JUNG - "O HOMEM E SEUS SÍMBOLOS" - Cap.1 - "Chegando ao Inconsciente" - "A Importância dos Sonhos"
Livro muito interessante.
Segundo Carl G. Jung:
A importância dos sonhos reside no fato de que eles são uma manifestação do inconsciente humano, revelando aspectos ocultos e desconhecidos para a consciência. Segundo Jung, enquanto nossa linguagem cotidiana é cheia de símbolos e sinais que indicam objetos e conceitos concretos, os sonhos vão além disso, trazendo à tona questões mais profundas e simbólicas. Assim como os símbolos presentes em monumentos e objetos do dia a dia possuem significados além do óbvio, os sonhos são formas de comunicação que nos levam a explorar ideias e emoções que não são facilmente acessíveis à razão.
Segundo Jung, a teoria freudiana sobre os sonhos como expressão de desejos reprimidos e complexos emocionais levou a uma compreensão mais profunda do funcionamento do inconsciente. Ao analisar os sonhos, é possível acessar conteúdos emocionais que estão sendo ignorados ou reprimidos pela consciência, revelando questões profundas e íntimas que podem estar afetando o bem-estar psicológico do indivíduo.
De acordo com Jung, por meio do processo da livre associação, é possível explorar os significados simbólicos dos sonhos, descobrindo conexões entre os elementos presentes nas imagens oníricas e os complexos emocionais do sonhador. Esta técnica permitiu a Freud e outros psicanalistas desvendarem os mistérios do inconsciente, revelando os conflitos internos e as questões não resolvidas que influenciam o comportamento e as emoções das pessoas.
Segundo Jung, ao considerar a importância dos sonhos como uma forma de comunicação do inconsciente, somos levados a refletir sobre a complexidade da mente humana e a necessidade de explorar mais profundamente os conteúdos simbólicos e emocionais que influenciam nossa vida cotidiana. Os sonhos são uma porta de entrada para os aspectos mais profundos e desconhecidos de nossa psique, permitindo-nos compreender melhor a nós mesmos e os motivos que impulsionam nossas ações e decisões.
Segundo Jung, as ideias e associações podem levar-nos aos complexos das pessoas, mas o autor tinha um objetivo mais avançado. Há muitos meios de identificar complexos que podem utilizar testes de associação de palavras. No entanto, para entender a organização psíquica da personalidade global de uma pessoa, é importante avaliar a função dos sonhos e imagens simbólicas. Jung acreditava que sonhos podem conter mensagens além de alegorias. Objetos podem revelar aspectos psicológicos diversos. O inconsciente pode escolher imagens específicas com motivos determinados. A compreensão das imagens simbólicas pode levar a uma interpretação mais profunda dos sonhos.
Segundo Jung, é importante compreender a complexidade dos sonhos e a interpretação dos sonhos deve focar na imagem específica do sonho. Segundo Jung, muitas vezes as pessoas resistem às mensagens de seus próprios sonhos, mas é essencial explorar o significado especial de cada sonho. É muito importante interpretar os símbolos e alegorias dos sonhos para compreender aspectos inconscientes da personalidade.
Jung discute a resistência natural da consciência a informações inconscientes e desconhecidas. Compara a reação do indivíduo ao inconsciente com a atitude dos primitivos diante de novos acontecimentos. Destaca a importância de investigar o inconsciente e os sonhos para compreender o funcionamento da mente. Aborda a psicopatologia e os sintomas neuróticos. Explora o papel do esquecimento e do inconsciente na influência sobre a mente e o comportamento.
Aprofunda-se na natureza do inconsciente e sua relação com a consciência. Discute a separação temporária de pensamentos conscientes e inconscientes, bem como a influência das percepções subliminares. Destaca a capacidade do inconsciente de armazenar informações que podem ser recuperadas espontaneamente. Analisa casos de esquecimento voluntário e conteúdos recalcados que surgem de experiências desagradáveis. Aborda a questão da força de vontade versus conteúdos involuntários da mente, enfatizando a importância de distinguir entre eles para uma compreensão mais profunda da psique humana.
Segundo Jung, existem várias razões pelas quais esquecemos coisas que notamos ou experimentamos, e existem diversas formas de recordá-las.
Jung salienta que nos sonhos, imagens e ideias surgem de forma mais intensa e pitoresca do que quando estamos acordados, pois no sonho expressam seu significado inconsciente. Segundo ele, os sonhos podem ser difíceis de interpretar porque não seguem uma lógica racional, e muitas vezes expressam emoções e pensamentos que ainda não alcançaram a consciência. Os conteúdos subliminares de nossos pensamentos podem afetar a forma como entendemos o mundo e se manifestam por meio de associações inconscientes.
Para os povos primitivos, as associações psíquicas eram parte integrante da vida cotidiana, atribuindo propriedades místicas a animais, plantas e objetos. Estas associações foram se perdendo na modernidade, mas ainda influenciam nosso inconsciente. Muitas vezes, situações do cotidiano podem desencadear reações emocionais intensas devido às associações que fazemos de forma inconsciente. O exemplo de um homem que se viu possuído por medo ao se deparar com algo inesperado ilustra como nossas emoções podem ser intensas e irracionais.
O medo e a ansiedade que sentimos na sociedade moderna podem ser tão intensos quanto os associados aos demônios na visão dos povos primitivos. A fim de lidar com essas emoções, muitas vezes as reprimimos no inconsciente, como no caso de um professor de filosofia que desenvolveu uma fobia ao câncer mesmo sem evidências médicas. Essas emoções inconscientes podem se manifestar de maneira compulsiva e incontrolável, demonstrando como nosso inconsciente pode influenciar nossas reações e comportamentos de forma poderosa.
Era difícil para o homem culto aceitar um fenômeno como este. O homem é representado como um monstro mecânico na escultura moderna de Jacob Epstein, uma imagem moderna dos "espíritos maus". Estudos mostram que a atitude de atribuir males a uma tola extravagância da imaginação é insustentável. Os sonhos apresentam imagens e associações semelhantes a ideias, mitos e ritos primitivos, conhecidos como "resíduos arcaicos" por Freud.
Esses resíduos têm uma função valiosa, servindo como a ponte entre os pensamentos conscientes e uma forma de expressão mais primitiva, colorida e pictórica. Os sonhos também desempenham uma função complementar na constituição psíquica, tentando estabelecer o equilíbrio psicológico total e oferecendo avisos sobre possíveis perigos iminentes.
Os sonhos muitas vezes revelam situações antes delas acontecerem, agindo como importantes mensageiros do inconsciente. Alguns exemplos mostram como os sonhos podem advertir sobre perigos iminentes, como no caso de um alpinista que sonhava em cair de uma montanha alta. Os sonhos recorrentes também são dignos de apreciação, pois podem indicar compensações para defeitos existentes na atitude do sonhador em relação à vida ou antecipar eventos futuros importantes.
A análise de sonhos feita de maneira inteligente e competente é essencial, pois os sonhos e seus símbolos são completamente individuais e não podem ser interpretados de forma universal. Os símbolos oníricos fazem parte de um contexto amplo e devem ser considerados dentro deste contexto.
Os sonhos são fenômenos complexos e misteriosos que nos oferecem insights sobre nossa psique e nossas vidas. A compreensão e interpretação desses sonhos podem abrir portas para uma compreensão mais profunda de nós mesmos e das questões que nos afetam.
Jung começou este ensaio com a intenção de enfatizar a diferença entre um sinal e um símbolo. Os sinais são menos do que o conceito que representam, enquanto os símbolos significam mais do que seu significado imediato. Os símbolos são produtos naturais e espontâneos, não sendo inventados conscientemente. Eles são a principal fonte de conhecimento sobre o simbolismo e estão presentes nos sonhos de forma espontânea. Além dos sonhos, os símbolos também aparecem em várias manifestações psíquicas.
Os objetos inanimados também podem agir simbolicamente, como relatos de relógios parando no momento da morte de seus donos. Os símbolos são produzidos espontaneamente pelo inconsciente, podendo ser conscientemente elaborados posteriormente. É importante compreender a diferença entre sinal e símbolo, pois os símbolos desempenham um papel fundamental na interpretação dos sonhos.
Jung afirma que, na análise dos sonhos, é essencial considerar as diferenças de personalidade entre o analista e o paciente. A extroversão e a introversão são apenas duas das muitas peculiaridades do comportamento humano. É importante reconhecer essas diferenças para estabelecer uma relação harmoniosa durante a análise dos sonhos. Por isso, é fundamental conhecer mais sobre o ser humano e suas qualidades mentais e morais para uma interpretação precisa dos sonhos.
A interpretação dos sonhos envolve um confronto entre duas personalidades, o que destaca a importância de compreender as diferenças individuais e de personalidade. Os sonhos pedem um tratamento individual, mas também é necessário fazer generalizações para classificar e esclarecer o material coletado durante o estudo dos sonhos de várias pessoas. É crucial compreender mitos e símbolos para uma interpretação adequada dos sonhos.
Segundo Jung, a relação entre o analista e o paciente é fundamental na análise dos sonhos, sendo necessário estabelecer um acordo mútuo para alcançar o sucesso. A personalidade do analista desempenha um papel crucial na interpretação dos sonhos, sendo necessário reconhecer e respeitar as diferenças individuais e de personalidade entre o analista e o paciente. Assim, é importante levar em consideração essas diferenças para uma interpretação correta dos sonhos.
Jung observou que as pessoas observadas eram destituídas de imaginação e dependiam exclusivamente de sua percepção sensorial e que elas viviam num mundo onde acasos e possibilidades não existiam, e não havia um verdadeiro "amanhã" em seus pensamentos. Jung afirma que quando começou a observar as pessoas, percebeu que aquelas que utilizavam suas mentes eram as que pensavam, enquanto as que não pensavam seguiam através do sentimento. A palavra "sentimento" pede uma explicação, pois pode ser usada para descrever uma emoção, uma opinião ou uma intuição.
Quando se fala em "sentimento" em oposição a "pensamento", refere-se a uma apreciação, um julgamento de valores, e não a uma emoção involuntária. O sentir, nesse contexto, é uma função racional, enquanto a intuição é uma função irracional. Os quatro tipos funcionais correspondem às formas evidentes através das quais a consciência se orienta em relação à experiência. Sensação, pensamento, sentimento e intuição são esses tipos funcionais.
Os sonhos de outras pessoas podem revelar muito sobre sua psique e personalidade. Muitas vezes, os sonhos buscam compensar deficiências ou distorções da consciência. Por exemplo, um paciente que se via superior aos outros em seu sonho estava compensando sua vaidosa opinião sobre si mesmo. Outro caso envolve uma mulher que sonhava de maneira favorável com alguém que não gostava na vida real, e esses sonhos buscavam comunicar a ideia de que os aspectos inconscientes do seu caráter projetavam uma sombra semelhante àquela pessoa.
Segundo Jung, os símbolos dos sonhos são manifestações de uma parte da psique que escapa ao controle consciente. Eles refletem a influência das forças instintivas na atividade consciente, e podem revelar motivações profundas e ocultas. A interpretação dos sonhos é um processo complexo e individual, que requer compreensão e sensibilidade para cada caso específico.
A abordagem terapêutica de diferentes pacientes pode variar de acordo com suas necessidades e condições específicas. É importante adaptar os métodos e técnicas terapêuticas a cada caso particular, em vez de seguir regras gerais. A interpretação dos sonhos também requer uma abordagem personalizada, pois dois indivíduos podem ter o mesmo sonho, mas suas questões subjacentes podem ser completamente diferentes.
Assim, a compreensão dos sentimentos, pensamentos e sonhos das pessoas é essencial para uma terapia eficaz e individualizada. Cada caso é único e requer uma abordagem sensível e personalizada para alcançar resultados positivos.
Segundo Jung, quanto mais pesquisamos as origens de uma "imagem coletiva" (ou, em termos eclesiásticos, de um dogma), mais descobrimos uma teia de arquétipos aparentemente interminável que, antes dos tempos modernos, nunca foram objeto de reflexão séria. Assim, sabemos mais sobre símbolos mitológicos do que as gerações anteriores. Os homens do passado viviam seus símbolos, eram inconscientemente estimulados por seus significados.
Um exemplo que Jung utiliza é a experiência com tribos primitivas do Monte Elgon, na África, que realizavam um ritual matinal ao oferecer seu sopro ou saliva ao deus nascente. Quando questionados sobre o significado do ato, ficaram confusos, indicando que o ato era feito sem reflexão. A explicação envolveria a oferta de suas almas ao deus nascente. Esta falta de reflexão nos atos é comum no homem primitivo, e os antepassados provavelmente tinham ainda menos conhecimento.
A afirmação de Goethe de que "No começo era o ato" destaca que os atos nunca foram inventados, apenas feitos. Os pensamentos são uma descoberta tardia do homem, que primeiro age por fatores inconscientes para depois refletir sobre as causas de sua ação. A ideia de que a mente inventou a si mesma é tão absurda quanto pensar que uma planta ou animal pode fazer o mesmo. A mente humana se desenvolve e continua a se desenvolver por forças interiores e estímulos externos.
Essas forças interiores, chamadas mana, espíritos, demônios e deuses na mitologia antiga, estão tão ativas atualmente quanto no passado. O homem civilizado adquiriu certa força de vontade para realizar seu trabalho eficientemente e dispensar a oração diária em busca de ajuda divina. No entanto, ele ainda é influenciado por forças fora de seu controle, muitas vezes sem perceber.
A vida do homem moderno está afastada de seus instintos básicos, mas esses instintos não desapareceram, apenas perderam contato com a consciência. Os instintos podem se manifestar de forma indireta, através de sintomas físicos ou incidentes incompreensíveis. O homem gosta de se ver como senhor de sua alma, mas enquanto não controlar seus humores e emoções, não será verdadeiramente dono de si mesmo.
O homem moderno busca eliminar os deuses e demônios, mas eles persistem com novos nomes e afetam a vida do homem de forma invisível. A dissociação e confusão psicológica na sociedade ocidental refletem a falta de introspecção do homem contemporâneo em reconhecer as forças fora de seu controle. O homem ocidental se protege com compartimentos mentais para não confrontar aspectos opostos de sua vida.
O mundo está ameaçado por perigos criados pelo homem, que escapam ao seu controle. A dissociação do mundo reflete a neurose da humanidade, com o Oriente e o Ocidente em conflito e o homem moderno lutando para ser visto como superior. No entanto, ele é confrontado com suas próprias fraquezas, invisíveis mas influentes em sua vida cotidiana.
A busca por poder e competição econômica não traz os resultados desejados, pois o homem está sujeito a forças fora de seu controle, que o levam a enfrentar problemas morais. A humanidade está ameaçada por perigos mortais criados por ela mesma, enquanto busca destacar as falhas dos outros. A solução pode estar em reconhecer e compreender a sombra, os aspectos negativos de nossa natureza.
A religião proporciona significado à vida do homem, mesmo que muitos tenham perdido a fé. A falta de uma religião pode passar despercebida em tempos de tranquilidade, mas se torna evidente em momentos de sofrimento. A busca por sentido e significado na vida leva muitos a refletir sobre a existência de Deus e da imortalidade, especialmente diante da morte iminente.
As crenças religiosas podem não ser passíveis de prova científica, mas são reconhecidamente úteis para o homem. A necessidade de ideias gerais e convicções que deem sentido à vida é evidente, e a falta dessas crenças pode levar a uma sensação de vazio existencial. A aceitação de que a vida é uma batalha constante, com seus elementos opostos, pode ser uma forma de encontrar significado e propósito em meio às adversidades.
É a consciência de que a vida tem uma significação mais ampla que eleva o homem acima do simples mecanismo de ganhar e gastar. Se isto lhe falta, sente-se perdido e infeliz.
Se São Paulo estivesse convencido de que era apenas um tecelão ambulante não se teria tornado o homem que foi. Sua vida real, aquela que tinha verdadeira expressão, repousava em sua íntima convicção de que era o mensageiro do Senhor. Podem acusá-lo de megalomania, mas é uma opinião que se enfraquece ante o testemunho da história e o julgamento das gerações subseqüentes.
O mito que se apoderou de São Paulo fez dele algo muito maior que um mero artesão. Um mito assim, no entanto, consiste de símbolos que não foram conscientemente inventados. Aconteceram. Não foi o homem Jesus que criou o mito do homem-deus: este já existia muitos séculos antes do seu nascimento.
E ele mesmo foi dominado por esta ideia simbólica que, segundo São Marcos, o elevou para muito além da obscura vida de um carpinteiro de Nazaré.
A origem dos mitos remonta ao primitivo contador de histórias, aos seus sonhos e às emoções que a sua imaginação provocava nos ouvintes. Estes contadores não foram gente muito diferente daquelas a quem gerações posteriores chamaram poetas ou filósofos.
Não os preocupava a origem das suas fantasias; só muito mais tarde é que as pessoas passaram a interrogar de onde vinha uma determinada história. No entanto, no que hoje chamamos a Grécia ''antiga" já havia espíritos bastante evoluídos para conjeturar que as histórias a respeito dos deuses nada mais eram que tradições arcaicas e bastante exageradas de reis e chefes há muito sepultados.
Os homens daquela época já tinham percebido que o mito era inverossímil demais para significar exatamente aquilo que parecia dizer.
E tentaram, então, reduzi-lo a uma forma mais acessível a todos. Em tempos mais recentes, viu-se acontecer o mesmo com o simbolismo dos sonhos. Quando a psicologia ainda estava começando a surgir, convencemo-nos de que os sonhos tinham certa importância.
Mas assim como os gregos se autopersuadiram de que seus mitos eram simples elaborações de histórias racionais ou "normais", também alguns pioneiros da psicologia chegaram à conclusão de que os sonhos não significam o que parecem significar.
As imagens ou símbolos que representavam foram, então, reduzidos a formas bizarras pelas quais os conteúdos reprimidos da psique se apresentavam à mente consciente. Assim, tornou-se aceito que o sonho tinha uma significação diferente da sua apresentação evidente.
Jung entrou em desacordo com esta ideia, discordância que o levou a estudar tanto a forma como o conteúdo dos sonhos. Jung indagou que: "por que haveriam de significar outra coisa além daquilo que expunham?" (...) "Existe na natureza alguma coisa que seja outra, além do que realmente é?" (...)
O sonho é um fenômeno normal e natural e não significa outra coisa além do que existe dentro dele. O Talmud mesmo já dizia: "O sonho é a sua própria interpretação. A confusão nasce do fato de serem simbólicos os seus conteúdos e, portanto, oferecerem mais de uma explicação.
Os símbolos apontam direções diferentes daquelas que percebemos com a nossa mente consciente; e, portanto, relacionam-se com coisas inconscientes, ou apenas parcialmente conscientes. Para o espírito científico, fenômenos como o simbolismo são um verdadeiro aborrecimento por não se poderem formular de maneira precisa para o intelecto e a lógica. Não são o único caso deste gênero na psicologia.
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Segundo Jung, o problema começa nos fenômenos dos "afetos" ou emoções, que fogem a todas as tentativas da psicologia para encerrá-los numa definição absoluta.
Em ambos os casos o motivo da dificuldade é o mesmo a intervenção do inconsciente. Jung dizia conhecer bastante o ponto de vista científico para compreender o quanto é irritante lidar com fatos que não podem ser apreendidos apropriada ou totalmente. Segundo Jung, o problema com este tipo de fenômenos é que são fatos que não podem ser negados, mas que também não podem ser formulados em termos intelectuais.
Segundo Jung, para formulá-los precisaríamos ser capazes de compreender a própria vida, pois é ela a grande criadora de emoções e ideias simbólicas.
O psicólogo acadêmico tem liberdade total para afastar das suas considerações o fenômeno da emoção ou o conceito de inconsciente (ou os dois).
Ambos permanecem como fatores aos quais o médico deve prestar a devida atenção, já que conflitos emocionais e intervenções do inconsciente são aspectos clássicos da sua ciência.
De qualquer modo, quando ele for tratar de um paciente, vai defrontar-se com estes fenômenos irracionais como fatos resistentes; que não levam em conta a sua capacidade para formulá-los em termos intelectuais.
Portanto, é muito natural que as pessoas que não tiveram experiência médica no campo da psicologia encontrem dificuldade em acompanhar o que acontece quando a psicologia deixa de ser uma investigação tranqüila, dentro do laboratório, para tornar-se parte ativa na aventura da vida real.
Exercícios de tiro ao alvo num estande são muito diferentes do que se passa num campo de batalha; o médico trata de acidentes de uma guerra verdadeira; tem que preocupar-se com realidades psíquicas, mesmo não podendo enquadrá-las numa definição científica.
Por isso nenhum compêndio ensina psicologia — só se chega a aprendê-la através da experiência prática e objetiva. Estas observações tornam-se claras quando examinamos certos símbolos bastante conhecidos.
A cruz da religião cristã, por exemplo, é um símbolo dos mais significativos e que expressa uma profusão de aspectos, ideias e emoções; mas uma cruz ao lado de um nome, em uma lista, indica simplesmente que aquela pessoa está morta.
Tudo depende muito da maturidade da pessoa que produz a imagem no seu sonho. A interpretação de sonhos e de símbolos requer inteligência. Não pode ser transformada em um sistema mecânico que vai, depois, servir de recheio a cérebros desprovidos de imaginação.
Pede tanto um conhecimento progressivo da individualidade de quem sonhou, quanto uma crescente percepção da parte de quem interpreta o sonho.
Ninguém com suficiente experiência neste campo poderá negar a existência de normas práticas bastante úteis, mas que devem ser aplicadas com inteligência e prudência. Pode-se seguir as mais acertadas regras teóricas e, no entanto, atolar-se nos mais espantosos contra-sensos, simplesmente porque se descuidou de um detalhe aparentemente inútil, que uma inteligência mais atilada não teria deixado escapar.
Mesmo um homem altamente intelectualizado pode cometer grandes enganos por falta de intuição ou de sensibilidade. Quando nos esforçamos para compreender os símbolos, confrontamo-nos não só com o próprio símbolo como com a totalidade do indivíduo que o produziu.
Jung estabeleceu como regra particular considerar cada caso como uma proposição inteiramente nova, sobre a qual começo um trabalho de quase alfabetização.
Os efeitos da rotina podem ser práticos e úteis enquanto se está na superfície de um caso, mas logo que se chega aos seus problemas vitais é a própria vida que entra em primeiro plano, e até as mais brilhantes premissas nada mais são que palavras totalmente ineficazes.
Imaginação e intuição são auxiliares indispensáveis ao nosso entendimento.
E apesar de a opinião popular afirmar que são requisitos valiosos sobretudo para poetas e artistas e que não são recomendáveis às questões de "bom senso", a verdade é que são igualmente vitais em todos os altos escalões da ciência.
Exercem neste campo um papel de importância sempre crescente, que suplementa o da inteligência "racional" na sua aplicação a problemas específicos.
Mesmo a física, a mais rigorosa das ciências aplicadas, depende em proporção impressionante da intuição, que age através do inconsciente (apesar de ser possível reconstituir depois o processo lógico, que teria alcançado os mesmos resultados da intuição).
A intuição é um elemento quase indispensável na interpretação dos símbolos que, graças a ela, são muitas vezes imediatamente percebidos pelo sonhador. Mas enquanto, do ponto de vista subjetivo, este "palpite" feliz pode ser muito convincente, também poderá revelar-se bastante perigoso. É capaz de levar o paciente, com facilidade, a um falso sentimento de segurança.
Pode estimular, por exemplo, tanto quem sonha como quem interpreta o sonho, a prolongar uma relação agradável e relativamente fácil, encaminhando-a para uma espécie de sonho mútuo.
A base sólida de um conhecimento intelectual verdadeiro e de uma compreensão moral autêntica perde a sua força se o analista contentar-se com a vaga satisfação que lhe vai dar o "palpite" certo. Só se pode verdadeiramente conhecer e explicar quando se reduzem as intuições a uma apreciação exata dos fatos e das suas conexões lógicas.
Um investigador honesto terá de admitir que nem sempre é possível uma tal redução, mas será desonesto de sua parte não ter isto sempre presente no espírito. O cientista também é um ser humano.
Por isso é natural que também ele deteste coisas a que não consegue dar explicação. É uma ilusão comum acreditarmos que o que sabemos hoje é tudo o que poderemos saber sempre.
Nada é mais vulnerável que uma teoria científica, apenas uma tentativa efêmera para explicar fatos, e nunca uma verdade eterna.
A FUNÇÃO DOS SÍMBOLOS
Quando um psicanalista se interessa por símbolos ocupa-se, em primeiro lugar, dos símbolos naturais, distintos dos símbolos culturais. Os primeiros são derivados dos conteúdos inconscientes da psique e, portanto, representam um número imenso de variações das imagens arquetípicas essenciais.
Em alguns casos pode-se chegar às suas origens mais arcaicas — isto é, a ideias e imagens que vamos encontrar nos mais antigos registros e nas mais primitivas sociedades. Os símbolos culturais, por outro lado, são aqueles que foram empregados para expressar "verdades eternas" e que ainda são utilizados em muitas religiões.
Passaram por inúmeras transformações e mesmo por um longo processo de elaboração mais ou menos consciente, tornando-se assim imagens coletivas aceitas pelas sociedades civilizadas. Estes símbolos culturais guardam, no entanto, muito da sua numinosidade original ou "magia".
Segundo o autor, "o homem moderno não entende o quanto o seu "racionalismo" (que lhe destruiu a capacidade para reagir a idéias e símbolos numinosos) o deixou à mercê do "submundo" psíquico".
Libertou-se das "superstições" (ou pelo menos pensa tê-lo feito), mas neste processo perdeu seus valores espirituais em escala positivamente alarmante.
Suas tradições morais e espirituais desintegraram-se e, por isto, paga agora um alto preço em termos de desorientação e dissociação universais.
Os antropólogos descreveram, muitas vezes, o que acontece a uma sociedade primitiva quando seus valores espirituais.
Segundo Jung, parece que a superfície do globo foi purgada de todo e qualquer elemento irracional e supersticioso. Agora, se o nosso verdadeiro mundo interior (e não a imagem fictícia que dele fazemos) também está liberto de todo este primitivismo, é uma outra questão.
O número 13, por exemplo, não continua a ser um tabu para muita gente? E quantas pessoas ainda são dominadas por preconceitos irracionais, por projeções e ilusões infantis? Um quadro realístico da mente humana revela que ainda subsistem muitos destes traços primitivos agindo como se nada tivesse acontecido nos últimos quinhentos anos. É essencial examinarmos bem este ponto.
Segundo Jung, o homem moderno é, na verdade, uma curiosa mistura de características adquiridas ao longo de uma evolução mental milenária. E é deste ser, resultante da associação homem — símbolos, que temos de nos ocupar, inspecionando sua mente com extremo cuidado. O ceticismo e a convicção científica coexistem nele, juntamente com preconceitos ultrapassados, hábitos de pensar e sentir obsoletos, erros obstinados e uma cega ignorância.
Segundo Jung, são estes seres humanos, nossos contemporâneos, que produzem os símbolos que cabe aos psicólogos, investigar. Para explicar estes símbolos e o seu significado é vital os psicólogos estabelecerem se as suas representações acham-se ligadas a experiências puramente pessoais ou se foram particularmente escolhidas pelo sonho de uma reserva de conhecimentos gerais conscientes. Jung usa, como exemplo, um sonho em que figure o número 13.
A questão primeira é saber se quem sonhou acredita no caráter agourento do número ou se o sonho refere-se, apenas, a pessoas que ainda têm este gênero de superstição. A resposta faz grande diferença para a interpretação segundo Jung. No primeiro caso será preciso levar-se em conta que o indivíduo está ainda sob a magia do 13 agourento e, portanto, há de sentir desconforto se hospedado no quarto número 13 de um hotel, ou sentando-se à mesa com 13 pessoas. No último caso o 13 não significará, talvez, nada mais que uma observação descortês ou agressiva. O sonhador supersticioso ainda sofre a magia do 13, o sonhador mais "racional" já despiu o 13 da sua tonalidade emotiva original.
Este exemplo mostra a maneira pela qual os arquétipos aparecem na experiência prática: são a um tempo imagem e emoção. E só podemos nos referir a arquétipos quando estes dois aspectos se apresentam simultaneamente. Quando existe apenas a imagem, ela equivale a uma descrição de pouca consequência. Mas quando carregada de emoção a imagem ganha numinosidade (ou energia psíquica) e torna-se dinâmica, acarretando consequências várias. Sei que é difícil apreender este conceito já que estou tentando descrever com palavras algo que, por natureza, não permite definição precisa. Mas desde que muitas pessoas pretendem tratar os arquétipos como se fossem parte de um sistema mecânico, que se pode aprender de cor, é importante esclarecer que não são simples nomes ou conceitos filosóficos.
São porções da própria vida — imagens integralmente ligadas ao indivíduo através de uma verdadeira ponte de emoções. Por isso é impossível dar a qualquer arquétipo uma interpretação arbitrária ou universal; ele precisa ser explicado de acordo com as condições totais de vida daquele determinado indivíduo a quem se relaciona. Assim, no caso de um cristão devoto o símbolo da cruz só deve ser interpretado no seu contexto cristão — a não ser que o sonho forneça uma razão muito forte para que se busque outra orientação. Mesmo neste caso deve-se ter em mente o sentido cristão específico. Evidentemente, não se pode dizer que, em qualquer tempo ou circunstância, o símbolo da cruz terá a mesma significação. Se fosse assim, perderia sua numinosidade e vitalidade para ser, apenas, uma simples palavra.
Aqueles que não percebem o tom de sensibilidade especial do arquétipo vão encontrar-se apenas com um amontoado de conceitos mitológicos que podem evidentemente ser juntados para provar que todas as coisas, afinal, têm alguma significação — ou nenhuma. Todos os cadáveres do mundo são quimicamente idênticos, mas o mesmo não acontece com o indivíduo vivo.
Os arquétipos só adquirem expressão quando se tenta descobrir, pacientemente, por que e de que maneira eles têm significação para um determinado indivíduo vivo. As palavras tornam-se fúteis quando não se sabe o que representam. Isto se aplica especialmente à psicologia, onde se fala tanto de arquétipos como a anima e o animus, o homem sábio, a Mãe Grande, etc. Pode-se saber tudo a respeito de santos, de sábios, de profetas, de todos os homens-deuses e de todas as mães-deusas adoradas mundo afora.
Mas se são meras imagens, cujo poder numinoso nunca experimentamos, será o mesmo que falar-se como num sonho, pois não se sabe do que se fala. As próprias palavras que usamos serão vazias e destituídas de valor. Elas só ganham sentido e vida quando se tenta levar em conta a sua numinosidade — isto é, a sua relação com o indivíduo vivo. Apenas então começa-se a compreender que todos aqueles nomes significam muito pouco — tudo o que importa é a maneira por que estão relacionados conosco.
A função criadora de símbolos oníricos é, assim, uma tentativa para trazer a mente original do homem a uma consciência "avançada" ou esclarecida que até então lhe era desconhecida e onde, consequentemente, nunca existira qualquer reflexão autocrítica. Num passado distante esta mente original era toda a personalidade do homem. À medida que ele desenvolveu a sua consciência é que a sua mente foi perdendo contato com uma porção daquela energia psíquica, primitiva. A mente consciente, portanto, jamais conheceu aquela mente original, rejeitada no próprio processo de desenvolvimento desta consciência diferenciada, a única capaz de perceber tudo isto.
Ainda assim parece que aquilo a que chamamos inconsciência guardou as características primitivas que faziam parte da mente original. É a estas características que os símbolos dos sonhos quase sempre se referem, como se o inconsciente procurasse ressuscitar tudo aquilo de que a mente se libertara no seu processo evolutivo — ilusões, fantasias, formas arcaicas de pensamento, instintos básicos, etc. Isto explica a resistência, o medo mesmo, que muitas vezes as pessoas sentem de aproximar-se de qualquer coisa que diga respeito ao inconsciente. Estes conteúdos sobreviventes não são neutros ou apáticos; pelo contrário, estão de tal maneira carregados de energia que às vezes não se limitam a causar mal-estar, chegando a provocar um medo real. E quanto mais reprimidos mais se irradiam através da personalidade inteira, sob a forma de neurose.
Esta energia psíquica é que lhes dá importância tão significativa. É como se um homem, tendo atravessado um período de inconsciência, de repente descobrisse que há um hiato na sua memória — e que lhe parece terem acontecido coisas importantes de que se não pode lembrar. Na medida em que acredite que a psique é um assunto estritamente pessoal (e é nisto que geralmente se crê), este homem vai tentar recuperar as suas lembranças de infância, aparentemente perdidas. Mas estes hiatos nas suas recordações de criança são apenas sintomas de uma perda muito maior — a perda da psique primitiva.
Assim como a evolução do embrião reproduz as etapas da pré-história, também a mente desenvolve-se através de uma série de etapas pré-históricas. A tarefa principal dos sonhos é trazer de volta uma espécie de "reminiscência" da pré-história e do mundo infantil, ao nível dos nossos instintos mais primitivos. Em certos casos tais reminiscências podem exercer um efeito terapêutico notável, como Freud assinalou já há muito tempo. Esta observação confirma o ponto de vista de que um hiato nas lembranças da infância (a chamada amnésia) representa uma perda efetiva e sua recuperação pode trazer acentuada melhoria de vida e bem-estar.
Por uma criança ser fisicamente pequena e seus pensamentos conscientes poucos e simples, não avaliamos as extensas complicações da sua mente infantil, fundamentadas na sua identidade original com a psique pré-histórica. Esta "mente original" está tão presente e ativa na criança quanto as fases evolutivas da humanidade no seu corpo embrionário. Se o leitor se recorda do que contamos anteriormente a respeito dos incríveis sonhos que uma criança dera de presente ao pai, poderá compreender bem o que queremos dizer.
Na amnésia infantil são encontrados estranhos fragmentos mitológicos que, muitas vezes, aparecem também em psicoses ulteriores. Imagens deste tipo são altamente numinosas e, portanto, muito importantes. Quando tais reminiscências reaparecem na vida adulta podem, em alguns casos, ocasionar profundos distúrbios psicológicos, enquanto em outros possibilitam, por vezes, milagrosas curas ou conversões religiosas.
Muitas vezes trazem de volta porções há muito desaparecidas de nossas vidas, enriquecendo e dando novo sentido à existência humana. Reminiscências de memórias da infância e a reprodução de comportamentos psíquicos, expressos por meio de arquétipos, podem alargar nossos horizontes e aumentar o campo da nossa consciência — sob condição de que os conteúdos readquiridos sejam assimilados e integrados na mente consciente.
Como não são elementos neutros, a sua assimilação vai modificar a personalidade do indivíduo, já que também eles vão sofrer algumas alterações. Neste estado a que os especialistas chamam "o processo da individuação", a interpretação dos símbolos exerce um papel prático de muito relevo, pois os símbolos representam tentativas naturais para a reconciliação e união dos elementos antagônicos da psique.