A  ideologia  da  Propriedade Intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor

A ideologia da Propriedade Intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor

Obra

VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade intelectual: a inconstitucionalidade  da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor. Rio de Janeiro: EMERJ, 2005. Revista da EMERJ, v. 8, n. 30, 2005, p, 89-108. Disponível em:<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista30/Revista30_89.pdf>.

Estrutura

O trabalho está assim estruturado: 1. A invenção da propriedade intelectual; 2. A questão  da escassez; 3. O novo paradigma da tutela jurídica do trabalho intelectual; 4. O velho  paradigma da tutela penal da propriedade intelectual; 4.1. Em busca do bem jurídico; 4.2. A tutela penal de uma obrigação civil; 5. À guisa de conclusão.

Descrição da obra

O autor inicialmente trata da invenção da propriedade intelectual (PI) traçando uma linha desde a idade média com os copistas, passa pela invenção da imprensa, bem como afirma que a PI remonta, às origens do sistema capitalista, quando por pressão dos autores de obras intelectuais, toma-se por propriedade um ente incorpóreo que em rigor é trabalho intelectual.   

Aborda a questão da escassez mostrando que anteriormente havia carência de material, como papiro e papel, mas quando isso foi superado, a natureza do trabalho intelectual, que poderia ser replicado ad infinitum, acabou por ser tomada como propriedade intelectual, mesmo contra todas as evidências de que, uma vez alienada a propriedade, não pode mais ser utilizada por quem um dia a possuiu. Firmou-se então a ideologia da propriedade intelectual, outorgando a venda do trabalho intelectual dos autores aos detentores dos meios de produção.

Com o advento da internet, este novo sistema de distribuição do trabalho intelectual reduziu o custo dos bens e serviços necessários à aquisição de uma obra a praticamente zero e suprimiu o problema da escassez. Como consequência direta disso, o valor de troca do trabalho intelectual, que sempre esteve vinculado à escassez inerente à venda conjunta de bens e serviços, não pode mais ser mantido. Contudo, a venda casada da obra intelectual com produtos (papel) e serviço (impressão) continua ocorrendo, ou seja, a digitalização das obras intelectuais não aboliu a impressão de livros.

Por outro lado, na sociedade capitalista digital, o trabalho intelectual mesmo in natura possui considerável valor de troca enquanto permanecer inédito. Pois o pioneirismo na exploração de uma ideia garante ao capitalista um período de vantagem em relação à sua concorrência, o que justifica a compra do trabalho intelectual inédito pelos detentores do meio de produção para garantir os lucros derivados do pioneirismo de sua exploração, uma vez que não são as patentes que garantem os lucros das empresas, mas principalmente o segredo industrial e o pioneirismo.

Sobre o novo paradigma da tutela jurídica do trabalho intelectual, versa a respeito da remuneração do trabalho intelectual que começou a ser disciplinado em 1984, quando surgiu nos Estados Unidos da América um movimento liderado pelo programador Richard Stallman, com o objetivo de desenvolver um sistema operacional de livre distribuição, cujas licenças que garantiam o direito de distribuir e modificar livremente as obras intelectuais e convencionou-se chamar de Copyleft, em uma nítida alusão de repúdio às licenças tradicionais de Copyright que garantiam o monopólio do direito de reprodução das obras intelectuais. Esse novo conceito de livre distribuição e alteração do software passou a ser aplicado a outras formas de criação intelectual e foi criada a GNU Free Documentation License (GFDL Licença de Documentação Livre do GNU), aplicável a textos, imagens, músicas, filmes e outros documentos.

Ao contrário do que se poderia pensar, o Copyleft não veda a comercialização da obra, pois desde que permitam a livre distribuição e modificação da obra produzida, as empresas podem explorá-la comercialmente. Assim, uma editora pode editar e vender livremente uma obra distribuída na Internet sob Copyleft, de modo semelhante às obras em domínio público, mas jamais poderá impedir que alguém copie o livro impresso, por qualquer meio, ou que outra editora o publique, pois a licença original não permite ações monopolistas. O Copyleft é a superação jurídica da velha ideologia da propriedade intelectual e a consagração de um novo paradigma de tutela do trabalho intelectual que privilegia o autor em detrimento do interesse das empresas no monopólio do direito de cópia (copyright).

Uma das fortes afirmações do autor é pontuar: o que garante aos autores a remuneração por seu trabalho não é o monopólio do direito de cópia, mas a alienação deste trabalho aos detentores dos meios de produção que irão consubstanciá-lo em meio físico e vendê-lo no livre mercado.

Em relação ao tópico do velho paradigma da tutela penal da propriedade intelectual, o autor afirma que a superação da ideologia da propriedade intelectual e o surgimento, na esfera cível, do Copyleft como novo paradigma de tutela dos direitos do autor não foram, até o momento, acompanhados pelo Direito Penal. Cita os art.184, caput, do Código Penal e art.12 da Lei nº 9.609/98 pontuando que ainda se mantêm fiéis à ideologia da propriedade intelectual, tipificando a vaga conduta de violar direito de autor.

Em busca do bem jurídico, o texto aponta que o delito de violação de direitos de autor é um tipo penal vago, fundamentado em um bem jurídico indeterminado. É uma verdadeira afronta ao princípio constitucional da taxatividade, pois reúne sob o rótulo de propriedade intelectual uma gama de interesses como: o direito de atribuição de autoria, o direito de assegurar a integridade da obra (ou de modificá-la), o direito de conservar a obra inédita, entre outros direitos morais, e os direitos de edição, reprodução (copyright) e outros patrimoniais. Trata-se, portanto, de um tipo penal complexo que tutela não um, mas inúmeros bens jurídicos de natureza moral e patrimonial, agrupados sob a ideologia da propriedade intelectual.

O que há, segundo a obra, é um interesse individual e social em se tutelar a autenticidade de uma obra, bem como sua integridade, e que não há qualquer interesse jurídico do autor em evitar a reprodução de sua obra, muito pelo contrário, quanto mais seu trabalho intelectual for divulgado, maior prestígio social ele ganhará. E que o interesse em limitar a reprodução da obra é tão somente dos detentores dos meios de produção, que procuram manter um monopólio na distribuição da obra para, com isso, produzirem artificialmente uma escassez inexistente na era digital. E se o interesse patrimonial do autor é vender seu trabalho intelectual ao proprietário dos meios de produção, que irá consubstanciá-lo em meio físico e comercializá-lo, o interesse da indústria cultural é manter um monopólio do mercado que lhe garantirá a maximização dos lucros.

Quanto à tutela penal da violação de direitos de autor tal como é concebida hoje, segundo o autor, é um disparate jurídico que só se justifica quando encoberto pela ideologia da propriedade intelectual. Tal delito tutela ao menos três bens jurídicos absolutamente diversos: a) os direitos morais do autor; b) o direito do autor à remuneração pelo trabalho intelectual explorado pelos detentores dos meios de produção e c) mirabile dictu, o direito de monopólio de mercado dos proprietários dos meios de produção.

E em relação à tutela penal de uma obrigação civil, o autor discute ainda a pirataria e o copyright. E inicia afirmando que a pirataria em meio físico atinge os interesses do autor, que tem seu trabalho intelectual comercialmente explorado sem a correspondente remuneração pelo proprietário dos meios de produção, contudo, trata-se de uma dívida civil, jamais de ilícito penal. Afirma também que com a pirataria o autor deixar de receber uma renda ou salário, ainda que se trate de descumprimento de obrigação civil, jamais pode ser equiparado a uma lesão patrimonial semelhante ao crime de furto.

A pirataria digital, por outro lado, lesa principalmente os interesses da empresa, pois no sistema capitalista o trabalho intelectual in natura não possui qualquer valor de troca e o autor só é remunerado diretamente com a venda da obra em meio físico. A fonte primordial de sua remuneração é o salário indireto, decorrente do prestígio adquirido com a repercussão de sua obra. Assim, a criminalização da pirataria digital tem como única função garantir à indústria cultural o monopólio do direito de reprodução da obra (copyright), mesmo contrariando os interesses do autor na maior divulgação possível de seu trabalho intelectual. O que o leva a assegurar que o Direito Penal é travestido, pois, em instrumento de regulação do mercado econômico, garantindo um monopólio de direito de cópia concedido pelo Estado aos detentores dos meios de produção.

Concluindo, o autor reitera que com o advento do sistema capitalista, este monopólio passou a ser sustentado até os dias de hoje, sob a ideologia da propriedade intelectual, em benefício dos detentores dos meios de produção, e acabou por constituir verdadeira censura econômica.

Exemplifica com o alto valor de livros, CDs, DVDs e de programas de computador, que é sustentado por uma escassez de obras intelectuais criadas artificialmente por um monopólio do direito de cópia concedido pelo Estado aos detentores dos meios de produção. Esta escassez artificial, longe de tutelar os direitos do autor da obra intelectual, beneficia principalmente a indústria cultural, em detrimento da classe hipossuficiente da população, que é obrigada a escolher entre o consumo de bens de subsistência e de bens culturais e acaba optando impreterivelmente pelo primeiro. Desta forma, aumenta-se o fosso cultural existente entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e, internamente, entre os membros de uma elite econômica e cultural e a massa da população fadada ao trabalho braçal, à miséria e à ignorância.

Finaliza dizendo que sob a secular ideologia da propriedade intelectual, a indústria cultural procura desesperadamente justificar a necessidade de uma tutela penal da conduta de violar direitos de autor.

        

Lúcia Martins P. de Oliveira, Mestranda PROFNIT.

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