Intuição e Big Data: os dois lados na tomada de decisão no mundo Digital.
Vou começar te fazendo uma pergunta: você ama seu parceiro, ou sua parceira? No caso dos solteiros e solteiras, você ama seu pai, sua mãe, seu irmão, e assim por diante?
Imagino que você responda que sim.
Tenho mais uma pergunta para você: te peço uma métrica que prove isso, um número, um dado concreto - tem? Provavelmente não vai conseguir achar, porque esse é um tipo de decisão que não necessariamente é movida a dados; é, aparentemente, irracional.
Paradoxalmente, mesmo no mundo atual de Big Data, muitas vezes tomamos decisões assim. O fato de termos mais dados garante que tomemos melhores decisões? Não necessariamente.
Você já teve aquela sensação de entrar num supermercado, olhar para todas aquelas prateleiras cheias e não se decidir sobre o que comprar? Ou, navegando na Amazon, onde tem tanta opção diferente de modelos, cores, marcas, por quaisquer produto você esteja querendo?
Comigo, isso sempre acontece quando estou na frente das prateleiras de cervejas nos supermercados dos Estados Unidos: é tanta opção que fico meia hora indeciso, e quase sempre saio de lá comprando Blue Moon, pois é a que costumo comprar sempre.
Tenho certeza que já aconteceu com você também, e não só no mercado - mas nos negócios. Temos cada vez mais dados com base nos quais tomarmos decisão, mas nem sempre esse processo será mais rápido ou mais assertivo. Às vezes, ocorre até o contrário.
Esse fenômeno de paralisia diante das opções é o que chamamos de "Paradoxo da Escolha". O psicólogo Barry Schwartz realizou um estudo em que mostra como acontece o que ele chama de choice overload, ou sobrecarga de escolhas: ter opções demais reduz a probabilidade de que seja feita uma escolha, assim como reduz a convicção de que a escolha que fizemos seja a mais certa. Vivemos angustiados em meio à abundância de dados.
Vivemos uma verdadeira infoxicação, resgatando um termo utilizado por Ricardo Cappra. Ou seja, intoxicação de informação.
Qual é a correlação entre esse volume de dados em aumento exponencial - considere que na última década foi gerado 90% de todos os dados existentes desde o começo da humanidade - e a dificuldade em tomar decisões? Tudo que achávamos até agora era justamente que, quanto mais dado, melhores decisões. Não é isso que aprendemos?
A verdadeira relação entre dados e tomada de decisão é determinada pela seguinte constatação: dado não significa informação, e informação não significa insight.
Com muita frequência, as palavras "dados" e "informações" são usadas de forma intercalável, mas não significam a mesma coisa. A chave está no conceito de matéria-prima, que nos ajuda a entender como os dados e as informações interagem: dado é a matéria-prima, é áspero, não cortado, não filtrado e não refinado, como um diamante sujo recém-extraído. Computadores não têm problemas em trabalhar com milhões de linhas de dados não classificados que parecem incompreensíveis aos olhos humanos: uns e zeros, em sua forma mais básica. Já a gente pode ver dados sozinhos que aparentemente não significam nada em si. Uma vez que processamos os dados e adicionamos contexto, o resultado é a informação, que é própria para consumo humano. Ela contém significado e contexto para que possamos compreender seu propósito e implicações; ou seja, é algo que entendemos olhando de fora.
Vamos pegar como exemplo um mapa de referência de GPS, dados que seu telefone recebe do posicionamento de satélites. Supondo que você não tenha conhecimento de coordenadas de mapeamento, os números de referência de GPS não diriam muito para você sobre onde está localizado: ou você sabe me dizer rapidamente qual lugar no mundo corresponde às coordenadas 44º 20' 42 N de latitude e 8º 32' 48 E de longitude, sem recorrer ao Google? (Spoiler: é Celle Ligure, vilarejo na Itália onde cresci.) Agora, abra o Google Maps e essa referência de GPS será transformada em um alfinete em um mapa: essas, sim, são informações que você pode entender.
Quando os dados se tornam informações, ficam mais palatáveis para nós. A informação em si só não nos dá um ponto de referência para uso em análises mais amplas: por exemplo, o alfinete de mapa só não nos diz como encontrar o caixa eletrônico mais próximo, sem processamento adicional, ou não relata quantos acidentes de trânsito ocorreram em um determinado cruzamento durante o último ano, a menos que solicitemos ativamente a resposta.
Dados e informações são os dois primeiros componentes da pirâmide DIKW, modelo de hierarquia entre Data, Information, Knowledge e Wisdom. A pirâmide descreve a jornada dos dados dos números brutos às informações, das informações aos conhecimentos e dos conhecimentos à sabedoria.
Qual a implicação disso tudo? Enquanto muitas vezes achamos que, quanto mais dados, melhor, a chave está no uso que fazemos dos dados!
Isso proporciona vários momentos com alto grau de ambiguidade durante as etapas de um processo de tomada de decisão, que nos fazem errar com frequência. Afinal, são cinco as etapas principais de um processo decisório:
- Identificação do problema: como iremos tomar uma decisão se nem conhecemos o problema? Cometemos esse erro muito mais do que imaginamos, por falta de pensamento crítico;
- Coleta de dados: também costumamos errar muito nessa etapa, por confundir dados com informações ou compararmos dados e métricas diferentes;
- Identificação das alternativas: é tarefa nossa abrir o leque de opções através de inventividade e criatividade, enquanto muitas vezes erramos ao resgatar só algumas alternativas do passado (porque já funcionaram) ou descartarmos outras (porque não funcionaram).
- Escolha das alternativas: é preciso traçar possíveis cenários para cada alternativa, como forma de se preparar para mudanças no cenário, e não se apegar a uma alternativa só. É limitante se apegar a uma alternativa apenas, mas o fazemos por um "vício" de controle, ao mesmo tempo que temos que ter claro o custo das alternativas que excluimos.
- Decisão e acompanhamento: o processo não termina quando tomamos a decisão, mas continua em andamento constante, até porque podemos (e devemos!) ajustar a decisão enquanto o cenário muda. Para isso, precisamos constantemente coletar o feedback do mercado ou do mundo externo e atualizar nossas decisões.
A consequência é: nossa habilidade de tomada de decisão está limitada e o processo é falho, principalmente nas empresas. É o que demonstra a pesquisa Leaders 2020, da SAP e Oxford Economics, ao relatar que apenas 55% dos executivos estão tomando decisões baseadas em dados - e apenas 43% em tempo real! Essa é uma trava imensa! A tomada de decisões deve ser distribuída por toda a organização, e não concentrada em apenas alguns grupos de pessoas. De acordo com um estudo da Forrester, para cada hora que uma equipe de produto gasta em trabalho, 48 minutos são perdidos na espera por decisões. Isso equivale a mais de 3,5 horas de “tempo de espera” em um dia de trabalho médio de oito horas. Algum nível de otimização é possível tornando o processo de decisão mais ágil (eliminando dependências e processamento paralelo), enquanto outros podem ser obtidos por equipes auto-sustentáveis ponta a ponta como parte de organizações gerais mais horizontais. Isso deve ser aliado aos investimentos em tecnologia para facilitar a acessibilidade das informações para a decisão final.
Mas não é apenas o problema de confundir dados com informações que está atrás dessa dificuldade presente nas companhias. Existem outros tão importantes quanto:
- a tomada de decisão hoje é considerada um processo puramente racional, baseado em dados, mas a verdade é que a intuição é muito importante para acelerar essa dinâmica;
- é mais fácil olhar para dados do passado do que dados do presente, e por isso nós não aproveitamos ao máximo os dados em tempo real - e ficamos reféns do passado;
- acreditamos que, para tomar decisões, temos que ter o controle de todas variáveis, enquanto criamos cenários e trigger points. Ou seja, tomar decisões não é mais questão de prever o futuro, mas sim de se preparar por ele;
- avaliamos as alternativas que temos apenas baseadas no valor das que escolhemos, mas o quadro completo contempla o custo das alternativas que não perseguimos.
Temos que compreender que a tomada de decisão é vista como um processo puramente analítico, racional, baseado em dados por uma herança da revolução científica. O paradoxo do mundo digital é que nossa intuição se tornou ainda mais importante do que antes e serve de complemento (importantíssimo) ao lado racional (que permanece relevante). Veja o que Tim Cook, CEO da Apple, nos conta sobre Intuição:
Eu não acho que você nasce com intuição. A intuição amadurece e fica cada vez melhor ao longo do tempo, e o desafio que a maioria das pessoas enfrentam é aprender a ouvir a sua intuição. e descobrir como acessá-la de alguma forma - Tim Cook, CEO da Apple
O filósofo inglês John Locke, que viveu no século XVII, é mais conhecido por ser um dos pais do liberalismo e autor da teoria do contrato social que governa a relação entre estado e sociedade, mas é também famoso por sua análise filosófica do conceito de intuição.
No "Essay Concerning Human Understanding", publicado em 1690, ele criou um modelo para mapear as fronteiras da intuição, a colocando entre percepção sensorial de um lado e demonstração de outro. Segundo ele, existem 3 tipos de conhecimentos:
- O conhecimento intuitivo envolve o reconhecimento direto e imediato da concordância ou discordância de duas ideias. Produz uma certeza perfeita, mas nem sempre está ao nosso alcance. Por exemplo: eu posso saber de forma intuitiva que um cachorro não é o mesmo que um elefante.
- Conhecimento demonstrativo é quando percebemos concordância ou discordância por meio de uma série de ideias intermediárias. Por exemplo: sei que A é maior do que B e B é maior do que C, portanto, sei demonstrativamente que A é maior do que C. Isso envolve raciocínio lógico.
- Conhecimento sensorial é quando percepções são causadas por coisas existentes, mesmo quando não sabemos o que causa essa percepção dentro de nós. Por exemplo: eu sei que há algo produzindo o cheiro que posso sentir.
Entendemos que intuição não se trata nem de demonstração, nem de percepção sensorial; mas o que é intuição, então?
Vamos para uma primeira definição acadêmica: "faculdade ou ato de perceber, discernir ou pressentir coisas, independentemente de raciocínio ou de análise". Em termos filosóficos, outra definição é: "forma de conhecimento direta, clara e imediata, capaz de investigar objetos pertencentes ao âmbito intelectual, a uma dimensão metafísica ou à realidade concreta". Muitas vezes é até atrelada a uma "imediata comunicação espiritual".
É difícil tangibilizar, não é? Mas essa é exatamente a essência da intuição: a boa notícia é que a ciência pode nos ajudar a entender melhor de onde vem a intuição, e isso é fundamental para sua maior aceitação no mundo dos negócios - uma pesquisa recente da Smith School of Business, intitulada "Intuition in the Age of Big Data", aponta que a maioria dos líderes sente que precisa usar mais a própria intuição na hora de tomar decisões: dos 250 líderes entrevistados, 52% disseram que confiam demais em dados e análises ao tomar decisões, e não o suficiente em sua intuição.
Como funciona a intuição a nível científico?
Vamos começar com a premissa que o cérebro humano está programado para identificar padrões. O cérebro não só armazena informações na medida que entram, mas também armazena insights e aprendizados de experiências passadas. A intuição não é algo "do momento", mas se desenvolve ao longo da vida inteira (até por isso Tim Cook diz que dá para treinar, sim!): cada interação e experiência que temos com o mundo externo é categorizada em sua memória, a partir da sensação que ela gera, e a intuição se alimenta dessa memória profunda para te ajudar a tomar decisões em tempo real.
Percebe que a chave para desenvolver e treinar a sua intuição é justamente ter múltiplas e variadas experiências, e não só rotinas - para que de fato você ajude sua intuição a ser mais assertiva?
Em outras palavras, nossas decisões intuitivas são, de alguma forma, baseadas em dados! Quando identificamos padrões de forma subconsciente, o corpo começa a disparar neuroquímicos para o cérebro. Esses marcadores somáticos nos dão aquela sensação de que algo não está certo. Quem nunca teve essa sensação física (muitas vezes no estômago), como se fosse um sexto sentido? Esses processos automáticos são mais rápidos que o pensamento racional, e isso os faz fundamentais quando precisamos tomar decisões rápidas sob informação incompleta. Lembra da pesquisa da Forrester mencionada acima, que aponta a todo o tempo perdido nas empresas esperando decisões?
No momento atual de aceleração, devido à combinação da transformação digital e crise do Covid-19, não podemos permitir nada disso. Simplesmente, não temos o tempo suficiente a disposição, e por isso precisamos aprender a ouvir nosso GPS interno: nossa intuição.
CEO mais seguido no LinkedIn | Fundador e CEO da Revvo | 600k seguidores | Empreendedor
3 a👊🏻
Engenheira eletrônica e de computação
3 aPaulo Minor
MSc in Data Science and AI| Data Manager | Tech Manager
3 aQue matéria interessante. Realmente vivemos uma infoxicação. Irei compartilhá-la!
Gestão e liderança de times, 14 anos em UX ajudando as empresas a evoluírem seus produtos, professor, palestrante e consultor.
3 aDiego Oliveira
Promovo relações com propósito entre marcas, causas e pessoas | CEO da Repense | Comunicação | Propósito | CRM | Digital | Marketing de Causa| ESG
3 aExcelente.