As latinhas, o celular, o wi-fi emprestado e o banco da praça
Pra mim foi a notícia mais triste da semana. A história do menino Willian que vendeu latinhas pra comprar um celular e seguir seus estudos no banco de uma praça pública em Hidrolândia, no estado de Goiás. Com o wi-fi do açougueiro emprestado, diga-se de passagem. Antes que venham me dizer que estou desatualizada, sim, eu sei que já fizeram uma vaquinha que arrecadou dinheiro para ajudar a família. Eu mesma fiz questão de fazer uma contribuição simbólica. Determinação assim, nos dias de hoje, é artigo em escassez. Não aparecem mais Chateaubriands como antigamente.
Nestas semanas de pandemia, minhas entranhas se agitam entre “lives” maravilhosas e a realidade como professora de ensino fundamental em rede pública. Enquanto aprecio o extraordinário avanço da tecnologia na educação privada online, também assisto impotente a velha novela da falta de recursos do meu território e de condições precárias de acesso das famílias que dele dependem. Quase nada posso fazer além dos meus protestos.
Dizer que foi esta situação que mostrou a gritante diferença entre a educação pública e a particular é uma tremenda tolice. O abismo já era visível há anos. Talvez, agora, esse contraste tenha explodido. Não só porque ele escancara padrões de vida monstruosamente desiguais como também porque esfrega em nossa cara que nem mesmo o espaço físico das públicas pode ser uma alternativa de acolhimento e ajuda para a meninada. Por falta de verbas e de ausência de políticas honestas, elas não tem as mínimas condições de higiene exigidas para que sejam frequentadas sem oferecer grandes riscos de contaminação na volta dos alunos. Traduzindo em exemplos concretos: não há água nas torneiras nem sabão nos banheiros. Em alguns lugares faltam até mesmo os funcionários. O drama é nacional.
Ironicamente, foi do lixo das ruas que Willian tirou os seus recursos. Lixo esse ainda tão minimizado pelo nosso governo – despreza-o como fonte de sustento para várias famílias e nem coloca fôlego no tema, problema ambiental de urgência a ser resolvido em nossas cidades. Um celular foi o que deu pra comprar com as latinhas catadas e seguir a vida que não podia mais ser vivida na escola. E nem em casa, porque lá não tem o acesso à Internet. O açougueiro, penalizado, emprestou a senha do seu wi-fi. O menino é um guerreiro.
Provavelmente, com os fundos arrecadados na vaquinha, Willian vai ter o seu cantinho de estudo e apoio da família pra estudar. Enquanto isso não foi possível, o banco da praça deu o conforto mínimo para sustentar o caderno no colo e escrever. Às vezes a gente até tem o quartinho, a mesa, o computador e a Internet. Para muitos falta o amor. A violência doméstica é um dos grandes inimigos do aprendizado na infância e na juventude. As bibliotecas e espaços públicos são, muitas vezes, o único refúgio que resta para aprendizes esforçados. Inclusive adultos.
Lembrem-se disso gestores quando fizerem as suas políticas nas “cidades inteligentes”. Lembrem dessa foto do Willian sentado no banco da praça estudando com um celular comprado com latas. Essa imagem precisa ser o marco divisório do que hoje é normal e do novo normal no Brasil. Há centenas de Willians esperando um “novo normal”.
Especialista em Gestão Fiscal e Tributária com foco em comércio exterior. Gestão Financeira e Administrativa.
4 aUm momento que me deixou muito triste foi quando fecharam a Biblioteca Parque na Av Presidente Vargas, um lugar tão lindo, tão moderno, fechado por pura politicagem.