“ipsa scientia potestas est”
Nossa sociedade tornou-se escrava da internet e dos vários serviços online: muitos já não conseguem viver em um mundo sem buscas do Google, vídeos no YouTube, posts sobre o comida no Instagram, notícias diárias nos diversos portais, a vida dos amigos no Facebook ou a conversa cheia de GIFs animados no WhatsApp. Esta dependência gera o uso e o uso gera dados para os provedores de serviços.
Enquanto para a grande maioria da população estes dados podem não representar muita coisa, analistas de “big data” sabem como os estruturar, combinar e organizar gerando valiosas “informações” para as empresas.
E o real problema começa exatamente aqui...
Um Admirável Mundo Novo
As informações podem ser utilizadas tanto à “maneira tradicional” (com a análise estatística para entender tendências de consumo e promover um ou outro produto por exemplo) quanto para influenciar (ou induzir) o consumidor.
Quantas vezes você não foi bombardeado por banners ofertando viagens no dia seguinte que você pesquisou por “destinos para as férias”? Ou uma propaganda gigantesca de um serviço de streaming após buscar informações sobre um filme ou série de TV? Nada disso foi mera coincidência. Tudo foi meticulosamente planejado para que você consuma um determinado produto ou serviço baseado em um dado capturado durante uma pesquisa, site ou aplicativo.
“Grande coisa” você pode estar pensando, “basta eu ignorar a propaganda”. Se você possui este controle, excelente! Mas saiba que 60% dos brasileiros realizam compras online por mero impulso - “coincidência” entre “o que pesquisei” e o “produto ofertado” torna-se um gatilho.
O uso das informações é ainda mais grave quando molda o comportamento de um indivíduo ou de um grupo de pessoas. A Cambridge Analytica foi uma empresa especializada em análise de dados contratada pela campanha presidencial de Donald Trump que coletou informações de 50 milhões de indivíduos a partir do Facebook, Google, Twitter, Instagram e WhatsApp. Estes dados teriam sido utilizados para traçar perfis psicológicos dos usuários, expondo-os a artigos e textos elaborados de forma direcionada para influenciar a votação a favor do atual presidente dos Estados Unidos.
Influenciados pelas redes sociais e os serviços online “gratuitos” (note as aspas) criamos uma cultura de “desvalorização de nossos dados pessoais”. As pessoas esquecem de se perguntar por que o Facebook não cobra nenhum dólar por seu uso ou por qual motivo você ganha mais funcionalidades em um serviço ao completar um cadastro. Captar estas informações o transforma em alvo de produtos e serviços segmentados, que serão ofertados somente quando o perfil traçado pelos conteúdos de seus posts ou resultado da análise de sua navegação indicar que você está propenso a realizar uma compra impulsiva.
Para piorar a maior arma desta guerra foi introduzida há mais de uma década diminuindo as suas chances de manter a privacidade. Lembro que na época eu tive uma longa e fervorosa discussão com um amigo sobre as então possíveis obscuras intenções do Google com o seu recém lançado “Android”.
Nossos smartphones fazem registro das pessoas com quem conversamos, dos assuntos que pesquisamos, dos lugares por onde passamos, de nossas preferências em entretenimento, de que tipo de pessoa buscamos para um relacionamento, que horas acordamos, que hora dormimos, quais jogos jogamos, quais compromissos temos. Se utilizamos “wearables”, estas empresas sabem como está nossa saúde pela frequência cardíaca e movimentação diária, nosso desempenho, velocidade, potência ou que esporte gostamos de praticar. E ainda que dispensássemos tudo isso, nosso próprio capital, agora sob forma de um cartão de plástico com um chip e uma tarja magnética, já nos denuncia gravando tudo o que, quando e onde consumimos.
Informação gera conhecimento e assim a frase título deste artigo (“Conhecimento em si é poder”) publicada por Francis Bacon há mais de 423 anos em suas escrituras Meditationes Sacrae parece mais atual que nunca.
Uma luz no fim do túnel
Felizmente esta não é uma guerra perdida. Algumas nações moveram ações proativas para resguardar a proteção de dados pessoais e privacidade dos indivíduos e possivelmente o melhor exemplo seja o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD ou GDPR).
Estabelecido em 2016 na União Europeia, o GDPR garante uma série de direitos para os titulares (proprietários, donos) dos dados, forçando a adequação das empresas à legislação sob pena de sanções que vão desde advertências até multas na ordem de 4% da receita global da empresa (por infração). Pode soar “drástico”, mas ao contrário do que aparenta, as exigências impostas pelo GDPR não trazem nada de novo: apenas contextualizam suas raízes fundamentadas no artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, à realidade que vivemos.
“Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Todos os seres humanos têm direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.”
- Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
No Brasil a Lei 13.709 (Lei Geral de Proteção de Dados ou apenas LGPD), que possui forte inspiração no GDPR, complementa a Lei 12.965 (Marco Civil da Internet, vulgarmente chamado de “Lei Carolina Dieckmann”) tratando diretamente da Proteção de Dados e Privacidade de brasileiros, indivíduos que se encontrem no Brasil ou dados coletados / tratados em território nacional.
Apesar deste movimento ser incipiente para nós brasileiros, constitui um passo importante para nos reapropriarmos destes ativos poucos usuais, destas informações que nos moldam e nos definem.
Conhecimento é mesmo poder.