BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGURO-GARANTIA NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
I - INTRODUÇÃO
O presente texto, tem por objetivo fazer uma breve análise do tratamento dado pela Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021) acerca do seguro-garantia, mais especificamente da sua utilização como garantia dos contratos celebrados entre Administração Pública e o particular prestador do serviço, obra ou fornecimento, bem como destacar as principais diferenças em relação a legislação anterior, notadamente a Lei nº 8.666/93.
Com o advento da Lei nº 14.133/2021, analisando-se especificamente sobre as garantias contratuais, percebe-se nitidamente a maior relevância dada ao seguro-garantia comparativamente a anterior Lei de Licitações e Contratos nº 8.666/93.
É possível dizer também, ao se analisar sistematicamente a nova lei, que há pelo legislador uma preferência ao uso do seguro-garantia em relação a outras garantias, quais sejam: caução em dinheiro; títulos da dívida pública e; fiança bancária. Se não há a dita preferência, é inegável que a nova lei regula com muito mais detalhes o seguro-garantia.
Outro ponto que se verifica é que as companhias seguradoras passam a ocupar uma posição de maior destaque nas contratações públicas, como se detalhará mais adiante.
II – GARANTIAS DE EXECUÇÃO PREVISTAS NA LEI
Pois bem, feitas essas considerações iniciais, observe que o art. 96 da nova Lei de Licitações, a exemplo do que ocorria com a Lei nº 8.666/93, oferece ao contratado a opção por qualquer uma das 3 seguintes garantias contratuais:
I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil, e avaliados por seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Economia;
II - seguro-garantia;
III - fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no País pelo Banco Central do Brasil.
III – DO SEGURO-GARANTIA: CARACTERÍSTICAS DIFERENCIAIS
Segundo o art. 97 da lei, o seguro-garantia “tem por objetivo garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado perante à Administração, inclusive as multas, os prejuízos e as indenizações decorrentes de inadimplemento”.
A apólice do seguro deve ter vigência suficiente a fazer frente a todo o tempo de duração do contrato, sendo necessário o endosso pela seguradora em casos de prorrogação ou qualquer outro fato que gere o aumento da vigência contratual (art. 97,I).
Para o caso de contratos que extrapolam o ano orçamentário, a exemplo dos de fornecimentos contínuos de bens e serviços, autoriza-se ao contratado a substituição da apólice do seguro-garantia na data de renovação ou aniversário, o que permite que o contratado busque opções mais vantajosas no mercado, especialmente com a redução dos valores gastos com prêmios.
IV – MANUTENÇÃO DA GARANTIA MESMO EM CASO DE NÃO PAGAMENTO DO PRÊMIO
Importante observar que o inciso II do art. 97 traz previsão que foge à prática comum do mercado de seguros ao dispor que o “seguro-garantia continuará em vigor mesmo se o contratado não tiver pagado o prêmio nas datas convencionadas”.
Vale lembrar que o pagamento do prêmio em dia é obrigação do tomador, no caso o contratado pela Administração, sendo que em ocorrência de sinistro cujo seguro possui prêmios não saldados, em regra, poderiam gerar a recusa do pagamento da indenização pela seguradora. No entanto, tal disposição legal foi devidamente recepcionada pela SUSEP através da Circular nº 662/2022, prevendo expressamente que “apólice continuará em vigor mesmo quando o tomador não houver pago o prêmio nas datas convencionadas”.
V – NOVOS LIMITES (OBRAS E SERVIÇOS DE GRANDE VULTO)
Acerca dos limites segurados, a Lei nº 8.666/93 dispunha que a Administração poderia exigir garantia contratual de até 5% do valor total do contrato e, excepcionalmente, poderia exigir até 10% “para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer”.
Na nova lei de licitações há relevante alteração desses limites. O art. 98 mantém o percentual de 5% como regra geral para as contratações, autorizando a majoração para 10%, “desde que justificada mediante análise da complexidade técnica e dos riscos envolvidos”.
A grande mudança é em relação a obras e serviços de engenharia de grande vulto em que poderá ser exigida garantia de até 30%.
Vale transcrever o dispositivo:
Art. 99. Nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, com cláusula de retomada prevista no art. 102 desta Lei, em percentual equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato.
Para fins da lei de licitações, grande vulto são obras, serviços e fornecimentos acima dos R$ 228 milhões (valor atualizado pelo Decreto 11.317/22).
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VI – CLÁUSULA DE RETOMADA
Note também que nos casos de grande vulto, obrigatoriamente a modalidade de garantia será através do seguro-garantia e com cláusula de retomada.
Quanto à cláusula de retomada, essa é prevista no art. 102 da norma, prescrevendo “a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o objeto do contrato”, o que é conhecido no mercado como performance bond.
Portanto, como dito anteriormente, evidencia-se um aumento de importância não só do instituto do seguro-garantia, mas também a posição de destaque assumido pelas seguradoras nas contratações públicas.
A cláusula de retomada fornece uma garantia adicional à Administração Pública contratante de que a obra ou serviço de engenharia não será abandonada, o que exigiria recorrer a um novo processo de contratação.
No presente caso, o encargo pelo término da obra ou serviço poderá ser assumido pela Seguradora, eximindo-se, por consequência, do pagamento da indenização securitária.
A Seguradora poderá assumir diretamente a execução da obra ou serviço ou, o que parece mais lógico, subcontratar empresa especializada para a conclusão do contrato.
Nesses casos a seguradora, ou empresa por ela indicada, receberá os pagamentos devidos pela Administração, conforme avençado no contrato original.
VII – SEGURADORA COMO INTERVENIENTE ANUENTE
Em momento anterior, quando da assinatura do contrato em que se exigiu o seguro-garantia com cláusula de retomada, conforme o art. 102, inciso I, a seguradora dever assinar o contrato como interveniente anuente.
Em assim sendo, será concedido à seguradora poderes de acompanhamento e fiscalização do contrato, sendo mais uma forma para assegurar a completude da execução contratual, conforme definido nas alíneas do referido art. 102, I, da Lei nº 14.133/21, são essas as prerrogativas da seguradora como interveniente do contrato:
a) ter livre acesso às instalações em que for executado o contrato principal;
b) acompanhar a execução do contrato principal;
c) ter acesso a auditoria técnica e contábil;
d) requerer esclarecimentos ao responsável técnico pela obra ou pelo fornecimento;
VIII – ENCAMINHANDO PARA CONCLUSÃO
Outra inovação relevante, e que já era solução adotada no âmbito do Poder Executivo Federal através da IN 02/2008 MPOG, é a previsão do uso do seguro-garantia para cobertura de eventuais verbas rescisórias trabalhistas inadimplidas.
Haja vista que a Administração pode ser responsabilizada subsidiariamente por obrigações trabalhistas, a exigência do seguro é salutar aos interesses do Poder Público.
Por fim, vale citar ainda a hipótese do uso do seguro-garantia para fins de garantia da proposta, a qual se limita a 1% do valor estimado da contratação, conforme previsto no art. 58 da nova lei, mas que não será objeto do presente estudo por não ter havido uma alteração relevante em relação à lei anteiro.
IX - CONCLUSÃO
Possível perceber que a nova lei de licitações trouxe relevante alteração no tratamento dado ao seguro-garantia, especialmente na modalidade de garantia de execução (performance bond), exigindo, especialmente das seguradoras, uma nova conduta, mais apurada, em relação à aceitação de riscos decorrentes das contratações públicas.
Isso porque, como visto, se criaram novas obrigações para essas empresas, como a de manter a garantia vigente mesmo diante da inadimplência dos prêmios devidos pelo tomador, bem como a possibilidade de assumir a execução do contrato diretamente ou através de empresa por ela contratada.
Também demandará o aumento e a especialização de equipe para o acompanhamento e fiscalização da execução dos contratos durante toda sua vigência, visto que passa a assinar como interveniente anuente.
Além, é claro, do aumento dos percentuais a serem cobertos, podendo chegar a 30% do valor do contrato quanto restar caracterizado o “grande vulto”.
Assim, resta nítido que haverá uma maior exigência de todos os profissionais que atuam nesse mercado, especialmente das seguradoras, mas sem dispensar também uma maior atenção pelas corretoras que deverão fazer a interface entre as partes envolvidas, especialmente entre o tomador do seguro e seguradora.