Kroton e seu novo Ecossistema


Ao receber a notícia sobre o novo formato da Kroton fiquei me perguntando: quais serviços e produtos ela tem a oferecer a outras instituições de ensino? Passou um filme pela minha cabeça e me lembrei de todos os movimentos anteriores: ataque direto aos pequenos grupos educacionais, abaixando preço e forçando-os a abaixá-los também, em um movimento de guerra predatória que adiou a discussão sobre qualidade acadêmica; descuido com a construção de novos modelos educacionais e incapacidade de compreender o perigo da concentração na educação.

A concentração nos atrasou dez anos na construção de modelos pedagógicos modernos, que colocam o aluno no centro do processo de aprendizagem, conectando-o com o mercado de trabalho e gerando valor, de fato, para esse “novo estudante”.

Depois de um tempo digerindo o assunto, só consigo encontrar um caminho: a dificuldade de encontrar um direcionamento.

Os últimos relatórios mostram que o tempo das vacas gordas passou, o FIES não é mais uma realidade e os desafios de hoje são outros.

Mas, vamos lá: sem ser injusto, tenho que reconhecer a capacidade do time da Kroton de fazer uma empresa crescer, porque contra números não há argumentos: em pouco tempo, a Kroton tornou-se o maior grupo educacional do mundo. Sério! Para quem não conhece esse mercado, o Brasil tem o maior grupo educacional do mundo e essa empresa tem nome: Kroton! Entretanto, como acontece com todo gigante e líder de mercado, rapidamente passou a ser visado, tornando-se, assim, um alvo a ser abatido. Nesse caso específico, um alvo fácil de acertar: por ser muito grande tem dificuldade de fazer uma virada no modelo educacional. Por outro lado, no entanto quer, a qualquer custo, entrar no time das empresas digitais.

Infelizmente, porém, essa nova competição exige modelos mentais diferenciados e estômago para buscar, todos os dias, errar mais do que acertar. Essas são as características das empresas digitais e eu não consigo ver a Kroton entrando nessa competição.

Venho pesando nisso há um bom tempo: qual seria a saída da Kroton? Qual seria o seu próximo movimento? Quais seriam as alternativas? Confesso que, se estivesse on board, também estaria desesperado, porque não consigo enxergar um caminho alternativo. Acho que nunca foi pensado, internamente, que, uma hora ou outra, esse modelo bateria no teto.

Em resumo, existem três argumentos muito óbvios que reforçam a tese de que esse movimento poderia ter sido evitado:

1. Modelo Educacional diferenciado: a Kroton não tem um modelo educacional diferenciado para oferecer ao mercado. Até agora não vimos nada que justificasse uma saída para oferecer soluções a essa geração que está entrando e que quer aprender de um jeito diferente, com mais protagonismo. Ou seja, o modelo da Kroton continua tradicional, centrado no professor, i.e., a transmissão de conteúdo é o protagonista. Vamos lá: será que ela não entende que o conteúdo está disponível para todo mundo e que, hoje, o papel do novo educador é outro?

2. Base de Alunos em declínio: a base de alunos da Kroton está caindo; somente no último resultado ela perdeu quase 10% da base de alunos no presencial e quase 5% da base no EAD (nesse caso, é um contrassenso porque o mercado está crescendo justamente na modalidade a distância). A Kroton deve ser umas das poucas instituições de ensino que está perdendo alunos nessa modalidade. Nesse sentido, qual plano ela tem a oferecer para pequenas e médias instituições de ensino? O trabalho de eficiência, hoje em dia, não basta para mudar esse cenário.

3. Penetração e Concorrência: a Kroton está presente em quase todas as cidades do Brasil com as suas marcas. Ao oferecer serviços para as instituições de ensino, ela abre mão da operação local com as marcas próprias? Caso isso não aconteça e se, de fato, não houver um plano para isso, entendo que o intuito é facilitar ainda mais a penetração de suas marcas próprias, forçando as pequenas instituições a seguirem o mesmo caminho, o que significa incorrerem nos mesmos erros cometidos por ela nos últimos anos, certamente enfraquecendo-as para tentar voltar a crescer. 

           Você conseguiria imaginar a Walmart oferecendo consultoria para um pequeno varejista que ela tenta, todos os dias, sufocar?

Enfim, tenho poucas certezas na minha vida, mas uma delas é que o modelo educacional que convivemos décadas, morrerá. 

Theresa Cristina Venuto

Administradora de Empresas_FEA_USP| Engenheira de Produção| Green Belt Lean Six Sigma| Pós_Gestão_da_Produção| Diversidade e Inclusão Social em Direitos Humanos.

4 a
Francisco C.

CEO - Inteligência de Mercado | GeoMarketing | Expansão de Negócios

4 a

Excelente reflexão Rodolfo Bertolini! Acredito que a Kroton tente compensar as quedas na receita  verticalizando, comprando players em outros mercados da educação, como ensino básico e cursos preparatórios. Não resolve o problema de base, mas o grupo é grande e arrojado e deve estar procurando ganhar tempo até encontrar novos rumos. Com certeza este é um setor que tem tudo para se reinventar nos próximos anos. Obrigado por compartilhar!

Fátima Veiga

Assistente Administrativo

5 a

Excelente artigo!

Eduardo de Melo Ferreira

Expert em IA & Negócios | Transformação Digital & Automação | Multiplicador de Resultados 🚀

5 a

Excelente reflexão. O desafio dos gigantes é manter a humanidade durante o processo educacional. Ensinar é muito mais do que oferecer conteúdo de qualidade (o que seria qualidade em 2020? O que é pra mim, não necessariamente é pra você). Muitas vezes você precisa oferecer apoio, conforto e um ombro amigo aos alunos. Fora o protagonismo, muito bem citado por você. Padrão e protagonismo dos alunos são excludentes? Talvez sim. Como crescer e personalizar?

Profa. Josi MSc.

Educadora e Aprendedora | Designer de Experiências de Aprendizagem e Facilitadora | Especialista em Liderança, EAD, Educação Corporativa, Metodologias Educacionais, Empreendedorismo, Inovação e Carreira

5 a

Excelentes reflexões, Rodolfo Bertolini, sempre me preocupou esse crescimento exponencial, sem um investimento em metodologia diferenciada e com baixo custo, dentro de um modelo ainda tradicional e com pouca, ou nenhuma valorização docente. Para oferecer cursos a baixo custo o docente local, ou professor-tutor presencial, fatalmente tem uma baixa remuneração e com uma baixa remuneração, como ter motivação para fazer a diferença como docente em sala de aula. Na verdade é uma discussão, que na minha visão, também precisa ser feita, ao se resolver adotar um modelo on-line de cursos. Muitos o fazem entendendo que envolve baixo custo operacional e que o docente on-line, que não pode mais ser chamado de simplesmente Tutor, não tem a mesma dedicação de um professor presencial. Em função disso, a realidade da remuneração é extremamente abaixo do modelo presencial, mas em muitos aspectos exige igual esforço de dedicação de planejamento, de acordo com o modelo pedagógico definido.  Esse é, inclusive, um dos motivos para a baixa adesão de muitos docentes ao modelo on-line e a falta de apoio em sua disseminação.  Entretanto, e felizmente, quem define os rumos nem sempre é a instituição ou nós docentes, mas o movimento de mudança do próprio mundo. Hoje, no modelo de mundo que temos, com o avanço tecnológico, a ascensão da discussão do protagonismo da aprendizagem do aluno, as novas gerações, entre tantos outros aspectos, não deixa mais saída para uma educação que não considere em seu modelo o formato on-line, seja ele 100% ou blended. É importante, contudo, pensar igualmente em modelos que garantam a qualidade do processo de aprendizagem e não somente uma redução de custos que coloque em xeque a experiência de aprendizagem do aluno, que também precisa ser sensibilizado para a adoção deste modelo como alternativa para o seu desenvolvimento. Em resumo, uma boa jornada de debates para uma educação on-line de qualidade.  

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