Inovação é amor, coragem, ética.
Falar de criatividade, de inovação, é coisa arriscada no mundo das organizações. Pois, são ambientes ocos para conceitos vindouros do amor, da angustia, da coragem. Criatividade é a arte do combate. Não há espaço para politicagem nem mediocridade, quando o assunto é a dureza da inovação, quando o desafio é rumar ao futuro. Falar de alma e proposito nas empresas é possível?
Somos pequeninos sobre os largos ombros de seres combativos, guerreiros. Liderança criativa é atitude disruptiva, é a fome como dizia Jobs.
É agir com o amor de Van Gogh, a angustia de Beethoven, a coragem de Espinoza. Um quadro, uma sinfonia, um texto revelam mais do que tantos planejamentos e métricas financeiras teóricas e distantes da realidade, distante das pessoas, sem proposito. Um mestrado em negócios que não estude a vida dos artistas, que não estude a criatividade, é no século XXI obsoleto, inútil.
As palavras de Van Gogh nas cartas para o irmão Théo são a potência da inovação.
"Eu gostaria de fazer o retrato de um amigo artista, que tem grandes sonhos, que trabalha assim como o rouxinol canta, porque é a sua natureza. Este homem será loiro. Eu queria colocar no quadro meu apreço, o amor que tenho por ele. Eu o pintarei, portanto, tal como ele é, o mais fielmente possível para começar. Mas o quadro não termina assim. Para terminá-lo, vou ser agora um colorista arbitrário. Vou exagerar o loiro de sua cabeleira, chegarei aos tons alaranjados, aos cromos, ao limão pálido. Atrás da cabeça, em vez de uma parede banal do mesquinho apartamento, pinto o infinito, faço um fundo simples com o azul mais rico, mais intenso que eu possa criar, e por esta simples combinação da cabeça loira clareada sobre este fundo em rico azul, obtenho um efeito misterioso como a estrela no anil profundo. Ah meu caro irmão...e as pessoas honradas não verão nesta exageração nada mais que uma caricatura. Mas que importa?
Tenho muitas dificuldades ao pintar por causa do vento, mas amarro meu cavalete em estacas fincadas no chão, e trabalho assim mesmo, é bonito demais...
Sim, para mim, o drama da tempestade na natureza, o drama da dor na vida, são certamente os mais perfeitos.
Eis algumas palavras que me tocaram e me comoveram muito no Millet de Sensier: “A arte é um combate – na arte é preciso dar o sangue...Trata-se de trabalhar como muitos escravos. Eu preferiria não dizer nada, do que me exprimir frouxamente.
Mauve me disse: - Você deveria trabalhar com carvão, pastel, pincel e com esfuminho – eu tive tremendas dificuldades para trabalhar com esse material novo. Fui paciente e isso não parecia me ajudar em nada; então as vezes perdi a paciência a ponto de pisotear meu carvão e perder toda a coragem. Eis-me novamente num período de luta e de desanimo, de paciência e impaciência, de esperança e de desalento. Mas é preciso que eu o atravesse vitoriosamente e logo terei uma concepção melhor da aquarela. ...
Prefiro não comer ao meio-dia durante seis meses, e assim fazer economias, do que receber de quando em vez dez florins de Tersteeg junto com suas censuras. Gostaria de saber o que diriam os pintores de seu argumento “trabalhar menos com modelos para economizar”. Trabalhar sem modelo é a peste para um pintor de figuras, principalmente no início.
Eu havia dito a uma modelo que ela não deveria vir hoje, mas a pobre mulher apareceu assim mesmo, e eu protestei. “Sim, mas eu não vim para posar, eu vim simplesmente ver se o senhor tinha o que comer”: ela me trazia uma porção de vagem e batatas. Apesar de tudo na vida há coisas que valem a pena.
Em suma, quero chegar ao ponto em que digam de minha obra: este homem sente profundamente, e este homem sente delicadamente. Apesar da minha suposta grosseria, você me entende? Ou precisamente por causa dela.
Precisamente porque o amor é tão forte, nós geralmente não somos fortes o suficiente durante nossa juventude para conseguir segurar firme nosso leme. Veja, as paixões são as velas do barquinho. E alguém com vinte anos abandona-se inteiramente a seus sentimentos, apanha vento demais nas velas e seu barco faz água – e naufraga – a não ser que ele se recupere. Alguém que em compensação iça em seu mastro a vela “Ambição” e singra direto pela vida, sem acidentes, sem sobressaltos, até que – até que enfim, enfim aparecem circunstancias que o fazem observar: não tenho mais velas o bastante, e diz então: daria tudo o que tenho por um metro quadrado de vela a mais e não o tenho. Ele se desespera. Ah! Mas então ele reconsidera e imagina poder utilizar uma outra força; ele pensa na vela até então desprezada que sempre tivera guardada no porão. E é esta vela que o salva. A vela “Amor” deve salvá-lo, e se ele não a içar, ele não chegará nunca.
Mas, meu caro irmão, minha divida é tão grande, que quando eu a tiver pago, a doença de produzir quadros terá tomado toda a minha vida, e me parecerá não ter vivido. Só que talvez a produção de quadros me ficará um pouco mais difícil. Que agora eles não se vendam, me dá a mesma angustia que você mesmo sofre; mas para mim isso seria – se não o atrapalhasse tanto o fato de não render nada – razoavelmente indiferente."
A angustia de Beethoven é a trilha dura do silencio estrondoso da inovação.
Sobre a vida do compositor Beethoven, uma intensa caminhada de beleza e dor, que vale a pena contar. Fiquei multo comovido com a sua existência, e todas as vezes que o escuto, a partir de agora, cada nota pesa e toca de maneira diferente no meu coração. Ele perdeu a audição progressivamente, quando já se encontrava na fase adulta. Como não nasceu surdo, ele tinha memória auditiva suficiente para compor em sua mente. Você pode imaginar a dor, vergonha e humilhação que a surdez pode representar para um musico?
Se por um lado com a perda da audição, o compositor não era capaz de captar novos sons, por outro ele tinha conhecimento suficiente para formar sinfonias em seu cérebro e transformá-las em partituras. O copo, sempre meio cheio e meio vazio.
Ele sempre dizia que o som não entrava somente pelo canal auditivo, e sim por todo o crânio. Ele usava também uma baqueta de madeira entre os dentes e apoiava sobre a caixa de ressonância do piano para sentir as vibrações. Beethoven alcançou gradualmente uma linguagem musical cheia de emoções, abstraída de seu isolamento que provavelmente nunca teria conseguido em condições físicas normais. Sua surdez – agente estressora - acabou sendo uma das principais colaboradoras de sua genial obra. Sem ela teria sido Beethoven o grande compositor de todas as épocas? Na verdade, não há resposta para isso. E é fácil falar da dor alheia. Mas imagine o sofrimento de Beethoven, o fardo. Vale ler as palavras que ele escreveu ao amigo e médico Franz Gerhard Wegeler em 21 de junho de 1801, quando tinha 31 anos de idade:
"Você tem tido notícia da minha situação? Os meus ouvidos nos últimos 3 anos estão cada vez mais fracos, Frank o diretor do Hospital de Viena procurou retonificar o meu organismo com tônicos e meus ouvidos com óleo de Mandorle. Não houve nenhum efeito, a surdez ficou ainda pior. Depois um asno de um médico me aconselhou banhos frios o que me levou a ter dores fortes. Outro médico me aconselhou banhos rápidos no Danúbio, todavia a surdez persiste, as orelhas continuam a rosnar e estalar dia e noite. Te confesso que estou vivendo uma vida bem miserável. Há quase 2 anos me afastei de todas as atividades sociais, principalmente porque me é impossível dizer para as pessoas: Sou surdo!... Se minha profissão fosse outra, talvez poderia me adaptar à minha doença, mas no meu caso a surdez representa um terrível obstáculo. E se os meus inimigos vierem a saber? O que falarão por aí? Para te dar uma ideia desta estranha surdez, no teatro eu tenho que me colocar pertíssimo da orquestra para entender as palavras dos atores e a uma certa distância não consigo ouvir os sons agudos dos instrumentos e do canto. Surpreendentemente, nas conversas com as pessoas muitos não notaram minha surdez, acreditam que eu sou distraído. Muitas vezes posso ouvir o som da voz mas não entendo as palavras, mas se alguém grita eu não suporto! O doutor Vering me disse que certamente meu ouvido melhorará, se isso não for possível tenho momentos em que penso que sou a mais infeliz criatura de Deus”.
Anos após sua morte, em um manuscrito dentro de uma velha escrivaninha, o seu testamento entre tantas dizia:
“Para meus amigos e para aqueles que pensavam que eu era antissocial, distraído e ermitão, me julgaram mal. Vocês não conheceram a causa secreta disso tudo. Eu era atormentado de um mal sem esperança, piorado devido a médicos insensatos. Por anos fui enganado com esperanças de melhora e no final fui constrangido a aceitar a realidade de uma doença incurável. Nascido com um temperamento ardente e ativo e sensível às atrações da sociedade, tive que bem cedo me isolar e transcorrer a vida em solidão. Se às vezes tentava me esquecer, meu ouvido me trazia de volta à realidade. Não podia nem pedir para as pessoas: Falem mais alto, gritem, porque sou surdo! Como poderia admitir uma doença na qual o sentido que para mim mais do que para ninguém deveria ser perfeito? Tive que viver sozinho e se estou com alguém fico com uma enorme ansiedade do medo de correr o risco de se notar a minha condição. Provei desta humilhação quando um aluno que estava ao meu lado ouvia o som de uma flauta e eu não, ouvia o canto de um pastor e eu nada. Quase coloquei fim à minha vida algumas vezes. Foi a música que me entreteve. Me parecia impossível abandonar este mundo antes de criar todas as óperas que sentia imperiosa necessidade de compor. Esta foi minha vida, angustiosa. Quando lerem estas linhas saberão que aqueles que de mim falaram, cometeram grande injustiça. Peçam ao Dr. Schmidt para descrever minha doença para que o mundo possa se reconciliar comigo, ao menos após minha morte”.
A última obra do compositor é para ouvir de joelhos! Quarteto de cordas - Opus 135 o décimo quinto, no segundo movimento parece que ele conversa com universo infinito! Energia, vibração e frequência. Ondas. O que aprendo com essa história é que não precisa existir o som, para ouvir o som na minha cabeça.
Ir contra o status quo, inovar é agir com a lucidez e coragem de Espinoza.
Do filosofo Espinoza, um banho de lucidez, extraídas de sua obra prima Ética. Que todo líder precisa ler, para liderar uma organização do futuro. Seguem alguns trechos que separei:
Poder não existir é impotência e, inversamente, poder existir é potência.
Chamamos de mal o que é causa de tristeza, isto é o que refreia ou diminui a nossa potência de agir.
As ideias que temos dos corpos exteriores indicam mais o estado de nosso corpo do que a natureza dos corpos exteriores.
Não há, na mente, nenhuma vontade absoluta ou livre: a mente é determinada a querer isto ou aquilo por uma causa que é, também ela, determinada por outra, e assim até o infinito.
Sê não houvesse desejo, não haveria conservação, ergo essência nem vida humana. Sem apetite morre a vida, deprimida. Esteja o homem consciente ou não deste apetite de viver. Um desejo inato e adquirido. Por desejo entende-se todos os esforços, impulsos, apetites e volições do homem, que variam de acordo com seu estado e que são a tal ponto opostos entre si que o homem é arrastado para todos os lados e não sabe para onde se dirigir.
O amor é uma alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior.
A esperança é uma alegria instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida. O medo é uma tristeza instável. Ergo não há esperança sem medo, nem medo sem esperança. Quem está apegado à esperança, imagina algo que exclui a existência da coisa futura e entristece-se. Enquanto está apegado à esperança, tem medo de que a coisa não se realize. Vice versa o medo, na dúvida que a coisa odiada ocorra, alegra-se. Espera-se que não se realize. Segurança e desespero é a certeza de que ocorrerá, ou a ausência de dúvida de sua realização. Com efeito, não duvidar de uma coisa é diferente de ter certeza sobre ela.
É pelo direito supremo da natureza que cada homem julga o que é bom e o que é mau; o que, de acordo com sua inclinação, lhe é útil; vinga-se; e se esforça por conservar o que ama e por destruir o que odeia. Se os homens vivessem sob a condução da razão, cada um desfrutaria desse seu direito sem qualquer prejuízo para com os outros. Como, entretanto, estão submetidos a afetos, os quais superam, em muito, a potência ou a virtude humana, eles são, muitas vezes, arrastados para diferentes direções e são reciprocamente contrários, quando o que precisam é de ajuda mútua.
Os homens estão submetidos aos afetos e são inconstantes e volúveis. O amor e o desejo podem ser excessivos.
Esperança, medo, segurança e gáudio, decepção, são afetos que indicam uma carência de conhecimento e uma impotência da mente. Através da razão nos esforçamos em viver menos sob o jugo dos afetos; por dominar, o quando pudermos, o acaso.
Quem busca a consideração se torna soberbo. Buscamos amor no outro pedindo a ele uma opinião de nós acima da justa, nos gloriaremos, e teremos de nós, por amor próprio, uma opinião acima da justa, seremos então tomados pela soberba.
Lucido Espinoza, e por escrever essas coisas, como “Quem ama a Deus não pode esforçar-se para que Deus, por sua vez, o ame”, foi perseguido e julgado herege. Dizia ele que só os homens que se livrassem das máximas de sua infância poderiam conhecer a verdade, e que para isso seria preciso fazer extraordinários esforços para superar as impressões do costume e apagar as falsas ideias das quais o espirito humano se nutre antes que seja capaz de julgar as coisas por si mesmo. Difícil tirar essa trave dos olhos!! Sair desse abismo era, na opinião do filosofo, um milagre tão grande quanto o de pôr ordem no caos. Em 27 de junho de 1656 ele foi expulso e execrado com o consentimento de toda a santa comunidade, na presença dos santos livros e dos 613 mandamentos que eles encerram. Foi amaldiçoado de dia, de noite, enquanto dormia e enquanto estivesse acordado. Ao Eterno foi pedido que contra este homem fosse dirigida toda a sua cólera, e que seu nome fosse apagado neste mundo e para sempre. Foi posto em exilio, pois a comunidade que o execrou, ameaçou a todos os fiéis a Deus que não tivessem com Espinosa qualquer contato, escrito ou verbal, e que não lhe fosse prestado nenhum auxilio e que ninguém dele se aproximasse mais do que quatro côvados. Que ninguém ousasse ler seus escritos.
"Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Espinosa... Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai, maldito seja quando regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste favor algum, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele."
Um risco da inovação é a dureza de ser colocado em estado de loucura, o banimento, a rejeição. Van Gogh, Beethoven, Espinoza, hoje heróis, ontem execrados. A boa notícia é que as boas ideias resistem aos censores, viajam no tempo.
O sofrimento, determinação, resiliência e amor destes criativos merecem a nossa admiração e gratidão, além da obra, a atitude. Como fazer as coisas, o jeito de conduzir, realizar, merece mais espaço nos livros que falam de inovação. Não existe varinha mágica, bola de cristal, nem eureca. O brainstorming + canvas não te levará a lugar nenhum.
Somos pequeninos sobre os largos ombros dos heróis que vieram antes de nós. São eles os nossos antepassados, os fundadores das organizações onde atuamos, são a dignidade da humanidade em sua representação mais bela, na arte e na ciência. Toda a história humana é plena de erros e acertos, e isso vale para as organizações também. Mas, como disse Freud, “de erro em erro, vai-se descobrindo toda a verdade.”
Consultora empresarial | Professora FGV | Comunicação interpessoal, oratória, RH e Inovação| Condutora de Treinamentos | Mentora | Assessora executiva | Analista Comportamental | Design Thinker | Design | Webdesign
4 aMeu Deus, que texto maravilhoso! Parabéns, Victor!
Professor FGV Comunicação Corporativa / Consultor Comunicação de Crises / Empresário Agribusiness
4 aConcordo totalmente! Recomendo leitura!