Jornal O Globo Barra - Dia 07/06/2018 "OBRAS ABANDONADAS EM JACAREPAGUÁ - NÃO ESTAMOS EM OBRAS"
RIO - No início da década, Jacarepaguá foi um dos bairros da cidade que melhor representaram o boom imobiliário carioca, com dezenas de lançamentos. Houve, no entanto, empreendimentos que não foram concluídos, cujos canteiros permanecem abandonados. Nesses casos, quem comprou unidades residenciais ou comerciais sofre para tentar reaver o que desembolsou, pois nem sentenças judiciais são garantia de indenização, uma vez que a interrupção das obras quase sempre acontece porque as construtoras estão em dificuldade financeira. Além disso, vizinhos dos prédios inacabados reclamam de insegurança e de acúmulo de água ou lixo.
A Santa Cecília é uma das construtoras com empreendimentos não concluídos. Há cerca de cinco anos, após o sucesso comercial dos edifícios batizados de Bora Bora, a empresa decidiu ampliar seus investimentos em Jacarepaguá e fez três lançamentos. Nenhum deles foi entregue. O Esmeralda, na Rua Mirataia, no Pechincha, nem saiu do chão, e o terreno foi repassado para outra construtora. A Santa Cecília tenta fazer o mesmo com o Bora Bora Araguaia, na Freguesia, cujas obras foram iniciadas, mas pararam há dois anos por “questões financeiras”, segundo a empresa.
O terceiro empreendimento é o Lagoa Azul, também no Pechincha, o mais avançado, com aproximadamente 85% das obras concluídas. Como no Esmeralda, os trabalhos no canteiro, que começaram em 2013, foram suspensos em 2016. Atualmente, há diversas ações de compradores de seus apartamentos tramitando individualmente, pedindo principalmente distrato e reparação por danos morais. Algumas inclusive já receberam sentenças favoráveis, mas quem as moveu ainda não viu a cor do dinheiro.
— Não dá para contar com o patrimônio da Santa Cecília. Eles mesmo dizem que não têm mais dinheiro — afirma Renan Lobo, que deu entrada numa cobertura no Lagoa Azul, em 2013, e adquiriu um apartamento no Esmeralda, cujo valor foi usado para a quitação do primeiro imóvel quando o terreno deste último passou às mãos de outra construtora.
Quase pronto. O Lagoa Azul, da Santa Cecília, foi paralisado com 85% das obras concluídas, o que motiva os compradores a acreditarem num acordo para terminar o prédio - fotos de bárbara lopes
O Lagoa Azul foi lançado em 2011. Em outubro de 2013, com as obras ainda no início, a Santa Cecília enviou um comunicado aos compradores avisando sobre problemas técnicos na construção, devido à proximidade do lençol freático. Mas um outro aviso no mesmo comunicado acendeu um sinal de alerta. O texto dizia que um acordo para financiamento do trabalho pelo Banco do Brasil havia sido firmado. O problema é que esse acordo estava sendo anunciado desde o lançamento do projeto.
Devido ao atraso das obras, a construtora convocou os compradores para renegociações. Segundo Leonardo da Silva, um dos que tentaram adquirir um apartamento, a Santa Cecília já falava em distrato naquela época, o que ele não aceitou. Meses depois, já em 2014, Silva fechou um acordo para ter desconto no pagamento total e suspender a quitação de parcelas até 2015, para quando estava prevista a entrega do residencial. Desde então, porém, começaram as postergações de prazo, até que a obra parou.
Nesse meio tempo, um grupo com cerca de 50 pessoas se reuniu para debater o problema, e uma comissão com cinco compradores ficou responsável pelo diálogo com a Santa Cecília. Segundo eles, o acordo com o Banco do Brasil só previa o financiamento de 60% do empreendimento, e depois haveria a negociação de um aditivo, o que não aconteceu.
— A intenção era que o Banco do Brasil financiasse 100% de Lagoa Azul, Esmeralda e Bora Bora Araguaia, mas isso não se concretizou. A Santa Cecília chegou a investir recursos próprios; acho que algo perto de R$ 20 milhões, mas não tem como uma empreiteira realizar uma obra sem um banco por trás — defende Lobo.
Nos últimos anos, diz ele, o grupo teve reuniões inclusive no Banco do Brasil, com a presença do dono da construtora. Mas as mudanças na direção do banco, segundo ele, atrasaram as negociações.
— A construtora nos vendeu imóveis na onda do boom imbiliário, mas houve má gestão dos recursos. Hoje, a Santa Cecília diz que não tem mais dinheiro e quer que o Banco do Brasil aplique mais. Tentamos um acordo — diz Silva, que já entrou na Justiça com pedido de indenização por danos morais.
Compradores. Renan Lobo (à esquerda) e Leonardo da Silva buscam saída - Agência O Globo
Para Lobo, um advogado, a ação judicial não é o caminho mais prático. Além da dificuldade de receber o dinheiro, ele explica que as custas do processo são altas, já que a ação tem como base o valor do imóvel. Além disso, o distrato significa abrir mão do apartamento, que pode ser a única garantia para ganhos futuros:
— A única possibilidade é que saia um acordo com o banco. Nos últimos meses, o diálogo ficou complicado, o dono da construtora não nos recebe. A Santa Cecília repassou vários empreendimentos, mas diz fazer questão de concluir esse antes de encerrar as atividades.
Planos profissionais frustrados
Há casos também de paralisação da construção de edifícios comerciais. Uma vítima foi Helmuth Beck, que, em 2008, firmou um contrato de promessa de compra e venda de uma unidade no prédio Duo Life, na Avenida Geremário Dantas, na Freguesia, que estava sendo construído pela SPE Renno e pela Decta Engenharia. O prazo de entrega era 1º de setembro de 2010, com tolerância de 90 dias, mas, em agosto daquele ano, as construtoras avisaram que o prazo fora postergado até dezembro de 2011. Sete meses antes, porém, as obras sequer haviam começado. Foi nesse momento que Beck e outros compradores de imóveis no Duo Life recorreram à Justiça.
Atualmente, existe um esqueleto do que seria o Duo Life, mas as obras estão paradas. Beck comprou uma sala no prédio para servir de escritório para sua empresa, que produz equipamentos hospitalares. Devido ao atraso, precisou alugar outro espaço. Somente este ano conseguiu, finalmente, um escritório próprio.
— Meu projeto atrasou oito anos por causa disso tudo. Hoje eu nem tenho mais coragem de comprar um imóvel na planta — afirma o empresário, que chegou a pagar cerca de 1/3 do valor da sala no Duo Life.
Pouca informação. O Styllus Residence, na Rua Araguaia: abandonado - Agência O Globo
Até hoje, Beck não recuperou seu investimento, e as empresas conseguiram anular o pagamento de danos morais.
A ginecologista Ana Ximena Zunino também comprou uma sala no Duo Life, em 2008, para instalar seu consultório. Ela já ganhou a ação de danos morais na 2ª instância, mas, assim como outros compradores, não recebeu um centavo até agora.
— Primeiro, eles alegaram que encontraram uma pedra no terreno e isso atrapalhou as obras — conta Ximena. — Estamos acompanhando o processo para ver se conseguimos penhorar alguma coisa; só me resta esperar. Não consigo comprar outra sala; então, hoje alugo uma.
No canteiro de obras, um vigia, que não quis se identificar, afirmou que as construtoras pretendiam retomar os trabalhos “em breve”, mas não soube dar mais detalhes.
Duo Life. O prédio comercial estava sendo erguido na Geremário Dantas - fotos de brenno carvalho
Na Rua Araguaia, na Freguesia, assim como o Bora Bora Araguaia, da Santa Cecília, o Styllus Residence, da InverRio Empreendimentos, também não foi concluído. As obras começaram em 2012, e deveriam ter sido entregues em 2014, mas atrasaram e, há dois anos, foram paralisadas.
— Cheguei a ver a planta e pensar em comprar um apartamento lá — afirma Aiga Coutinho, moradora da Rua Araguaia. — Felizmente, não fechei o negócio. Hoje, o que a gente teme é que haja uma invasão no Styllus.
A construtora Santa Cecília, procurada, disse que não comentaria os casos citados. A Decta Engenharia e o Banco do Brasil não haviam se pronunciado até o fechamento desta edição. A equipe do GLOBO-Barra não conseguiu contato com a SPE Renno e a InverRio Empreendimentos, apesar de diversas tentativas.