Lágrimas de um Gerente

Um gerente me pediu ajuda para uma demissão. Isso é relativamente comum na minha atividade e normalmente alinhamos todos os desligamentos para garantir que estejam corretos, justos, verificar se não há outra alternativa e, caso não tenha, que sejam conduzidos de um jeito respeitoso para quem está saindo. 

Até aí, nenhuma novidade. 

Quando entrei na sala de reuniões o gerente prontamente contou quem era a pessoa que seria desligada e os motivos pelos quais isso deveria acontecer. Ajustamos os documentos, falamos das questões práticas e, quando eu menos esperava, ele começou a chorar. Sem nenhum receio das suas lágrimas, disse o quanto a pessoa era especial, listou as mais belas qualidades, demonstrou o mais sincero carinho que nutria por ela e lamentou que esse momento havia chegado, apesar dos inúmeros feedbacks. Em um gesto de profunda  vulnerabilidade, o gerente estava ali, em lágrimas não contidas nem disfarçadas, sofrendo pela atitude que nem havia concretizado ainda, mas que sabia, causaria impacto emocional e financeiro em uma pessoa pela qual, apesar de tudo, ainda queria por perto. 

Ele não sabe, mas esse foi o exato momento em que passei a admirá-lo. Uma sala de vidro e a possibilidade de qualquer pessoa vê-lo, não fez com que enxugasse suas lágrimas ou escondesse seus sentimentos. Quanta dose de coragem um homem em posição de liderança no mundo corporativo precisa ter para dar espaço aos seus sentimentos e admitir que se afeta com a demissão de alguém?

Sobreviver no mundo corporativo nem sempre é tarefa fácil. Há inúmeros comportamentos disfuncionais que desenvolvemos para sustentar nossa empregabilidade, principalmente comportamentos envolvem a esquiva do sentir. Passamos a enxergar os sentimentos como fraqueza, o que é um grande perigo, porque não há como nos manter humanos sem sentir, sem se afetar. Caso você seja mulher então, já sabe: qualquer demonstração de afeto gera comentários sobre a sua feminilidade e possibilidade de não ser muito equilibrada emocionalmente, o que coloca a sua credibilidade profissional em risco. Quem sabe não são os hormônios?

Começamos a admirar quem se mostra frio, quem assume riscos sem relevar o medo, quem aceita mais trabalho mesmo estando no limite, quem aguenta pressão sem esmaecer, quem sofre assédio do chefe sem reclamar, quem demite funcionário sem se abalar. Ironicamente, ainda atribuímos a esta pessoa o rótulo da inteligência emocional, como se fosse inteligente emocionalmente aquele com capacidade de não se afetar pelo o que acontece em sua volta. 


Não, o gerente não deixou de fazer o que precisava ser feito. A pessoa foi demitida porque sabia que essa era a melhor decisão para a empresa. Mas nem por isso, ele deixou de se sensibilizar com o momento e nem vestiu uma daquelas máscaras de um-bom-líder-é-focado-em-resultado-e-produtividade-sem-mimimi. Ao estar ali, do lado dele, mesmo que em silêncio e oferecendo apenas minha escuta, reconheci que ainda somos humanos independente do cargo que ocupamos e que, às vezes, é preciso alguém que nos relembre disso no dia a dia louco do mundo corporativo : “Oi, ainda somos humanos. Está tudo bem sentir isso aí dentro de você”.

À todos aqueles que têm a coragem de assumir seus afetos, a minha sincera admiração e o meu pedido de que não se curvem às pressões corporativas. Que a gente vista cada vez menos personagens e que possamos assumir verdadeiramente quem somos: pessoas reais que sim, são produtivas e repletas de competências, mas constituídas também de vulnerabilidades. 


Tanise Correa Vilella

Diretora de RH | Empreendedora | Mãe da Isabela | Diretora ABRH Regional Metropolitana Oeste | Gente & Gestão | Liderança | Facílities | Desenvolvimento Organizacional | CHRO | Conselho | Governança | Clima e Cultura

3 a

Você não faz ideia de como foi importante ler esse artigo hoje!!!! Obrigada 🙏🏻

Josemar Rosa

Consultor especializado em Gestão de Pessoas e Desenvolvimento de Líderes

4 a

Poxa, texto pontual e necessário. Obrigado!

Mariane Sitko, CEA

Sicredi | CEA | Especialista em Investimentos | Consultora de Negócios Alta Renda | Gerente pessoa física Alta Renda

4 a

Uau!!!! Que matéria incrível..algo que não vemos constantemente.

Laine Camargo

HRBP | Talent Acquisition | People e Culture | Gente e Gestão | DHO | Diversidade e Inclusão

4 a

Júlia Pacheco que sensibilidade , isso me fez refletir muito ! No fim todos somos seres humanos independente de sua hierarquia.!

Isabel Cristina Pipolo

50bem+ COM ALMA DE CRIANÇA. /+ 3 DÉCADAS DEDICADAS AO DESIGNER DE EXPERIÊNCIAS /UMA GENERALISTA ESPECIALISTA EM COCRIAÇÃO DE MEMÓRIAS AFETIVAS,.

4 a

Com certeza ter nas mãos o futuro de um colaborador não é nada fácil. Não nos enobrece ou nos torna maiores. Por outro lado, nesses momentos nos é dada a oportunidade de sermos humanos.

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