A importância do trânsito

J. Pedro Corrêa

 Consultor em programas de segurança no trânsito

Passadas duas fases importantes da campanha eleitoral brasileira deste ano – as entrevistas de candidatos no Jornal Nacional, da Globo e o debate nas TVs Band/Cultura – cada setor de atividade do país começa a avaliar a importância da sua área na agenda nacional e, eventualmente, rever posicionamentos para propor reações. Educação, emprego, saúde, habitação, agronegócio, tecnologia, etc., querem saber que importância terão no próximo governo, seja ele qual for.

Não vi até agora, e nem creio que vou ver este ano, alguém questionando “e o trânsito? que importância terá no Governo A ou no Governo B?” Afinal, este tema diz respeito a todos os brasileiros, carrega números impressionantes e deveria ser incluído nestas avaliações. Deveria, mas...! Ao fazer esta constatação, deixo clara minha tristeza diante da desimportância do trânsito na agenda dos candidatos e da sociedade em geral. Pelas buscas que andei fazendo na Internet, a ausência do tema na agenda dos candidatos não diz respeito apenas à Presidência da República, mas a todas as demais funções em disputa este ano.

Meu desapontamento só não é maior porque, quando comecei a lidar com as questões do trânsito, nos anos 1980, já tinha consciência clara de que ele não era – como ainda não é – uma prioridade nacional e que seu reconhecimento como algo vital para nosso país seria coisa para várias décadas. Desde então, três décadas já se passaram e, posso dizer que progressos foram feitos, conquistas podem ser apontadas e há boas perspectivas à frente, mas este “à frente” tem sido impossível de definir.

Quando leio sobre processos de consolidação da segurança no trânsito em alguns países mais adiantados, vejo bem o quanto de esforço foi dispendido neles, quanto investimento foi necessário para colocar em pé um sistema destes que só tem avançado graças ao enorme empenho das lideranças nacionais. Por outro lado, analisando a trajetória brasileira da segurança no trânsito, observo a ausência das nossas lideranças ao longo dos tempos. O progresso que fizemos parece ter sido forjado aos solavancos, não de forma sistemática como seria de esperar num processo bem coordenado. O trânsito no Brasil tem sido muito mais projetos de governo e não de Estado, como deveria.

Talvez esteja sendo duro demais no meu julgamento e que, em vez de lamentar o progresso não obtido, devesse festejar mais as conquistas realizadas. Poderia ser, mas temo que se só comemorar os avanços até o patamar atual, posso também estar passando um sentimento de satisfação, de realização total, o que não é o caso. A frustação vem do sentimento de que, nestas três últimas décadas, o país teve oportunidades de crescimento e não as aproveitou como poderia. Reconheço que em alguns casos faltou apoio superior – talvez tenha faltado habilidades para ganhar este suporte! – mas em outros fomos passados para trás por conversas inconsequentes de políticos que só tinham discurso frágil, mas pouco conteúdo.

Quando digo que temos boas perspectivas á frente, me refiro aos progressos feitos durante a 1ª Década Mundial de Trânsito (2011-2020), notadamente por algumas cidades brasileiras que, graças ao suporte de consultorias internacionais conseguiram furar a bolha e deram início a consistentes programas de trânsito que devem continuar durante esta 2ª década. Espero que o sucesso destas cidades sirva de incentivo a tantas outras para seguir o mesmo caminho e que, ao chegar 2030, possamos nos orgulhar de trabalhos bem sucedidos num número significativo de outros municípios. Vale mencionar que o Governo Federal planeja a recuperação de 60 mil quilômetros de estradas federais usando a tecnologia IRAP, o que será enormemente benéfico quando concluída. Se o Pnatrans conseguir decolar de vez, quem sabe poderemos chegar ao final da década com a meta atingida de redução de 50% das fatalidades. Daí em diante, é esperar que o país tenha competência de seguir um plano de ação que recoloque o trânsito no rumo certo e que possamos, enfim, deixar definitivamente para trás o atraso que tanto nos envergonha.

Entendo que não devemos desanimar por ver que o trânsito ainda não merece – no julgamento dos políticos e candidatos nesta eleição de 2022 – estar na pauta de discussão de prioridades nacionais, mas se soubermos votar desta vez e se tivermos capacidade de induzir a comunidade do trânsito a fazer o mesmo, é bem possível que nas próximas eleições já poderemos fazer parte do grupo de setores prioritários.

Há vários anos, aprendi na Alemanha um ditado que sempre me lembra o que é a vida da gente: “quando fores prego, sofres; quando fores martelo, bate!” Obviamente o trânsito, apesar de tudo, continua sendo prego. O dia de chegar a martelo depende de nós.

jpedro@jpccommunication.com.br

Gustavo Melo

Sócio proprietário na GMF Consultoria em Segurança Rodoviária

2 a

JPedro, excelente reflexão. Com tantas fatalidades, incapacitados permanentes e bilhões em custos hospitalares, o trânsito deveria ter discussões profundas por parte dos políticos e da sociedade.

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