Italoaustrolusogermanohispanobrasileiro
Final de tarde primaveril em um boteco na rua XV de Novembro no centro da cidade da gente, Curitiba. Dois amigos de infância conversam.
- Fala Negão, beleza.
O outro meio constrangido.
- Fala gordo, tudo em cima.
- Que houve? Você está estranho.
- Nada, não.
- Qual é negão eu te conheço desde criança, desembucha logo.
- Gordo o negócio é o seguinte, você sabe que meu filho vai nascer, você vai ser até padrinho dele, então daqui para frente não quero mais ser chamado de “negão”. Andei pesquisando na internet sobre cultura afro e quero ensinar para o meu filho que ele não é negão e sim afro-brasileiro.
- E você é norueguês por acaso? Vai morder o pai na bunda negão! – sorrindo.
O outro irritado.
- O gordo estou falando sério. Quero que meu filho conheça mais da raça negra. Que tenha orgulho das suas raízes africanas. De como fomos arrancados da mãe África e trazidos escravos para cá, que ele possa lutar contra o racismo e o preconceito com bases sólidas. Você sabia que o Brasil tem a maior população negra fora de qualquer país da África? Segundo o IBGE, os negros e pardos representam 45% da população brasileira, ou seja, oitenta milhões de brasileiros. Isso deve significar algo, não é mesmo?
- Claro neg... é quero dizer Paulo.
- Então! Quero que meu filho conheça a história de sua descendência africana e se orgulhe disso.
- Concordo amigo, você tem toda razão. Por falar nisso seu pai é que era africano não é mesmo?
- Não gordo, você conheceu meu pai sabe que ele era, que Deus o tenha, brasileiro roxo. Não lembra quando falavam mal do Brasil perto dele?
- Lembro. Pois é, então era sua avó ou seu avô que eram africanos?
- O gordo, está me estranhando, você sabe que não. Mas sei lá alguém da minha família era. Minha tataravó ou tatatatatatatatarvô, sei lá.
- Ahnn, e por isso você é afro-brasileiro.
- Claro.
- Sabe neg... Paulo, você tem razão. Meu avô sempre contou que meu bisavô, que era italiano, conheceu minha bisavó, que era austríaca, no navio em que vinham para o Brasil, isto por parte de pai. Por parte de minha mãe parece que tinha português, alemão e espanhol no rolo. Então somando um mais um, sobe dois, caem três... Você esta certo! De hoje em diante também não quero mais ser chamado de brasileiro e sim de Italoaustrolusogermanoispanobrasileiro.
- Oh gordo... você leva tudo na brincadeira. Estou falando sério.
- Eu também, só que desta culpa você não vai se livrar meu irmão. Você é tão brasileiro quanto eu. Não tem nada de afro, húngaro ou o diabo a quatro. Nasceu aqui, dançou, é essa “mistureba” toda. É brasileiro e ponto final.
- É claro que eu sou brasileiro gordo e me orgulho muito disso. Só acho que meu filho tem que aprender um pouco da cultura da sua raça.
- Que raça! Você é cachorro, cavalo ou vaca por acaso? A tua raça é a mesma que a minha, a raça humana! Agora se você é preto, branco, amarelo ou o diabo isso não importa.
- Não importa porque você não é negro.
- É, estou mais para um begezinho.
- O gordo a discriminação esta aí irmão. Ela existe mesmo e não é brincadeira. Só quem já passou por isso sabe.
- Nega... Paulo, eu sou gordo. Eu tenho uma leve noção do que é discriminação também. Nem por isso saio por aí procurando outros gordos para formarmos a raça gorducha. A discriminação é fruto da pobreza de espírito e financeira que gera ignorância, que gera intolerância, e isso só vai mudar com educação, camarada. Muita E-DU-CA-ÇÃO!
- Pois é gordo... Aí está! A maioria dos pobres são negros, ou seja, afro-brasileiros. Vá a qualquer favela do Brasil e veja quantos mulatinhos você vai encontrar.
- Um monte, assim como você vai encontrar loirinho de cabelo pixaim, negrinha de olho verde, japonês mulato e por aí afora. Quer ensinar para o seu filho algo, ensine a ser uma pessoa de bem, justa e honesta. Ensine a não julgar ninguém por sua cor, credo ou opção sexual. Que não importa se ele é afro, angolano, turco, mas que acima de tudo ele é um ser humano. Ensine empatia, respeito, amor ao próximo.
- Eu sei gordo, é que...
- É que... É que... Não tem é nada. E por falar nisso você contou para a Hertha de suas intenções afro-culturais?
- Ainda não, mas ela não vai se opor. Sei que ela vai entender.
- Claro que vai. Talvez ela queira ensinar um pouco da cultura dela também, não é mesmo?
- É... – surpreso.
- Vai ser interessante, um afro-brasileiro fazendo aqueles ovinhos pintados na páscoa, como é mesmo o nome daquilo, pêssego, pestana, pescana?
- Pêssanka. É ucraniano.
- Ucraniano? Mas a Hertha é polaca, não é?
- Polaca de olho verde e cabelo escorrido lá da colônia Muricy. O pai dela é polonês.
- Bom então seu filho não será afro-brasileiro e sim afro-polaco- brasileiro.- risos.
- É... – rindo.
- É... mesmo. Quer ensinar a cultura afro beleza, vai em frente. Mas ensine que a cultura afro faz parte da cultura brasileira que é a mistura de tudo, do samba, com o maracatu, do futebol com a capoeira, da pêssanka com chimarrão e aí afora. Que ele é fruto da diversidade cultural, que ele tem que se orgulhar de ser um ser humano bom e trabalhar para que seu país se transforme em um lugar onde não importa a cor da sua pele ou a descendência de sua família.
- Está certo gordo! Com um padrinho como você ele já terá muito com que pensar. Vamos tomar nossa cerveja e deixar a vida nos levar.
- Beleza. Mas de hoje em diante só o chamarei por seu nome de batismo Paulo Soto-Maior assim como você só me chamará pelo meu, Orozimbo Kowbrun. – risos.