Reverberando texto originalmente publicado ontem, 25/4, no Vozes do MCD. Caso você ainda não conheça o Movimento por Uma Cultura de Doação, não deixe de seguir a página aqui.
Terça-feira, 24/4/24, 10:03, no WhatsApp: "Cássio, bom dia, querido!!! Como você está?? Passando para relembrar que esta semana a Voz do MCD é a sua! 👏🏽 [...] Você consegue me mandar até amanhã às 10h?”
Terça-feira, 24/4/24, 10:13, eu, lendo o WhatsApp: 😱
Estava totalmente focado numa palestra sobre filantropia negra, no FIFE (Fórum Interamericano de Filantropia Estratégica), quando a cabecinha que não para de ter ideias se viu precisando de alguma para o texto de hoje, quinta-feira, 25/4/24.
Nesta semana mesmo estava rascunhando três textos potenciais para o Spray de Pimenta, no LinkedIn, mas quando fui espiar… nenhum aproveitável aqui (um sobre primeira infância, outro sobre masculinidades amarelas… vai vendo!).
Foi quando olhei para a tela do computador e notei que precisava parar de fugir da raia. Comecei o dia cedinho pensando no que falar em um painel sobre IA no campo social. Depois, pela manhã, testei uma ferramenta de IA para gerar campanhas de redes sociais no estalar de um prompt. Na semana passada estava num evento em que só se falava de… IA.
Não me recordo de nenhum fato desde que passei a trabalhar no campo filantrópico há duas décadas capaz de mudar tantos paradigmas da sociedade atual como o da (re)emergência da IA. Quando escrevo, pesquiso, estudo sobre isso, é mais porque considero deveras importante falarmos mais e melhor no nosso campo do que por prazer (aqui vos fala uma pessoa que não mantém nenhuma rede social para além do LinkedIn - e já na sofrência). Ao menos fico feliz que não precisei pedir para o Chat GPT me inspirar com sugestões de tema e comecei então a refletir sobre os impactos da IA não no campo social em si, mas na cultura de doação.
Foi um desastre. Como bom pisciano que cientificamente sou, me perdi num jogo interno de luzes e sombras para chegar a uma resposta ao título deste texto (mais sombras, confesso). Então, full disclosure (que o Deepl, melhor ferramenta de tradução com uso de IA, diz significar "divulgação integral"), apelei para a IA generativa me trazer um exercício inicial de cenários positivos e negativos que ela pode ter sobre cultura de doação. Tirando repetecos, erros conceituais e itens de que discordo, destaco alguns:
Recomendados pelo LinkedIn
Cenários positivos
- Engajamento comunitário facilitado: A IA poderá conectar pessoas com causas e organizações de forma mais direta, criando uma comunidade de pessoas doadoras mais envolvida e consciente. Hoje, você, eu e a torcida do Flamengo detestamos chatbots, mas isso não quer dizer que em muito pouco tempo eles não poderão informar e responder rápida e assertivamente, com alto nível de qualidade, a quem doa - dinheiro, tempo e outros recursos -, promovendo uma maior interação e engajamento na comunidade de doação (quem nunca mandou uma mensagem para o contato@ e ficou a ver navios?).
- Acessibilidade e inclusão: A IA poderá ajudar a tornar a doação mais acessível para pessoas com deficiência ou limitações geográficas, promovendo uma cultura de doação mais inclusiva, um desafio no Brasil. Por exemplo, um aplicativo de doação baseado em IA pode ter melhores recursos de acessibilidade, como comandos de voz e texto em Braille, permitindo que pessoas com deficiência doem com autonomia.
- Estímulo à doação recorrente: Ferramentas de IA como plataformas de doação poderão enviar lembretes personalizados e incentivar a doação recorrente, promovendo a continuidade do apoio às causas e uma cultura de doação sustentável. Estamos a poucos passos de prover a quem doa experiências mais personalizadas e significativas, alinhadas aos seus interesses, causas e valores.
- Redução de barreiras à doação: A automação e a inteligência artificial poderão simplificar o processo de doação, reduzindo barreiras burocráticas e incentivando mais pessoas a doar. Se dá para comprar com um clique, cada vez mais será possível doar também (e não só no celular, mas em totens, pontos de venda etc.). Tomara.
- Promoção da consciência social: A IA já pode ser usada para aumentar a conscientização sobre questões sociais, promovendo uma cultura de doação informada e engajada. Quem nunca comprou algo de que não precisava indiretamente sob influência (ou manipulação) do algoritmo? Pois bem, uma campanha de doação que usa algoritmos de IA para segmentar e personalizar mensagens pode aumentar a conscientização sobre uma causa específica, como o combate à fome, e teoricamente mobilizar mais pessoas. Agora me ajuda a pensar nas questões éticas aqui implicadas?
- Maior transparência e confiabilidade: Para quem não abre mão de relatórios detalhados - e sabemos ser um desafio para muitas donatárias -, as ferramentas de IA poderão aumentar a transparência no uso das doações, por exemplo, rastreando o uso das doações e mostrando como estão sendo usadas. Benefício potencial a quem recebe as doações e poderá supostamente dedicar mais tempo de qualidade a suas atividades-fim (isso se outras demandas por controle não emergirem… palpite meu!).
Cenários negativos
- Desumanização do processo de doação: O uso excessivo da IA pode levar à perda de conexão humana, transformando a doação em um processo mecânico, o que pode prejudicar a cultura de doação (inclusive com os chatbots acima elencados que, por mais "humanos" que tentem parecer, seguirão sendo bots). Você consegue pensar em alguma situação em que sempre preferirá falar com seres humanos a robôs, mesmo com os riscos inerentes de falhas?
- Privacidade e segurança de dados: A coleta e uso de dados por meio da IA podem gerar preocupações com privacidade e vazamento de dados, desestimulando as pessoas a doar por medo de exposição ou uso indevido de suas informações.
- Exclusão digital: A dependência de ferramentas de IA pode excluir pessoas que não têm acesso à tecnologia ou conhecimento para usá-la, impactando negativamente a cultura de doação inclusiva.
- Distorção de prioridades: Algoritmos de IA podem favorecer certas causas em detrimento de outras, criando uma distorção na atenção e recursos destinados a diferentes questões sociais. Meu foco aqui não é captação, mas sim cultura de doação, porém impossível não pensar que organizações menores ou menos conhecidas podem ser deixadas de lado, criando uma distorção nas prioridades de doação e dificultando a promoção de uma cultura de doação equilibrada.
- Perda de autonomia na decisão de doar: A IA pode influenciar "demais" as decisões de doação, limitando a autonomia dos doadores e transformando a cultura de doação em algo mais direcionado por algoritmos do que por valores pessoais. Quem já nota que o algoritmo trouxe algo a partir de uma conversa que acabou de ter provavelmente também notará quando uma plataforma de IA sugerir causas com base em dados coletados - e há quem deteste sentir que suas escolhas estão sendo direcionadas (manipuladas?).
- Efeito bolha: A IA pode criar um efeito bolha ao sugerir causas e organizações com base em padrões de doação anteriores, limitando a exposição dos doadores a novas causas e ideias. Esse tipo de restrição pode restringir a amplitude e a diversidade da cultura de doação.
Não que já não seja assim sem IA para a maior parte desses pontos, mas, acredite - e não espere sentada(e/o) -, ela vai potencializar isso tudo nos próximos tempos.
Portanto, do lugar de um desconfiado pragmático, a resposta para a pergunta título é… um e outro; nem só um, nem só outro, tudo junto e misturado.
A vantagem? Boa parte da construção desses cenários - ainda - está em nossas mãos (o que não for de domínio das Big techs, claro… e que já é muito).
Para cada um deles (e diversos outros que me vieram depois) daria para mergulhar muito mais.
Se você tiver algum favorito (ou outros pontos a agregar), comente por aqui, pois em breve retornarei (desta vez sem sobressaltos!) e podemos fazer desta Voz do MCD um coral ainda maior. 😉
Parabéns pelo artigo, Cássio Aoqui!