Inflação, gastos fixos e a volta do teto de gastos aumentam desafio do governo de conter a dívida pública!!
Inflação, gastos fixos e a volta do teto de gastos aumentam desafio do governo de conter a dívida pública
Orçamento, que ainda nem foi aprovado, deverá passar por cortes
Manoel Ventura
BRASÍLIA - As contas públicas passarão por um teste de fogo em 2021. Com o estado de calamidade pública e do chamado “orçamento de guerra”— que permitiu ao governo ampliar despesas emergenciais para combater a pandemia este ano — se encerrando nesta quinta-feira, o Orçamento da União voltará a ser regido pelas regras fiscais tradicionais no próximo ano, com o aumento orçamentário limitado pelo teto de gastos.
A regra que impede expansão dos gastos da União além da inflação está cada vez mais pressionado pelo crescimento das despesas obrigatórias e pela inflação dos últimos meses de 2020. Além disso, o crescimento da dívida pública impõe um desafio extra ao governo nos primeiros quatro meses de 2021, quando o Tesouro precisará rolar quase R$ 700 bilhões em débitos.
Na quarta-feira, o Banco Central informou que a dívida bruta do governo atingiu no mês passado o equivalente a 88,1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. No ano, o aumento na relação dívida/PIB, até agora, foi de 13,8 pontos percentuais.
As despesas com a vacinação contra a Covid-19 e outros gastos da pandemia devem continuar fora do teto de gastos. Mas a meta de resultado das contas públicas voltará a vigorar no próximo ano, impondo ao governo o risco de bloqueio de algumas verbas no Orçamento e dificultando a gestão financeira dos ministérios.
O Congresso aprovou uma previsão de rombo de R$ 247 bilhões em 2021. Em 2020, o estado de calamidade pública dispensou o cumprimento da chamada meta fiscal. Junto com a volta da meta em 2021 vem o risco de contingenciamentos ao longo do ano, afetando serviços e a manutenção da máquina pública.
Ao mesmo tempo, o teto de gastos foi pressionado pela disparada da inflação nos últimos meses de 2020. Isso vai obrigar a equipe econômica a fazer cortes no Orçamento, que ainda não foi votado no Congresso. A previsão é de cortes de pelo menos R$ 20 bilhões.
Toda a margem para aumento de gastos do teto já foi usada no Orçamento previsto para 2021, portanto não há como incorporar novas despesas sem corte equivalente. O problema disso é o descasamento entre o índice de inflação que corrige o teto de gastos e o indexador atrelado às principais despesas fixas do Orçamento.
O teto para o Orçamento de 2021 foi ampliado em 2,1%, seguindo o IPCA para o período de 12 meses encerrado em junho deste ano — e isso não muda. Por outro lado, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada no fim do ano teve como base um INPC de 4,1%, que é o índice que corrige, por exemplo, benefícios da Previdência Social.
Só essa diferença já obrigaria o governo a fazer um corte de R$ 10 bilhões. Mas a tesourada deve ser ainda maior, podendo chegar a R$ 20 bilhões, já que o governo espera que, com a alta da inflação no fim do ano, o INPC feche 2020 em 5,2%.
Também na quarta, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o salário mínimo será de R$ 1,1 mil em 2021, alta de 5,26% em relação ao deste ano. O impacto nas contas públicas vem do fato de a maior parte de aposentadorias, pensões e benefícios pagos a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda ser atrelada ao salário mínimo, corrigido pelo INPC.
Benefícios do INSS acima do mínimo também seguem o índice.
Mesmo uma improvável alta expressiva da arrecadação de impostos não faria diferença para o teto. O resultado dessa equação, dizem especialistas em contas públicas, é a necessidade de corte nas despesas.
Com mais de 90% de gastos fixos, o corte deve recair mais uma vez sobre obras e serviços públicos, podendo levar o montante para investimentos e custeio para menos de R$ 80 bilhões.
Seria o menor já registrado, o equivalente a 5,5% das despesas sujeitas ao teto, em 2021: R$ 1,45 trilhão.
— Corre-se o risco muito grande de paralisação de várias políticas públicas ou até mesmo da máquina pública. E, por outro lado, se não for isso, o teto é que corre o risco de ser rompido. Falta o governo dar maior clareza a respeito do ano que vem — diz o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, citando bolsas de estudos e emissão de passaportes como exemplos de programas e serviços vulneráveis.
Estratégia não é clara
A estratégia da equipe econômica para gerir as contas públicas em meio a tantas restrições em 2021 é acompanhada com atenção pelo mercado financeiro e vai influenciar na confiança de investidores e das empresas. A política fiscal do governo é decisiva para a contenção da dívida pública, que deve alcançar 91% do PIB neste ano.
Quanto mais ruído e incerteza, maior o prêmio que investidores cobram para emprestar ao governo. O custo médio da dívida interna hoje é de 7,36% ao ano — bem maior que a taxa básica de juros da economia (Selic), de 2%. Até abril, o governo precisa rolar R$ 654 bilhões da dívida pública. Qualquer turbulência pode fazer o juro subir mais.
— O governo precisa garantir uma quantia considerável de recursos no curto prazo já que a fatura a ser paga entre janeiro e abril de 2021 é mais que o dobro da média dos últimos cinco anos. E vai ser preciso comunicar isso de forma clara e rápida, pois já é grande a desconfiança de que o governo não vai conseguir rolar e vai acabar enfrentando dificuldades de colocar dívidas mais longas e juros baixos em mercado — diz Juliana Damasceno, pesquisadora de Economia Aplicada do Ibre/FGV.
Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe RPS Capital, avalia que o desiquilíbrio fiscal do país está afetando toda a economia. Para ele, a eleição para as presidências da Câmara e do Senado será decisiva para a agenda econômica:
— Dependendo de como a gente endereçar as questões fiscais a gente vai endereçar todo o resto. O cenário é desafiador. Se ele vai ser positivo ou negativo, vai depender de como o Congresso vai tomar decisões a partir de fevereiro.