HISTORICIZAR: A POLÍTICA DO BRASIL - II REINADO 1840/1889 (parte 4/5)
IV. No Segundo Reinado, aconteceram diversas reformas políticas. Quais foram elas? Por que se diz que o Brasil viveu o Parlamentarismo às avessas?
Cabe analisarmos algumas coisas não muito curiosas sobre a nossa política. Uma delas é que reformar é sempre positivo, afinal dar nova forma é permitir que o novo ganhe espaço diante da nossa realidade, da nossa rotina, da nossa vida. Podemos aqui resgatar as ordens renascentistas e reformistas, o iluminismo e as ordens revolucionárias. Todas, cada uma com sua peculiaridade contribui com essa nova forma de ver, pensar e sentir o mundo. Portanto, reformar é oxigenar pensamentos, permitir novas práticas e novos olhares sobre si mesmo e o mundo a nossa volta.
No tempo dos nossos imperadores (1822 – 1889) tivemos muito trabalho para criar ou mesmo estabelecer nossa forma. É importante perceber que nesse tempo a herança portuguesa foi enorme e esse caráter é compreensível por conta da memória que se estabeleceu antes, daquilo que se mostrava útil para os primeiros momentos do nosso país diante da utilidade que se manifestava e, porque não, da necessidade de seguirmos com aquilo. Sendo assim, vale dizer que, por exemplo, uma forma plenamente brasileira para a política vai demorar um bom tempo para surgir e se estabelecer, mais precisamente, talvez, tenhamos aí uma ordem que nos leve aos anos 1930. Tempo em que criamos mais raízes, nos apropriamos dos nossos processos e estabelecemos de forma mais própria nossa identidade e nossa memória enquanto Estado que existe em sua mais complexa estrutura.
Como dito anteriormente, metropolizamos com D João VI e nesse momento pudemos ter uma nova forma. Uma forma de não submissão. Percebemos que poderíamos ser uma forma diferente da ordem colonial. Pedro I funda o país. Funda com todas as ações e alianças uma nova ordem, ainda apoiada em bases antigas, é verdade, mas bases ainda uteis, importantes e necessárias para os passos que viriam. Já Pedro II é aquele que vai representar a esperança de um país e vai , mesmo que em idealizações, buscar nos colocar em forma mais ampla, variada e, porque não, unida. Essas são algumas das formas que o pais foi sendo moldado desde a sua gênese enquanto país.
Perceber a política imperial e suas formas, por exemplo, é nos voltarmos a uma realidade curiosa onde tínhamos um jogo de cartas marcadas onde um mandava, muitos discutiam, mas todos, no final, obedeciam – porque afinal, todos tinham juízo. Tínhamos um modelo que herdara as estruturas coloniais e assim, em pleno século XIX, ainda achávamos natural a escravidão, os abismos sociais, o elitismo, um clero exageradamente presente e perceber como única vocação a agro-exportação.
Essa forma política que se amparava essencialmente na figura do imperador e na presença dos seus aliados, as elites, nas diferentes esferas e nas diferentes casas do poder deixava claro que esses seriam os responsáveis pela construção do país. Nesse tempo em que construíamos as bases para o nosso Estado, o mundo já tinha visto e vivido o sucesso dos estadunidenses em sua luta contra a ordem inglesa, o triunfo burguês contra o Antigo Regime, via a retomada burguesa frente os abusos de Viena, o surgimento e a conscientização das massas proletárias e, logicamente, a estruturação daquilo que nos definiria para sempre, o estabelecimento, organização e ordenação de uma sociedade industrial consumidora. Todo esse panorama de grandes ideias, feitos e, principalmente, novas possibilidades esbarravam, e muito, no ranço do conservadorismo ou como definia Nelson Rodrigues na nossa síndrome de vira-latas.
O certo é que nesses tempos as partes não se compunham muito bem e, ainda, é bom lembrar, existia um abismo social muito grande por aqui. As práticas políticas eram muito simplistas e, por obviedade, eram encaminhadas a cumprir os desígnios, ordens e vontades da classe política. Tais práticas vindas de tal classe esbarrava no projeto de poder estabelecido pelo Estado e, por isso, houve sempre muito desgaste entre as partes – disso se justifica, por exemplo, abdicação de Pedro I. Foi, portanto, até 15 de novembro de 1889, um intenso jogo de morde e assopra entre as elites e o imperador.
Com Pedro II essa lógica foi seguida e o que vai diferencia-lo do pai é o fato de que ele fez uso mais frequentemente do Moderador. Esse intenso uso permitia que as novas formas fossem testadas e postas em prática, afinal, com o Quarto Poder em mãos ele conduz, influencia e controla toda a dialética democrática daquele tempo, logo, não há dialética porque o imperador não aceita qualquer ato ou manifestação que fuja de seu controle, observações ou interesses.
Portanto, a forma que temos aqui é uma forma que sempre vai mudar conforme os humores do mandatário, dos conluios das elites ou das combinações entre essas partes e, assim, chegamos ao ponto em que temos muitas formas sem nenhuma efetividade e isso vai caracterizar o nosso plano político e social que se apresenta como aquele que muda, mas não transforma.
Essa realidade de muda, mas não transforma fica evidente quando Pedro II, dado a arroubos de liberalismo ou liberalidades experimentalizou por aqui, um país que flertava com Absolutismo, o Parlamentarismo.
Ulisses Guimarães, político brasileiro do século XX, definia o Parlamentarismo como ‘o regime da responsabilidade com prazo indeterminado’. Para o acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Davi Souza de Paula Pinto autor do artigo ‘Parlamentarismo: surgimento e características gerais’ ‘[...] a Inglaterra é o berço do sistema parlamentar, podemos dizer que a ideia principal deste é quebrar com o poderio das monarquias absolutistas. [...]’ e o processo inglês se coloca diante de transformações feitas entre o séculos XIII e XVII com João, sem terra ao assinar a Magna Carta, passando por Elizabeth, a ordem republicana inglesa e a Revolução Gloriosa de 1688 o espectro parlamentarista foi tomando forma e ganhando peso entre os ingleses sempre colocando, de acordo com o teórico Mário Lúcio Quintão Soares, de forma bem reduzida, o seguinte entendimento para o Parlamentarismo “é uma forma de regime representativo dentro do qual a direção dos negócios públicos pertence ao parlamento e ao chefe do Estado, por intermédio de um gabinete responsável perante a representação nacional” (SOARES, 2001 p. 510).
Estávamos no século XIX, século da indústria, da ciência e dos mercados, tempo em que para ser moderno ou parecer com um bastava ser ou parecer com um inglês. Então, buscando inspiração entre os ingleses, Pedro II nos converte ao regime parlamentar na tentativa de dar uma forma mais moderna para nossa política. Boris Fausto assim apresenta esse nosso momento parlamentar da nossa História ‘Naquele ano (1847), um decreto criou o cargo de presidente do Conselho de Ministros, ou gabinete, encarregado do Poder Executivo. O funcionamento do sistema presumia [...] o gabinete devia merecer a confiança, tanto da Câmara como do imperador. Houve casos em que Câmara forçou a mudança de composição do Conselho de Ministros, mas o imperador detinha uma considerável soma de atribuições através do Poder Moderador e isso distingue o sistema político imperial do Parlamentarismo [...]´. (FAUSTO, Boris. 2002, p. 179).
Portanto, se o regime parlamentar inibe o rei absolutista com uma Constituição, um Parlamento e a tripartite do poder, por aqui tivemos tudo isso dentro de uma ordem de poderes plenos nas mãos do imperador, ou seja, demos novas formas sem mudar o conteúdo ou mudamos, sem transformar. Portanto, tudo não passou de uma grande contradição e uma hipocrisia, afinal buscávamos ser o que não éramos e a ter o que não tínhamos.
Essa ação ficou para história como o Parlamentarismo às avessas, uma vez que em busca das novas formas, o imperador, buscava aplicar um liberalismo que também era às avessas, ou seja, tínhamos uma Constituição, que fora outorgada em 1824, apresentávamos o nosso eixo econômico na agro exportação e não na indústria, o trabalho era escravo e o sistema produtivo derivava ou era ainda mantido de acordo com o mercantilismo colonial – o incomum ou pouco valorizado era o trabalho livre e assalariado, nossa sociedade era bastante conservadora e as ideias liberais ou liberalizantes eram adaptadas a esse contexto de muitas contradições e hipocrisias. Portanto, diante de todo esse contexto o país fazia mudanças, mas negava as transformações.
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7 aBoa leitura, Thiago! Adorei!