O Poder do Mito

O Poder do Mito

Carl Gustav Jung, em seu livro Memórias, Sonhos e Reflexões nos diz que "temos sempre necessidade de um ponto de vista fora do objeto de nossas preocupações a fim de podermos considerar eficazmente a alavanca da crítica". Para ele,como poderíamos tomar consciência de nossos fatos psicológicos se não tivermos a oportunidade de olhar de fora para nós mesmos ? Podemos dizer com Jung que, olhar de fora é olharmos a partir dos olhos do outro. Compreender diferentes modos de vida, diferentes culturas, nos da a dimensão da formação de nosso aparelho psíquico e de como ele foi formatado a partir de nossos inconscientes pessoais e coletivos.

Só nos entendemos enquanto "ser psicológico" quando nos comparamos com os arquétipos dos outros povos e percebemos o que nos diferencia e o que nos une. Jung também diz : "Visto que a religião constitui, sem dúvida alguma, uma das expressões mais antigas e universais da alma humana, subentende-se que todo o tipo de psicologia que se ocupa da estrutura psicológica da personalidade humana deve pelo menos constatar que a religião, além de ser um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto importante para grande número de indivíduos".

Portanto, quando estudamos como os outros povos criam seus mitos e os transformam em um arcabouço religioso complexo, podemos entender nossos próprios mitos e utiliza-los como forma de penetrar em nosso inconsciente e decifrar a nós mesmos.

Porém, assim como Jung, devemos sempre ter uma visão cientifica de todo estudo psicológico na medida em que queremos nos aprofundar em nossa psique e não buscar uma forma de mecanismo de defesa contra a luta diária entre nosso Id e o Principio da Realidade." Na me­dida em que o fenômeno religioso apresenta um aspecto psicológico muito importante, trato o tema dentro de uma perspectiva exclusivamente empírica: limito-me, portanto, a observar os fenômenos e me abstenho de qualquer abordagem metafísica ou filosófica. Não nego a validade de outras abordagens, mas não posso pretender a uma correta aplicação desses critérios".

A atitude psicanalista pressupõe isenção e o estudo livre de preconceitos, sem querer saber se determinada "verdade" religiosa é verdadeira ou falsa. O que nos interessa é o estudo do mito e de como ele se insere na formação de nossa psique e como ele pode servir como uma alavanca para o descortinamento de nosso inconsciente. Como diz Jung : "A existência psicológica é subjetiva, porquanto uma ideia só pode ocorrer num indivíduo. Mas é objetiva, na medida em que me­diante um consensus gentium é partilhada por um grupo maior". "O fato é que certas ideias ocorrem quase em toda a parte e em todas as épocas, podendo formar-se de um modo espontâneo, independentemente da migração e da tradição. Não são criadas pelo indivíduo, mas lhe ocorrem simplesmente, e mesmo irrompem, por assim dizer, na consciência individual".

Os primeiros homens tinham uma profunda ligação com a Natureza e toda sua vida era pautada pelos ciclos dessa natureza. Havia o tempo de preparar a terra para o plantio, havia o tempo do plantio das sementes, havia o tempo do crescimento e havia tempo da colheita. Dessa forma a vida era extremamente simples e a expectativa do ser humano quanto a sua vida era também simples. Através da interação do homem com a natureza este começou a entender sua própria natureza e a compreender o seu potencial enquanto ser humano.

As características da natureza em que viviam regulavam suas atividades, sua cultura, seus mitos, suas crenças e a maneira como sentiam as energias que lhes cercava. O sacerdote, xamã, pajé, não importa de qual cultura ou religião, era o elo com o divino, devendo, por sua impecabilidade, ser conhecedor e tradutor das características energéticas/espirituais/psicológicas de cada momento, para instruir e proteger seu povo.

Por todo planeta foram se desenvolvendo as mais diversas culturas e tradições míticas, porém mantendo entre si sempre as mesmas características centrais: como o que esta em cima é como o que está em baixo, e vice-versa. Dessa forma cada momento da natureza representa um momento no mundo espiritual e psíquico, e tudo o que existe dentro do tempo e do espaço esta conectado com o infinito mundo divino, através de todos os mitos de criação.

Para Freud, "não é de se supor que os homens foram inspirados a criar seu primeiro sistema do universo por pura curiosidade especulativa. A necessidade prática de controlar o mundo que os rodeava deve ter desempenhado seu papel. Assim, não ficamos surpresos em descobrir que, de mãos dadas com o sistema animista, existia um conjunto de instruções a respeito de como obter domínio sobre os homens, os animais e as coisas - ou melhor, sobre os seus espíritos. Estas instruções são conhecidas com o nome de ‘feitiçaria’ e ‘magia’".

Porém a história da humanidade é a história dos indivíduos lutando para sobreviver no ambiente em que viviam. Soluções cada vez mais complexas foram necessárias para dar resposta a um mundo cada vez mais complexo e que exigia novas soluções para o desenvolvimento da humanidade.

Dessa maneira o homem desenvolveu seu sentido de "identidade" que o separava da natureza e dos demais seres humanos. Esse sentido de identidade foi a principal ferramenta que nos ajudou pela nossa jornada através da história, porém aumentou a complexidade de nossos mitos e crenças, fazendo com que cada vez mais aumentasse o abismo entre o homem e a divindade.

O ser humano trouxe consigo, desde as primeiras manifestações do Homo Sapiens, todos este mitos transformados em arquétipos, que convivem em nós traduzidos para cada época humana.

Porém, "infelizmente, o lado mítico do homem encontra-se hoje frequentemente frustrado. O homem não sabe mais fabular. E com isso perde muito, pois é importante e salutar falar sobre aquilo que o espírito não pode apreender, tal como uma boa história de fantasmas, ao pé de uma lareira e fumando cachimbo".

Por não saber fabular, o homem moderno não tem como penetrar na profunda simbologia que liga o mito ao inconsciente em busca do Si Mesmo junguiniano. O homem se sente perdido e desamparado, aumentando seus medos e levando-o a aumentar suas neuroses e psicoses.

“...se pudéssemos encarar esse processo por outro prisma que não o pessoal, se pudéssemos, por exemplo, supor que não somos nós os criadores pessoais da nossa verdade, mas os seus representantes, simples porta-vozes das necessidades psíquicas contemporâneas, muito veneno, muita amargura poderia ser evitada, e nosso olhar estaria desimpedido para enxergar as relações profundas e impessoais da alma da humanidade”. Carl Gustav Jung

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