Insumos - Créditos de PIS/COFINS aplicáveis ao segmento supermercadista. Vedação ou possibilidade?

Empresas do segmento comercial varejista supermercadista que apuram suas contribuições para o PIS e a COFINS pelo regime não-cumulativo recorrentemente enfrentam uma indagação bastante sensível e, ao mesmo tempo, de extrema relevância para suas operações: quais produtos e/ou serviços considerados essencialmente utilizados em sua atividade podem gerar crédito de tais exações? A resposta para essa pergunta, por vezes, definirá a manutenção ou sobrevivência do supermercado diante da sua selvagerica concorrência.

O assunto é denso e vem gerando inúmeras discussões judiciais e administrativas, considerando a causticidade da análise. Admite-se, todavia, que qualquer reflexão ou parecer eventualmente tecido sobre o tema, definitivamente não terá o condão de findar a discussão, mas poderá contribuir significativamente para desenvolver estudos e conceber um norte para a definição de temas que atualmente apenas redundam numa triste insegurança jurídica que permeia a tributação do segmento supermercadista.

 Como se sabe,  o art. 3°, inciso II das Leis n. 10.637/02 e 10.833/03 dispõe que as pessoas jurídicas que apuram o PIS e COFINS com base no regime não-cumulativo estão autorizadas à apuração de créditos sobre os bens e serviços, utilizados como insumos na produção de bens destinados à venda. A discussão sobre o conceito de insumo, desde a edição das Leis que versam sobre a não-cumulatividade dessas exações, sempre foi objeto de embates tributários, pois, não raras as vezes, a Receita Federal do Brasil (RFB) interpretou a legislação de forma restritiva impedindo que as empresas computassem na sua base créditos do PIS e COFINS determinadas despesas e custos.

 No que diz respeito a não cumulatividade das contribuições, insta destacar que fora adotado o denominado método indireto subtrativo, pois o valor do tributo é alcançado através da diferença entre o montante da receita total (operacionais e não-operacionais) multiplicado pela respectiva alíquota (débito) e o valor de certas despesas multiplicadas pela mesma alíquota (crédito) – chamado sistema base contra base. Essa metodologia de aferição de créditos dada pela não-cumulatividade das contribuições, não guarda qualquer semelhança com a forma utilizada para apropriação de créditos não cumulativos do IPI e ICMS, uma vez que nesses impostos o crédito pressupõe valor cobrado em operação anterior, de modo que o valor pago na aquisição é registrado como crédito fiscal na apuração dos contribuintes, ou seja, é um sistema de imposto x imposto. Já no caso das contribuições ao PIS e à COFINS, a apuração de créditos se dá com base em critérios legais, em que há um confronto entre receitas x custos/despesas, ou seja, sistema base de débitos x base de créditos. Logo, esse método permite ao contribuinte descontar do valor da contribuição devida, créditos calculados em relação aos bens e serviços adquiridos, custos, despesas e encargos definidos em lei, na mesma proporção da alíquota que incide nas receitas auferidas.

 Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos no julgamento do Recurso Especial n° 1.221.170/PR, assentou que, do ponto de vista das Leis 10.637/02 e 10.833/03, o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.

 De acordo com a Corte Superior, a análise deve ser realizada caso a caso, ou seja, avaliando as particularidades de cada segmento e a atividade efetivamente desempenhada pela empresa. Mesmo com a tese fixada em sede de Recursos Repetitivos, ainda pairam dúvidas sobre sua aplicação a determinados casos no setor varejista de supermecados, tais como, por exemplo, se o supermercado que possui padaria própria ou outra atividade de fabricação pode tomar crédito sobre insumo relativamente aos gastos utilizados em tais setores.

 Sobre o ponto, de imediato, importa aclarar que a atividade de revenda não se confunde com produção e fabricação, por esse motivo não é permitido o desconto de créditos de insumos para a atividade de revenda, conforme posicionamento firme da Receita Federal do Brasil quando da Solução de Consulta COSIT n. 248/19.

 Por outro lado, caso a empresa desempenhe concomitantemente a atividade de revenda e atividade de fabricação ou produção, poderá descontar créditos de insumos em relação as atividades permitidas (fabricação e produção), sendo exatamente este o caso dos supermercados que possuem padarias e confeitarias. Nessa toada, em relação aos conceitos de fabricação (hipótese específica) ou produção (hipótese geral), o Parecer Normativo RFB n° 05/2018, esclarece que, a enquanto a primeira “equivale ao conceito e às hipóteses de industrialização firmadas na legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).”, a segundarefere-se às atividades que, conquanto não sejam consideradas industrialização, promovem a transformação material de insumo(s) em um bem novo destinado à venda ou o desenvolvimento de seres vivos até alcançarem condição de serem comercializados”, sendo este o caso, por exemplo, de fabricação de um bolo na padaria de um supermercado, bem como a colocação de embalagem, bandejas e filmes em outros produtos de panificação e confeitaria.

 Ainda, a partir do que consta exarado no Parecer Normativo, pode-se inferir que, muito embora não haja insumos na atividade comercial, notadamente porque a essa atividade foi reservada a apuração de créditos em relação aos bens adquiridos para revenda, nada impede que o supermercado que possua atividades mistas dentro do seu estabelecimento possa apropriar crédito sobre gastos considerados insumos nos setores produtivos, tais como padarias, rotisserias e confeitarias. Em poucas palavras, a vedação legal se limita as mercadorias de revenda, pois, de fato, não são insumos passíveis de desconto de créditos. Logo, desde que observadas as recentes alterações promovidas pelas Leis Complementares n. 192/22 e 194/22, que tratam sobre a alíquota zero, entende-se que os supermercadistas podem apropriar créditos de PIS e COFINS sobre diversos itens considerados como insumos, tais como: i) embalagens, bandejas e filmes; ii) bens ou serviços especificamente exigidos pela legislação para viabilizar a atividade de produção de bens ou de prestação de serviços por parte da mão de obra empregada nessas atividades, como no caso dos equipamentos de proteção individual (EPI); iii) serviços de manutenção e peças de reposição de bens do ativo imobilizado aplicados nessas atividades e que repercutam num aumento de vida útil do bem de até um ano; iv) combustíveis e lubrificantes consumidos em máquinas e equipamentos responsáveis por qualquer etapa do processo de produção ou fabricação de bens.

 A própria Instrução Normativa n° 2.121/22, em seu art. 176, §1º corrobora a listagem acima exposta. Na mesma linha, a Receita Federal do Brasil em diversas soluções de consulta emitidas pela COSIT, tais como as soluções de consultas publicadas pela COSIT nº 99006/17,183/17, 37/21 e 46/23 se manifestou favorável aos aludidos créditos fiscais.

 Com efeito, muito embora a fiscalização tributária, por muitos anos, tenha se posicionado de maneira restritiva com relação a possibilidade do desconto de créditos das Contribuições para o PIS e a COFINS, especificamente na linha de insumos, aplicando, para tanto, os requisitos extraídos da legislação do IPI, não a de se negar que houve um importante avanço no que diz respeito sobre a forma de interpretar o texto legal, como fizera o STJ. Cabe registrar que o Tribunal não atuou como legislador positivo, pois nem poderia sob pena de ofender a Constituição Federal, ou seja, não foram criadas hipóteses de créditos não previstas em Lei, e sim houve uma ampliação da interpretação da Lei que rege a não cumulatividade.

 Nesse sentido, não se pode criar um crédito, mas se pode construir uma interpretação a fim de analisar se o custo incorrido se amolda nos parâmetros definidos pelo Superir Tribunal de Justiça. Através das técnicas hermenêuticas,  é natural que o Direito sofra mudanças ao longo do tempo, ainda que o excerto normativo continue intacto, como ocorreu com o dito art. 3° das Leis n. 10.833/03 e 10.637/02. Por sua vez, o segmento supermercadista teve um benefício significativo com as recentes e importantes alterações interpretativas, bem como dos Pareceres publicados pela COSIT, de forma que se abriu um oceano de possibilidades que devem ser avaliadas com cautela e zelo, mas que podem impactar positivamente o negócio das empresas, haja vista que a depender do volume de gastos com insumos na atividade operacional do supermercado, representa uma redução significativa do custo tributário, que, por conseguinte, gera fôlego financeiro, rentabilidade e lucratividade para os empresários.

 Por fim, e não menos importante, se faz necessário frisar que o tema é complexo gerando inúmeros desdobramentos, inclusive no âmbito do Poder Judiciário, de modo que cabe o juízo de valor aos profissionais envolvidos na área que se mantenham vigilantes e atentos a possíveis alterações legais, jurisprudenciais e naturalmente a novas oportunidades tributárias.

👏👏👏

Leonardo H.

Diretor na Hartmann Contabilidade e Consultoria

1 a

Ótimo trabalho, Bruno

Enrico Ravizzini Salles

Advogado Tributarista no Renault Puretz

1 a

Parabéns pelo execelente artigo, bem didático!

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