A Lei de Inovação no Brasil e o Global Innovation Index
Recentemente foi publicado o relatório 2019 do Global Innovation Index, o principal indicador comparativo de inovação entre os países:
Muitas notícias alardearam a queda de duas posições do Brasil no ranking geral, em comparação com o ano passado. No entanto, o cenário é muito mais complexo do que o número pode traduzir.
Por isso, pontuam-se aqui algumas análises históricas sobre o Brasil no ranking e uma interessante reflexão da autora Juliana L. B. Viegas em recente artigo.
No que diz respeito ao método por trás do ranking em questão, ele é composto por sete grupos de variáveis, que passam pelo grupo que compreende o aspecto institucional mais amplo, incluindo ambiente legal e regulatório, ambiente para negócios e políticas públicas; até o grupo que compreende a sofisticação de mercado, que inclui a diversidade das bases de crédito, financiamento e venture capital. Todas as variáveis traduzem ao final um número, que indica o ranking geral de cada país no Global Innovation Index.
Para mostrar os altos e baixos do Brasil, interessante observar a posição do país no ranking nos últimos 10 anos, construída no gráfico a seguir:
A imagem mostra a complexidade de qualquer análise conclusiva, além de mostrar que falar em queda de dois pontos de 2018 para 2019 é bem pouco significativo.
Em que pese a tendência dos últimos 10 anos não ser crescente, nos últimos 5 anos há certa estabilização, o que não deixa de ser um aspecto positivo.
Em meio ao Global Innovation Index, o conjunto de variáveis chamado "instituições" é aquele que guarda mais proximidade para com o impacto da Lei da Inovação. Por isso, um recorte para esse grupo de variáveis é feito, para se avaliar, na imagem abaixo, a trajetória do Brasil em termos do ranking entre os países considerando apenas essa variável:
Igualmente, há altos e baixos, traduzindo a complexidade do sistema institucional, legal, regulatório e político. Contudo, a tendência é clara quanto à melhora do ambiente institucional no Brasil para inovação.
Se trata de lenta evolução, que demonstra as muitas oportunidades de melhoria, principalmente do sistema legal. E nesse contexto interessantes as reflexões da autora Juliana L. B. Viegas, acerca da Lei da Inovação, a seguir discutidas.
Conforme muito bem destacou a autora citada no recente artigo publicado na Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), a função de "engenharia social" de leis de suporte à inovação é utópica, pois, em suas origens elas ignoram entraves centrais, tais como educação básica - e até mesmo superior - deficiente, processos excessivamente burocráticos e ineficientes, além da absoluta falta de entrosamento entre órgãos do próprio governo. Nas palavras da autora:
Diante deste quadro global, impõe-se uma análise e constatação (i) da obsolescência de parte da legislação cambial e fiscal brasileira; (ii) da falta de coerência entre ramos distintos da legislação brasileira que afetam direta ou indiretamente a inovação e a aquisição de tecnologia; e (iii) das lacunas existentes para o aperfeiçoamento dos incentivos legais à inovação.
A Lei de Inovação, seus decretos e regulamentos são um ecossistema complexo.
E no caso das instituições de ciência, tecnologia e inovação públicas (as ICTs) há ainda mais particularidades de difícil superação. E são essas as instituições que mais contribuem seja para o aspecto institucional, seja para o ranking de inovação geral do Brasil.
Por exemplo, uma dessas particularidades envolve a comercialização de bens imateriais desenvolvidos pelas ICTs. A comercialização nesses casos pode padecer de severa insegurança jurídica, uma vez que as respectivas transações estão ainda sujeitas às futuras avaliações por parte dos Tribunais de Contas.
A administração pública séria, coerente e comprometida é absolutamente tão desafiadora - ou mais - do que a privada. E para ilustrar o presente ponto, temos que a Lei 8.429/1992, ao tratar dos atos de improbidade administrativa, submete o gestor público a uma condição frágil, principalmente no que diz respeito às possíveis análises de cunho patrimonial aplicáveis à comercialização dos intangíveis. Assim, nas palavras da autora:
[...] é necessária uma boa dose de bravura do servidor de ICT pública para assumir e liderar negociação de cessão ou licenciamento de bens da Propriedade Industrial ou tecnologia criada ou desenvolvida pela ICT (sozinha ou em parceria), sem que haja pronunciamento dos Tribunais de Contas sobre métodos considerados aceitáveis de avaliação de bens imateriais.
Ainda, é essencial perceber que não é suficiente a existência de leis, normas, regulamentos e decretos que indiquem tão somente o que as ICTs devem ou podem fazer. O poder público maior deve monitorar, acompanhar e avaliar os resultados. O Global Innovation Index é um bom indicador de diagnóstico, mais muito mais monitoramento deve ser feito para se compreender e equacionar de fato o intrincado case brasileiro.
No mesmo artigo é mencionado ainda um interessante aspecto também compreendido na vertente institucional da inovação: a questão da participação societária de ICTs em startups. É mencionada a política instituída pela Universidade da Califórnia.
A política em questão, no ano de 1996, descreve norma fundamentada no óbvio: a constatação de que as startups não possuem, no início de suas atividades, fundos para pagar o licenciamento de tecnologia desenvolvida, seja pela ICT sozinha seja em parceria com a própria startup. Dessa forma, a melhor solução para viabilizar o negócio é a participação da ICT no capital da empresa privada.
Algumas ICTs brasileiras têm avançado no tema, mas tal qual na Lei da Inovação, tal qual no ambiente institucional como um todo, muita reengenharia legal, administrativa e operacional precisa ser ajustada e amadurecida.
Em conclusão, o artigo repisa tema igualmente relevante: a importação de tecnologia, ainda bastante burocrática e onerosa. E este aspecto afeta sobremaneira as empresas nascentes e igualmente denigre o ambiente institucional para inovação.
A mesma autora pontua ainda que não há escassez de iniciativas e programas governamentais. Há, na verdade, uma verdadeira proliferação de entidades dedicadas à ciência, tecnologia e inovação, desde associações privadas a frentes de iniciativa do parlamento. Contudo, não há, ainda, uma efetiva coordenação entre as iniciativas, instituições e associações. Esforços bem intencionados, mas absolutamente dispersos. Entre estes entes, muitas vezes, há na verdade concorrência por recursos públicos e pouca colaboração de fato.
No artigo, por fim, são indicadas soluções que transbordam a legislação, e que gerariam um impacto muito mais positivo em termos de resultados para inovação e melhoria do ambiente institucional:
[...] (i) continuidade de uma política federal de inovação consistente de médio e longo prazos; (ii) sistemática avaliação dos resultados das políticas existentes; e (iii) melhor entrosamento da legislação que rege os estímulos à inovação, de um lado, e os estatutos que regem o funcionalismo público, de outro [...].
Interessante como o artigo dialoga com os breves dados extraídos dos relatório do Global Innovation Index para o Brasil. Em ambos, há o diagnóstico da complexidade do ambiente institucional para inovação no Brasil e, ao mesmo tempo, é possível se observar que há perspectiva e potencial de melhoria, mesmo não sendo tarefa trivial superar os pontos debatidos.
Portanto, mesmo desejando um resultado superior ao dos últimos anos para 2020, bem como esperando e trabalhando para que a Lei de Inovação se materialize cada vez mais em ações, reitera-se a necessária cautela em se analisar dados e indicadores, que sempre merecem detida reflexão.
Fontes e Nota:
- Dados extraídos dos Relatórios do Global Innovation Index disponíveis no site da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO), de 2009 a 2019.
- Artigo: Viegas, Juliana L. B., A Lei de Inovação Brasileira: Algumas Observações Críticas. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), número 159, mar/abr 2019.
- Observação: os gráficos foram elaborados pela autora a partir dos relatórios consultados.
Consultor | Professor | Pesquisador PhD Student | Engenheiro | MSc. propriedade intelectual e inovação | founder ffhub.tec.br
5 aDestaco do texto: "A mesma autora pontua ainda que não há escassez de iniciativas e programas governamentais. Há, na verdade, uma verdadeira proliferação de entidades dedicadas à ciência, tecnologia e inovação, desde associações privadas a frentes de iniciativa do parlamento. Contudo, não há, ainda, uma efetiva coordenação entre as iniciativas, instituições e associações. Esforços bem intencionados, mas absolutamente dispersos. Entre estes entes, muitas vezes, há na verdade concorrência por recursos públicos e pouca colaboração de fato."
Consultor | Professor | Pesquisador PhD Student | Engenheiro | MSc. propriedade intelectual e inovação | founder ffhub.tec.br
5 aGrato Sibelle
Experienced IP Leader
5 aExcelente artigo, parabéns! Se não investir na educação básica, nas políticas públicas de apoio a inovação e na desburocratização, vai ser difícil mudar de patamar.
Mentora de Desenvolvimento de Carreira. Especialista em Gestão de Pessoas e Mestra em Estratégias Organizacionais
5 aObrigada pela contribuição Sibelle, excelente artigo!
Pharmacist | Patent Specialist | Intellectual Property | Life Sciences | Industrial Designs | Plant Varieties | Innovation
5 aExcelente artigo, Sibelle!