Legítima expectativa e direito de arrependimento no comércio eletrônico.
Quem nunca se sentiu alegre em receber pelo correio a sua compra realizada pela internet?
Particularmente, receber a caixa com as novas aquisições me traz um grande contentamento. No entanto, este contentamento pode facilmente se transformar em insatisfação, basta abrir a encomenda e perceber que o produto não corresponde com o esperado.
Apesar de ser um fenômeno global, o comércio eletrônico ainda sofre rejeição por alguns consumidores. Essas inseguranças decorrem da pouca ou nenhuma informação sobre o bem a ser adquirido. São falhas informacionais que trazem incertezas ligadas à qualidade, quantidade e entrega do produto/serviço. Tais desconfianças possuem razão de existir, visto que os fornecedores desrespeitam os padrões mínimos regulamentados em lei.
Além da falta de esclarecimento sobre o produto/serviço, o consumidor eletrônico tem que enfrentar a exposição acentuada às práticas publicitárias, das quais expõem o bem de consumo como algo imperdível, indispensável e vital. Nesse sentido Fernandes Silva pondera que (2015, p. 29):
(...) o fornecedor utiliza vários recursos psicológicospara induzir
o consumidor ao consumo desenfreado, fazendo-o sentir a necessidade
de consumir e, muitas vezes, levando-o ao superendividamento.
O pior de tudo isso é consumir por consumir,sem necessidade,
por simples ação de controle psicológico do fornecedor
por meio da publicidade.
Ao contrário das compras realizadas em locais físicos, nas quais podemos tocar e medir a qualidade do produto em mãos, nas compras online as únicas referências que possuímos são aquelas trazidas pelas fotos, vídeos, dados que o próprio fornecedor apresenta ou a experiência de outro comprador trazida por meio de comentários e avaliações, porém nem sempre considerado pelo consumidor .
Visualizarmos, por exemplo, um push publicitário de um tênis onde o anúncio reproduz todas as vantagens que o consumidor terá ao adquirir o produto. Conforme as descrições do fornecedor, o tênis têm estilo, deixa seus pés respirarem, é confortável, macio e leve, além de estar com aquela promoção imperdível.
Você então, efetua a compra, afinal o produto é perfeito!
Observe que, não havendo a oportunidade de ir à loja e verificar se realmente, em seus pés, o tênis cairá bem (qualidade e conforto), se cria uma expectativa de que o produto realmente corresponda ao anunciado.
É exatamente nesse ponto que o comércio eletrônico falha, pois nas fotos e nas descrições tudo será perfeito, a propaganda abrilhanta a realidade. Mas e pessoalmente? A compra realmente lhe agrada? Funcionará como o esperado?
Afim de garantir as legítimas expectativas do consumidor e a confiabilidade no comércio eletrônico, nestas relações de consumo são aplicáveis a norma do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.079/1990). Trata-se do direito ao arrependimento do qual possibilita ao adquirente de produto ou serviço se arrepender de sua aquisição realizada fora do estabelecimento comercial, dentro do período de 7 dias, contados da assinatura do contrato (compra de bens imateriais, como software) ou do recebimento do produto (compras de bens materiais, como roupas), desta forma:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a
contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço,
sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer
fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a
domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento
previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título,
durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato,
monetariamente atualizados.
Veja que não se trata de mera troca, pois a simples troca é facultada ao fornecedor realizá-la ou não. Mas, sim de um direito de arrependimento, uma retratação obrigatoriamente estabelecida em lei, que dá a oportunidade ao consumidor de analisar e refletir sobre a compra durante o prazo de 7 dias.
Esse direito a retratação está presente, inclusive, no Decreto nº 7.962/2013, do qual regulamenta as contratações no comércio eletrônico, trazendo regulamento não só do direito ao arrependimento, mas também, normatiza a obrigatoriedade do fornecedor oferecer as informações claras e atendimento facilitado ao consumidor. A título de exemplo, o Decreto dispõe:
Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados
para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar,
em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:
(...)
III - características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os
riscos à saúde e à segurança dos consumidores;
IV - discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou
acessórias, tais como as de entrega ou seguros;
V - condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento,
disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou
disponibilização do produto; e
VI - informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições
à fruição da oferta.
Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva,
os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de
arrependimento pelo consumidor.
§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela
mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros
meios disponibilizados.
§ 2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos
contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.
§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado
imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à
administradora do cartão de crédito ou similar, para que:
I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou
II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura
já tenha sido realizado.
§ 4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do
recebimento da manifestação de arrependimento.
Isto posto, não se pode ignorar essa modalidade de consumo pois, apesar da ocorrência de algumas chateações, há importantes vantagens. Assim, o consumidor que prefere a aquisição em ambiente online consegue realizar pesquisa rápida de preços, usufruindo de várias ofertas e variedades de produtos, além de ter a comodidade de efetuar compras onde e quando quiser.
Referências: CHAVES, Fernandes Silva. A vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor nas contratações eletrônicas. Edição digital. São Paulo, 2015.