"LÁ VEM TODO MUNDO"
Em “Lá vem todo mundo” Clay Shirky discute as mudanças sociais e econômicas provocadas pelas ferramentas digitais. A democratização da produção e distribuição de conteúdos tem mudado profundamente nossa sociedade. Esse novo contexto provocado pela difusão das tecnologias e da internet tem alterado nossa relação com o trabalho, com os outros e até com nós mesmos.
Consultor, escritor e professor, Clay Shirky pesquisa e estuda tecnologia e internet desde 1996. Desde então, escreve para importantes veículos como New York Times, Harvard Business Review e entre outros, difundindo suas ideias e impressões sobre o digital. Suas ideias giram em torno de questões sociais e políticas, como a tecnologia e a internet tem mudado a estrutura de nossa sociedade, como pequenos grupos tem exercido pressão e provocado mudanças importantes em direção à democracia e liberdade de expressão. O autor identifica alguns pontos chave para democratização do conteúdo e abertura de algumas profissões na era da internet.
O ponto central é o desmoronamento dos custos transacionais para reunião de pessoas, intenções e projetos. Com o progresso tecnológico muitas operações se tornaram quase gratuitas, seus custos caíram perto de zero, permitindo a inúmeros indivíduos criar plataformas online, compartilhar suas ideias e conhecimento, se reunir em torno de causas e pressionar autoridades e empresas em direção a seus desejos e necessidades.
O autor acredita que o primeiro ponto da virada foi o e-mail, pois antes dele era caro contactar muitas pessoas e simplificar sua mensagem. Era preciso datilografar ou imprimir cartas, preparar envelopes, despachar e aguardar do outro a resposta. Outra opção eram as ligações, mas mesmo assim eram caras e do outro lado a chance de não existir um telefone era muito alta. Logo, o custo transacional era muito alto, e quando o custo transacional é alto as pessoas se afastam e evitam o esforço. É importante pontuar que o custo transacional não é só monetário, tem a ver também com o tempo, esforço, relações de apoio que precisam dar suporte à causa, etc.
Com a criação do e-mail houve um salto na comunicação, uma vez que mais pessoas puderam se comunicar, trocar ideias, compartilhar impressões, tudo isso de forma simples e rápida. O avanço da tecnologia e o desenvolvimento de plataformas digitais como blog e wiki, permitiram um novo salto, que democratizou o meio de distribuição. Você não precisa ter um site, pagar alto por uma hospedagem para manter um blog ou wiki, existem muitas plataformas que oferecem isso de graça. Dessa forma, as massas ganharam poder de comunicar suas ideias, e tudo isso a um custo transacional baixíssimo. O autor demonstra que quando o custo transacional baixa, a escassez acaba e muitas profissões perdem espaço e são forçadas a produzir de graça. Quando todos tem acesso a fotografar, escrever e distribuir notícias e artigos, nasce uma pressão na direção dos jornalistas e fotógrafos. Essa facilidade para novos entrantes força os profissionais em outras direções, o que produz mudanças tanto na sociedade quanto na estrutura dessas profissões.
Esse progresso tecnológico permitiu que pessoas que antes teriam uma chance mínima de se conhecer e criar projetos juntos, travar contato e se relacionar. Essa facilidade para encontrar pessoas como nós, com intenções, sonhos e gostos parecidos é uma grande vantagem da internet, e tudo isso a um custo baixo. Quando acontece esse movimento, pessoas com motivações parecidas podem colidir, produzindo novas ideias, projetos e até movimentos sociais. A reunião de pessoas parecidas, engajadas em algumas causas, produzem plataformas como a Wikipédia, por exemplo. Ela é uma organização descentralizada, onde qualquer indivíduo pode participar, contribuindo com um fragmento de seu conhecimento e trabalho. A somatória de intenções e realização culminam em uma plataforma com milhões de verbetes e com o maior repertório de informação que o homem alcançou; centralizado, de fácil indexação e com poderosas ferramentas de busca.
Quando o custo transacional é baixo, aumenta-se a experimentação. O autor apresenta a lei de potência, onde de muitos projetos, poucos são bem sucedidos e explorados, enquanto muitos não se desenvolvem, efeito semelhante ao apresentado por Chris Anderson no livro a cauda longa. Poucos fazem muito sucesso, enquanto uma esmagadora maioria atinge baixos resultados. Contudo, a internet beneficia essa experimentação, uma vez que o custo transacional é baixo, muitas pessoas podem começar novos projetos, blogs, canais no youtube, fan pages no facebook e por aí vai. Muitos vão ter poucos seguidores e crescer muito pouco, mas alguns vão explodir e provocar mudanças, criando novas ideias, provocando novos conhecimentos e algumas vezes progressos estruturais em nossa sociedade.
O autor cita como exemplo o projeto Linux de Linus Torvalds que começou discreto, com uma sinceridade e abertura total do autor à comunidade. Ao longo dos meses a comunidade de programadores se identificou com a causa e aos poucos o projeto foi ganhando suporte. Com o desdobramento do projeto nasceu um dos maiores sistemas operacionais para servidores e que hoje equipa uma imensa parte dos servidores pelo mundo. Um projeto livre, com licença aberta para estudo, ajustes e modificações. O projeto Linux nasceu da intenção de um homem, que ao longo do tempo impregnou outros com sua ideia e isso resultou em um projeto que gerou inúmeros frutos para a comunidade de tecnologia, como também para a sociedade.
As plataformas digitais permitem esse agrupamento de interesses e vontades. Em muitos países com delicadas democracias e em tantos outros com severas restrições e falta de liberdade de expressão, a internet tem permitido a grupos organizados pelo digital pressionar governos e alcançar mudanças. Governos e empresas têm sofrido retaliação pela sociedade em inúmeros casos. A voz popular tem se desenvolvido e ganhado organização, componente fundamental para gerar pressão e mudanças.
Com muitos fatos e histórias, o autor desdobra suas defesas sobre a tecnologia e a força das ferramentas digitais para provocar mudanças importantes em nossa sociedade.
Top 5 Aprendizados
1 – Tem mais poder uma minoria organizada do que uma multidão desorganizada.
O autor cita muitos exemplos do poder e força que uma minoria organizada tem. Governos e empresas têm sido forçados a mudar suas condutas em prol da sociedade, tudo isso a partir do uso consciente e organizado de plataformas digitais.
2 – Na web quase não temos limites tecnológicos à interatividade, contudo, temos fortes limites cognitivos.
Nosso problema com a informação e a tecnologia, não é sobre limites de interatividade ou processamento. Alcançamos um patamar que nem somos capazes de abraçar, o volume de informação é tão alto que hoje o que nos falta é capacidade cognitiva para lidar com tantos estímulos e possibilidades.
3 – É possível grandes projetos sem fins lucrativos crescerem e prosperarem a partir de uma organização descentralizada na internet.
Projetos como Wikipédia e Linux são provas extremamente bem sucedidas que projetos descentralizados e sem organizações formais podem dar certo. Pessoas comprometidas e alinhadas podem criar coisas incríveis e sem intenção financeira.
4 – O desmoronamento dos custos transacionais facilita a reunião de pessoas.
Nunca antes na história foi tão fácil encontrar pessoas parecidas conosco, com energia e intenção para realizar algumas mudanças. Hoje é possível organizar-se e gerar mudanças. A queda dos custos transacionais permitiu que mais pessoas falem, compartilhem e criem conteúdos.
5 – Se todo mundo pode fazer alguma coisa, essa atividade deixa de ser rara o suficiente para ser remunerada.
A internet e a democratização da produção e da distribuição de conteúdo tem forçado várias profissões. Hoje muitos podem escrever, fotografar, gravar vídeos e até criar sua própria estação de rádio online. Muitos blogueiros têm hoje uma audiência maior que muitos jornais, e isso nos provoca uma reflexão importante: é a educação formal ou associações que devem definem um profissional? Quais são os parâmetros para caracterizar alguém como apresentador, radialista, fotógrafo ou jornalista?
Fonte: Lucas Conchetto