As Incoerências da ANEEL na Resposta ao MPF
Consórcio de Energia em Itabira (MG)

As Incoerências da ANEEL na Resposta ao MPF

No dia 13 de dezembro, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL respondeu ao Ministério Público Federal - MPF, a Recomendação de Nº. 02/2019.

Analisando a reposta apresentada, é possível verificar alguns absurdos e, principalmente, uma parcialidade na posição da Agência em desfavor dos “prossumidores”.

É possível verificar que alguns argumentos, com um simples cálculo, não são sustentáveis. Além disso, quando a ANEEL quer se esquivar de uma recomendação ou indagação que não interessa à Agência, ela simplesmente afirma que não deve tratar de outras “externalidades”. Em resumo, a ANEEL afirma que não se preocupa com a geração de emprego, que não lhe diz respeito aspectos econômicos ou qualquer outro assunto que não seja “energia”. Porém, esse não é o único problema.

Seguem alguns pontos da resposta com nossos comentários:

1. A ANEEL afirmou que está muito “preocupada”, no processo de revisão da Resolução Normativa – REN n° 482/2012, com a transferência de custos entre consumidores com geração distribuída aos demais consumidores sem geração própria, na qual se sustenta o atual modelo de Sistema de Compensação de Energia. Conforme simulações realizadas pela ANEEL, caso mantida a regra atual, em 15 anos (até 2035) os demais consumidores arcariam com cerca de R$ 55 bilhões (valor acumulado entre 2020 e 2035, referente aos entrantes e à geração nesse período, trazido para a referência de 2020). Com a proposta que está em Consulta Pública, esses custos reduziram para R$ 1 bilhão em 15 anos, sendo mantida a atratividade de empreendimentos de geração locais, que são instalados junto à unidade consumidora que faz uso da energia gerada.

Tal afirmação não é verdadeira, visto que a atratividade já diminuiu desde o aviso das supostas mudanças, em outubro de 2019. Além disso, se a Agência não deve se preocupar com as externalidades, por qual motivo preocupa-se com essa?

2. Ela afirma, ainda, que a proposta busca trazer o equilíbrio entre os consumidores com geração própria e os consumidores que não possuem geração (seja porque optaram por isso ou porque simplesmente não têm condições financeiras para instalar esse tipo de sistema, em que se incluem a maioria dos consumidores do país). E continua afirmando: “Verifica-se que os consumidores que instalam seu sistema de geração contam com um benefício advindo dos demais usuários da rede, possibilitado pela transferência de custos em que se sustenta o modelo atual do Sistema de Compensação. Esse modelo foi instituído pela ANEEL a fim de permitir a inserção da geração distribuída de pequeno porte no âmbito das redes de distribuição em momento de incipiência da energia fotovoltaica no país.

Percebe-se, nessa resposta, a incoerência da ANEEL. Em certos momentos a Agência afirma que não tem relação com as externalidades, como, por exemplo, a questão de geração de empregos, mas numa resposta desse tipo, demonstra uma preocupação com parte dos consumidores brasileiros. Ora, se a ANEEL se preocupasse com os consumidores brasileiros, ela regulava a tarifa de energia de uma forma mais justa, menos onerosa. Se a ANEEL se preocupasse com o consumidor brasileiro, ajudava no crescimento da Geração Distribuída, no incremento de cooperativas, condomínios e consórcios que pudessem produzir sua própria energia. Se a ANEEL se preocupasse com a sociedade, cobrava das concessionárias o cumprimento de seus prazos e obrigações. 

3. A ANEEL afirmou, também, que não têm o intuito de colocar em oposição consumidores geradores e consumidores não geradores. E que diante da maturidade alcançada pelo mercado, a ANEEL passou a avaliar, nesse processo de revisão da REN n° 482/2012, qual o modelo do Sistema de Compensação é sustentável no longo prazo, com base na atual estrutura tarifária, e nas boas práticas internacionais.

Diante das respostas, verifica-se que nem a ANEEL tem maturidade suficiente para algumas decisões, quanto mais o setor de Geração Distribuída, que nasceu em 2012. Mais uma resposta da ANEEL que não é confirmada pelas suas próprias atitudes. Basta ver o material de divulgação produzido, como vídeos e postagens nas redes sociais feitas pela Agência, em que eles provam, por si só, que a ANEEL tenta colocar a maioria da população brasileira contra a Geração Distribuída. Apresenta um discurso que está “preocupada” com os consumidores que estão subsidiando aqueles que podem colocar energia solar em suas casas. Em discursos, tipo: “você que não pode colocar energia solar está pagando para ajudar aqueles que podem”. Isso não é dividir? Não é faltar com a verdade?

4. A ANEEL afirmou, também, que os custos e benefícios considerados se limitam ao setor elétrico, uma vez que, no entendimento da ANEEL, as externalidades que extrapolem os limites do setor elétrico não devem fazer parte das análises quantitativas da Agência. Esse tipo de avaliação é característica da implementação de políticas públicas, papel desempenhado pelo Congresso Nacional ou pelo Poder Concedente. Uma dessas externalidades, por exemplo, é a criação de empregos.

Como já afirmado, quando não interessa a ANEEL ela diz que “não tem nada a ver com isso”. Parece um órgão que vive noutro planeta. Existe o Brasil, país com suas empresas, autarquias, agências, e existe a ANEEL, um ser separado dos demais. Totalmente em descompasso com a realidade econômica do país, que não sabe que geração de emprego é importante, que não entende que a energia injetada na rede ajuda na proteção do sistema elétrico, que não verifica os impactos socioambientais proporcionados pela produção de uma energia limpa e renovável.

5. A ANEEL afirma, categoricamente, que não considerou em sua análise de custo-benefício que a geração distribuída contribui para a postergação de investimentos na rede de distribuição.

Para que serve a ANEEL mesmo? Como pode haver tanto descaso dessa Agência na análise de algo que, por obrigação legal, ela deveria fazer?

6. A ANEEL a firmou, ainda, que “destaca-se também que a tendência de crescimento da energia eólica e solar, dado sua intermitência, aliada à necessidade de suprimento contínuo à carga, impõe concomitante dependência de geração controlável e flexível, como são algumas gerações de usinas hidrelétricas e termelétricas. Em outras palavras, quando ausente o vento ou sol, o consumo residencial, comercial e industrial precisa ser suprido instantaneamente por recurso adicional, capaz de responder rapidamente a um comando de acionamento.”

Nos parece que a ANEEL nunca ouviu falar em parques híbridos, armazenamento de energia, etc. Apesar de ter em seu site os dados que demonstram um crescimento seguro e firme das matrizes solar e eólica, a ANEEL preferiu defender as termelétricas. Deve ser pelo fato da Agência não se “preocupar com as externalidades”. Daí não se preocupa com a questão ambiental, por exemplo.

7. A ANEEL afirmou que não tem gerência sobre todas as variáveis que impactam esse tempo de retorno (como a cotação do dólar, o custo dos equipamentos, as isenções relativas aos impostos estaduais e federais, entre outros).

Realmente sobre esses pontos não há gerência da Agência, mas sobre os pontos que ela pode ajudar o setor e REGULAR, ela não o faz de forma imparcial e tecnicamente confiável. Nunca ninguém cobrou da ANEEL alguma responsabilização pela alta do dólar, por exemplo.

Em resumo, os dados apresentados pela ANEEL, durante sua resposta ao MPF, não são sustentáveis, em parte não são verídicos e, quase sempre, são contraditórios. Quem analisa o setor e participa dele, desde o início da Geração Distribuída no Brasil, verifica uma total mudança de posição da Agência. O discurso era um, agora, outro.

Após a Revisão proporcionada pela Resolução 687/15, infelizmente não houve mais posicionamento da ANEEL a favor do setor. Em 2015 foi o último. É sabido que a revisão atual já era prevista, mas não quer dizer que ela seja para acabar com o setor. Não é possível que, em dias de hoje, a ANEEL, através de seus representantes, ainda pense que as pessoas não percebem seus posicionamentos contraditórios, descompromissados com o setor de Geração Distribuída e altamente compromissados com outras partes.

Fazer audiência pública para simplesmente produzir uma ata, mas não levar em consideração qualquer das manifestações ali feitas, é teatro. É teatro com previsão de final infeliz.

O prazo das consultas públicas termina daqui a 48h e precisamos, de forma contundente, brigar pela manutenção da Geração Distribuída, lutar pela manutenção das regras atuais, pois os dados reais são altamente favoráveis ao desenvolvimento do setor.

Desejamos que o ano vindouro nos traga boas notícias e, considerando que a Agência não ajuda o setor de Geração Distribuída, desejamos que ela, pelo menos, não o atrapalhe. E, por fim, que seus representantes aceitem a realidade de que a população não é ingênua ao ponto de aceitar, de forma pacata, um conjunto de respostas tão fora da realidade.

Ministério Público Federal, abra o olho! 

Aloisio Pereira Neto

Advogado - Mestre em Direito Ambiental - Professor Universitário de Direito Ambiental, Urbanístico e Energia - Consultor em Direito de Energia

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João Paulo Gervásio

SOLAR PRODUCT DEVELOPMENT | PROJECT

4 a

👏👏

Luiz Wagner

Mentor de Líderes e empreendedores

5 a

Belo artigo Aloisio Pereira Neto !!! Eu também li a resposta da Aneel e detectei muita parcialidade, na realidade manteve seu posicionamento...evidentemente que basta saber se o MPF vai aceitar esse discurso tendencioso...

João Botelho

Gerente de Consultoria Técnica

5 a

Excelente artigo. A verdade é que a ANEEL está subestimando a inteligência do de GD. Vejam o caso da Califórnia, que quando atingiu uma fatia de mercado de GD considerável (5% da potência total) mudou o sistema de compensação, passando a taxar em apenas R$ 0,08 por kWh injetado na rede, o que equivale a apenas 10% do valor do kWh... aqui a alternativa 5 (último cenário pra GD local e remota na última proposta ANEEL) taxa o kWh em 68% aproximadamente...

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