcar.
Esse mesmo VanDyke depois foi para a Síria, onde fez o seguinte documentário sobre uma fotógrafa e sobre um rebelde sírios, e agora está no Iraque treinando cristãos assírios que querem defender suas famílias e suas cidades do avanço do Estado Islâmico. Será que, desde que amarelou diante da possibilidade de matar um homem a sangue frio, VanDyke tornou-se um mercenário de verdade ou continua brincando de guerra? Um amigo em comum me garantiu que sim: VanDyke agora sabe guerrear.
(Leia a continuação deste post em A Boa e Velha Reportagem, um blog de Veja.com)
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8 aImpressionante! Vou ver o documentário, fiquei curioso.