Lei Maria da Penha: Como funciona? Quem está acolhido pela norma? A quem se aplicam as penas previstas?
A violência doméstica é um mal que aflige toda a sociedade desde os tempos mais remotos, se moldando desde os tempos do Brasil colônia. Naquela época o Brasil, em matéria de Direito Penal, era regido pelas Ordenações Filipinas, um código legal que se aplicava a Portugal e seus territórios ultramarinos. Com todas as letras, as Ordenações Filipinas asseguravam ao marido o direito de matar a mulher caso a apanhasse em adultério. Também podia matá-la por meramente suspeitar de traição — bastava um boato. Previa-se um único caso de punição. Sendo o marido traído um “peão” e o amante de sua mulher uma “pessoa de maior qualidade”, o assassino poderia ser condenado a três anos de desterro na África.
No Brasil República, as leis continuaram reproduzindo a ideia de que o homem era superior à mulher. O Código Civil de 1916 dava às mulheres casadas o status de “incapazes”. Elas só podiam assinar contratos ou trabalhar fora de casa se tivessem a autorização expressa do marido.
Com o tempo os direitos civis que já eram previstos para homens começaram a viger para as mulheres, porém as diferenças decorrentes do sexo, bem como as agressões praticadas contra as mulheres não mudaram. Podemos citar os casos de “Doca Street”, Eliza Samúdio, Luana Piovanni, o caso do Jogador Bernard (do Vasco) dentre outros que não ganham as manchetes jornalisticas.
Com o fim de defender os direitos das mulheres, até para coibir os agressores em 2006, foi publicada a Lei Maria da Penha (Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006). A lei estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, deve ser apurado através de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público. Esses crimes são julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher, criados a partir dessa legislação, ou, nas cidades em que ainda não existem, nas Varas Criminais.
Essa lei decorre do caso da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes onde em 29/05/83 na cidade de Fortaleza no Ceará, a farmacêutica foi vítima de tentativa de homicídio com um tiro de arma de fogo nas costas, sendo o autor do disparo seu então marido, Sr. Antônio Heredia Viveiros.
Duas semanas após retornar do hospital e ainda em recuperação, a vítima sofreu um novo atentado por parte do Sr. Heredia Viveiros, que desta vez tentou eletrocutá-la durante o banho.
Mesmo sem ter esgotado os recursos da jurisdição interna, o caso foi submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 20/8/1998. Os peticionários alegaram a tolerância à violência contra mulher no Brasil, uma vez que esse não adotou as medidas necessárias para processar e punir o agressor. O Estado Brasileiro não apresentou resposta à Comissão apesar das solicitações formuladas em 19/10/98, em 04/08/99 e em 07/08/2000.
Em 2001 a Comissão emitiu o relatório nº 54/2001 – responsabilizando o Brasil por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Entenderam que a violação seguia um padrão discriminatório em razão da violência doméstica contra mulheres no Brasil.
Com isso foram feitas diversas recomendações ao Estado brasileiro com relação aos direitos das mulheres, o que embasou a edição da lei.
A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social.
Em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá cumprimento à Convenção para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência contra a Mulher, a Convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil em 1994, e à Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), da Organização das Nações Unidas (ONU).
Para garantir a efetividade da Lei Maria da Penha, o CNJ trabalha para divulgar e difundir a legislação entre a população e facilitar o acesso à justiça à mulher que sofre com a violência. Para isso, realiza esta campanha contra a violência doméstica, que focam a importância da mudança cultural para a erradicação da violência contra as mulheres.
Entre outras iniciativas do Conselho Nacional de Justiça com a parceria de diferentes órgãos e entidades, destacam-se a criação do manual de rotinas e estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as Jornadas da Lei Maria da Penha e o Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid).
Principais inovações da Lei Maria da Penha
Como funciona a lei:
• Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher. A lei também se aplica aos idosos, crianças e adolescentes, por analogia.
• Estabelece as formas da violência doméstica contra a mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
• Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação sexual.
• Determina que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz.
• Ficam proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas).
• Retira dos juizados especiais criminais (Lei n. 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher.
• Altera o Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher.
• Altera a lei de execuções penais para permitir ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.
• Determina a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger as questões de família decorrentes da violência contra a mulher.
• Caso a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência, a pena será aumentada em um terço.
Como deve proceder a autoridade policial:
• A lei prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher.
• Permite prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência doméstica contra a mulher.
• À autoridade policial compete registrar o boletim de ocorrência e instaurar o inquérito policial (composto pelos depoimentos da vítima, do agressor, das testemunhas e de provas documentais e periciais), bem como remeter o inquérito policial ao Ministério Público.
• Pode requerer ao juiz, em quarenta e oito horas, que sejam concedidas diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência.
• Solicita ao juiz a decretação da prisão preventiva.
Como transcorre o processo judicial:
• O juiz poderá conceder, no prazo de quarenta e oito horas, medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima, dentre outras), dependendo da situação.
• O juiz do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher terá competência para apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família (pensão, separação, guarda de filhos etc.).
• O Ministério Público apresentará denúncia ao juiz e poderá propor penas de três meses a três anos de detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença final.
Dessa forma, concluímos que o histórico de agressões contra a mulher no Brasil não mudou muito, mas hoje existe um sistema único para combater esse tipo de atrocidade contra as mulheres.
Caso você esteja sofrendo alguma agressão, procure uma delegacia, registre um boletim de ocorrência e procure um advogado para acompanhar o inquérito policial e o processo judicial.
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