“Já abriu chamado?” — a miopia corporativa

“Já abriu chamado?” — a miopia corporativa

Quarta-feira — data que escrevi esse artigo — foi mais um dia daqueles em Porto Alegre. Chove e faz frio — 10-12 graus.

O tempo nublado me deixa melancólico e com uma moleza ordinária; até esqueci da pandemia. A lareira queima desde o meio-dia e reduz a escandalosa umidade do ar em 89% (é quase como respirar água).

Mas…

No mês de agosto prestei consultoria em uma grande rede varejista do Sul e ministrei curso online ao time de profissionais de uma grande empresa da área da saúde também do Sul.

Já viu, hein? Tudo é “Grande” e é do “Sul”. Só faltou o “Rio” (não, não, não vou desenhar).

Já abriu chamado?

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Em ambas as empresas há uma grande indignação entre os técnicos do suporte: o usuário não quer abrir chamado via sistema. E isso é, na visão deles, um dos maiores problemas no atendimento ao próprio usuário.

Por que acontece em mais de uma empresa — e já ouvi também em outros cursos e consultorias — percebo que é um padrão.

“Temos processos para nossa organização interna e o usuário não quer segui-los” (só que ninguém combinou isso com o usuário, hehehe).

Do título do artigo

Chama-se Miopia em Marketing o elucidativo artigo de Thedore Levitt. Já escrevi sobre ele, mas sempre é interessante reprisar para as novas gerações, afinal foi publicado em 1960! Há sessenta anos!

Ele cita, para simplificar, que as empresas se apaixonam pelo seu produto e esquecem a utilidade que este proporciona ao cliente.

Yep, para bom entendedor, meia palavra basta! Ou não.

As áreas de suporte querem se organizar para prestar atendimento onerando exatamente aqueles a quem deveriam facilitar a vida!

Meritocracia

Semana passada um amigo me disse que sua empresa adotara a meritocracia e percebia como um grave problema disso o fato de ser medido por métricas específicas em seu departamento.

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Disse mais: “Se eu focar apenas nas minhas métricas, pode ser que prejudique o negócio como um todo. E como fazer para explicar ao meu chefe que uma economia obtida em minha área prejudicará outro departamento da empresa?”

Ele se referia a uma descarga paletizada — paletes de madeira — de carretas que dura 15 minutos, mas a área de compras consegue preços mais baratos de carga batida — operação formiga, manual — que demoram 120 minutos.

Pois é o que acontece com o “Já abriu chamado?”.

Sei que isso pode virar uma nova polêmica como protagonizei há anos com um colega de profissão em uma lista de debates. Ele media meticulosamente o Tempo Médio de Espera que seus clientes esperavam na fila da central telefônica para serem atendidos.

E eu citava que aquilo era um horror. Fazer o cliente esperar era pedir para ele abandonar não só o atendimento, como o fornecedor.

(Abre parênteses

Ontem queria comprar formulário contínuo. Uso para confeccionar os mapas mentais dos artigos e cursos. Liguei para uma loja perto de casa de uma cadeia de material de escritório em Porto Alegre. Ela não tinha. Eu quis encomendar. Ela disse que não podia, regras da empresa. Mas indicou uma loja onde tinha em estoque.

Fui até lá e era um falso positivo: o controle de estoque diz que tem, mas não tem. Porém… Ela descobriu que no centro de distribuição existiam 18 caixas e perguntou se eu aceitava pagar R$ 15 para o motoboy buscar e me entregar. Fiquei feliz da vida por quê… Ela resolveu meu problema!

Uma caixa me dura 10 anos. E sem precisar sair de casa. Nunca mais vou na loja do meu bairro!

Fecha parênteses)

Onde andávamos?

Ah, sim, sobre a polêmica. A Amazon quebrou a Saraiva e a Cultura.

Por que, entre outras coisas, preocupa-se com o cliente e otimiza seus processos internos.

Ao contrário de controlar uma métrica como TME (Tempo Médio de Espera) que otimiza processos, mas sem se preocupar com o cliente.

Pombas, Cohen, e qual o problema de “Já abriu chamado?”?

Busca da eficiência

Não adianta nada ser eficiente se você não é eficaz.

É uma sopa de palavras e letras, mas quem trabalha em TI no mercado corporativo acaba esquecendo — ao contrário dos fornecedores — que é preciso fazer o que o cliente — a área de negócio — deseja (sem exageros).

Não dá pra obrigar um usuário a abrir chamado no sistema somente para ajudar na eficiência do suporte técnico e somente então o atender. O suporte só existe como área de apoio para o negócio fazer o que tem de fazer: vender, atender, levar etc.

As justificativas que apresentam são sempre com um olhar interno:

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  • Isso ajuda a organizar nossa área.
  • Compramos um produto exatamente para permitir ao usuário abrir chamado por um sistema.
  • Precisamos mostrar ao nosso chefe o quanto trabalhamos.
  • Facilita o atendimento receber tudo mastigado e detalhado.

E por aí vai…

E então o sujeito que precisa de auxílio tem de acessar uma URL, se logar, selecionar várias classificações, colocar um anexo etc. E durante esse preenchimento, que pode ser algo muito complexo para ele, o negócio permanece parado!

Existe gente sendo paga no Service Desk para ajudar o negócio quando ele é interrompido por algum problema de tecnologia, mas esse time de auxílio complica a vida de quem deveria amparar.

Ora…

Quem já não ficou p* da vida quando precisa realizar algum procedimento burocrático junto ao governo e tem de correr para lá e para cá atrás de carimbo, selo, guia de pagamento etc. quando poderia ser aliviado dessas funções todas e ser atendido como se espera?!

Não. Não faz sentido exigir que o usuário abra um chamado.

Podemos seduzi-lo para isso. Até por que boa parte da comunidade usuária deve ser da Geração Y, Millenium e as vindouras e, portanto, são mais digitais.

Podemos estimular que as requisições, por que não, cheguem via sistema para agilizar o trabalho, mas…

Impor tal ato para que “nossa organização interna” funcione melhor é algo inadmissível. O atendimento a problemas de tecnologia, sob certos aspectos, tem de ser uma caixa preta.

Eu não quero, enquanto usuário, saber quantos funcionários vocês têm, qual seu orçamento, que softwares utilizam etc.

Só quero eficácia no atendimento. O resto se organizem internamente e me passem o preço (e se for muito caro, eu busco noutro lugar).

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Eu largo o abacaxi (problema) e desejo vê-lo resolvido. Simples assim.

Quem busca aumentar sua eficiência às custas do negócio, perde o foco da sua razão de ser (volte lá a miopia em marketing). E isso pode não ser bom.

(Oba, chegou pipoca na mesa… até que dias frios podem ser bons).

Beijos a todos,

EL CO

Lino Junior

Coordenador de Projetos l Agile Business Professional I PSM l CAPM l Membro da ANPPD®

4 a
Douglas Rangel Alves

Sócio proprietário na Four.com Gestão de TI

4 a

Excelente artigo! Concordo plenamente com a frase "só que ninguém combinou isso com o usuário". De que adianta ter tudo organizado internamente, mas esquecer que o usuário é parte do processo?

André Souza Espírito Santo

Gerente de TI | Gerente de Infra | Gerente de Operações de TI | Gerente de Sistemas

4 a

Vou precisar que você abra um chamado pra eu ler esse artigo

Iran Filho

Infra Analyst IT || Linux | Docker | Cloud | DevOps | Learning GoLang

4 a

Bom, atender sem chamado e ser tido como um funcionário que não vai de acordo com os processos instipulados pela direção (que foi o que eu já ouvi do meu gestor) e no final não ser pago por produtividade ou atender sem chamado por conta do negócio? 🤔 Que dilema para um pobre help desk hein!

Paulo Renato

Head de TI na ESCALE | Implementando Soluções de IA

4 a

Cohen aqui estamos atendendo via WhatsApp, eu era totalmente contra mas a situação do home office e um call-center que está sempre no telefone a WhatsApp está sendo a ferramenta que agilizou o processo, com ela também conseguimos métricas que nos ajudam a olhar a operação de cima. Quebrar a barreira tradicional da abertura de chamados para esse fluxo foi difícil para o time mas para o negócio fez total sentido! Adorei o texto! Abraço

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