Importância da Due Diligence para empresas participantes de licitações
Como é de conhecimento geral, a due diligence é um processo de análise de risco prévia a determinada operação comercial com terceiros.
Essa análise costuma levar em consideração riscos relacionados a adoção de medidas anticorrupção, fraudes, conformidade com normas legais, bem como riscos financeiros decorrentes da capacidade do terceiro prestar o serviço ou fornecimento corretamente ou capacidade de saldar com os pagamentos, vale dizer, avaliar a saúde financeira e operacional com a empresa que se pretende firmar relacionamento.
No âmbito das contratações públicas, o conceito já se encontra bastante difundido, inclusive possuindo previsão expressa no parágrafo único do art. 11 da Lei nº 14.133/21 (nova Lei de Licitações):
A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.
Muitos entes da Administração Pública e do Sistema S, cientes dessa nova demanda, já possuem processos organizados através de questionários a serem respondidos pelos interessados, manuais e guias de avaliação de integridade, para realização da diligência prévia (due diligence), a fim de proceder a análise de risco em relação aos seus fornecedores, prestadores de serviço ou quaisquer outras empresas com quem estabeleçam relação contratual
Aqui, no entanto, pretende-se dar enfoque e recomendar a adoção de processo de due diligence pelas empresas que participam de processos de contratações públicas (licitações e contratações diretas).
Isso porque, diante das inúmeras consultorias prestadas por nosso escritório a essas empresas, nos deparamos com graves problemas de “relacionamento” com o órgão público que, muitas das vezes, inviabilizam a manutenção do próprio contrato, com riscos, entre outros, de glosas de pagamentos e aplicações de sanções.
Como é de se imaginar, tais dificuldades, apesar de não raras vezes a origem estar na fase de seleção pública (licitação ou contratação direta), só se evidenciam na fase contratual, quando a empresa já está completamente submetida ao regime jurídico público e não pode simplesmente desistir do negócio.
Assim, apresentaremos nesse texto uma lista não exaustiva de cautelas a serem analisadas previamente a decisão de participar de um processo de licitação ou de contratação direta e que poderá ser complementada através da própria experiência dos responsáveis da empresa pelo setor de licitações.
Análise criteriosa do edital
Essa sugestão parece óbvia, mas de nossa experiência, grande parte dos problemas que surgem na fase contratual decorrem do não conhecimento em detalhes de todo o instrumento convocatório. Talvez, por os editais sempre conterem em grande parte cláusulas padrões ou meras reproduções legais. Contudo, como se sabe, o “diabo mora nos detalhes”.
a) Primeiramente, atente-se ao cumprimento pela empresa de todos os requisitos habilitatórios, não só para o momento da participação, mas tenha em mente que, regra geral, esses deverão ser mantidos por toda a duração do contrato, e quais os impactos operacionais e financeiros dessa manutenção por toda a vigência contratual.
Por exemplo, caso seja necessário contratar determinado profissional para atender à qualificação técnico-profissional, ou aquisição/locação de determinado maquinário, os custos desse profissional/maquinário devem ser considerados para toda duração do contrato, antevendo ainda, possíveis prorrogações de prazos extraordinárias.
b) em que pese os editais possuírem muitas cláusulas padrão e que admitem uma leitura superficial, a descrição do objeto, serviço, obra ou fornecimento, deve ser rigorosamente analisada.
Qualquer incongruência na descrição do objeto que possa resultar em uma necessária readequação para fins de execução contratual, deve ser questionada ainda na fase de licitação.
Por exemplo, em uma obra, o mal dimensionamento de um quantitativo ou erro de medida ou outra especificação de algum material (espessura de telha ou tipo de viga de aço), poderá resultar na necessária modificação de valor ou alteração de especificação sob pena de inviabilizar a correta execução dentro das normas técnicas e padrões mínimos de segurança.
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Nessas situações, quando do requerimento da empresa para a devida adequação, que certamente irá gerar alteração dos valores do contrato, é comum que a Administração se recuse a conceder o reequilíbrio econômico-financeiro com fundamento no dever de vinculação ao instrumento convocatório e seu projeto básico ou termo de referência. Vale dizer, “se está no edital, deve ser cumprido pela contratada que anuiu com o referido ao participar do processo de seleção”.
c) dentro do possível, em caso de obra ou prestação de serviço, importante fazer visita ao local e realização das medições a fim de verificar se são as mesmas previstas em edital.
Da mesma forma, já nos deparamos com recusa da Administração na posterior adequação das medidas e concessão do acréscimo financeiro correspondente.
Essa avaliação do local também tem especial importância em contratos de cessão de mão de obra, no sentido de verificar se o local da prestação do serviço não contém fatores de insalubridade ou periculosidade omitidas no instrumento convocatório e anexos (sobre o assunto).
Por fim, nesse ponto, verificar se o edital contém exigências demasiadamente restritivas do universo de concorrentes, se direciona a seleção para determinada empresa ou produto, prevê o indevido fracionamento de despesa ou pretende contratar um objeto de forma unificada que por sua natureza poderia ser subdivido em lotes ou itens sem prejuízo à economia de escala e ampliando a concorrência.
Isso porque, a contratação decorrente de uma licitação ou contratação direta eivada desses vícios poderá ser questionada judicialmente ou por órgãos de controle, gerando a suspensão da execução do contrato ou mesmo sua extinção, o que gera, sem dúvidas prejuízo aos envolvidos.
Análise de contratos anteriores do órgão
Como regra, os contratos administrativos devem ter formalizados e publicizados quaisquer intercorrências durante sua execução, a exemplo de termos aditivos, notificações e advertências ao contratado, solicitações de esclarecimentos, aplicação de multas ou outras penalidades.
A análise dessa documentação, que deve fazer parte de um processo administrativo nos respectivos órgãos licitantes, pode fornecer um bom indicativo sobre a condução dos contratos pelos órgãos em relação aos contratados.
Através desses documentos deve-se atentar:
- houve pedidos de alteração contratual, alterações quantitativas ou qualitativas e de que relevância? Isso pode denotar falhas de planejamento do órgão e se são concedidos os acréscimos financeiros adequados.
- ocorrem as devidas formalizações dos termos aditivos ou o órgão se utiliza abusivamente de sua prerrogativa de fiscalização do contrato e solicitações de “meras readequações”?
- pagamentos são feitos em atraso, ou verificam-se glosas de pagamentos?
- ocorrência de rescisões unilaterais, os pagamentos são proporcionais ao efetivamente realizado, constam justificativas fundamentadas para adoção da medida?
- aplicação de sanções? Da mesma forma, avaliar se são legalmente embasadas e se as gradações entre o rigor da sanção e conduta apontada são adequadas.
Como já salientado, esses são apenas alguns pontos que merecem análise pelas empresas que têm como foco a captação de contratos públicos, sendo que há inúmeras cautelas aqui não contempladas por decorrem especialmente da natureza do objeto a ser contrato, vulto financeiro, amplitude territorial, e etc.
O principal objetivo aqui é salientar a importância da adoção de um processo de due diligence por essas empresas, o qual estará em constante evolução conforme passar do tempo e maior presença no setor público, caso contrário, a aventura de se contratar com o Poder Público sem a adoção das devidas cautelas prévias poderá gerar o comprometimento do negócio em razão de aplicação de multas, sanções de impedimento de licitar ou, ainda, o comprometimento operacional em contratos não sustentáveis, impedindo um fluxo de caixa saudável para a empresa.