LEI A
A leitura é uma prática que ajuda a desenvolver várias capacidades no indivíduo. Através da leitura somos levados a imaginar um cenário, faces, vestimentas, gestos e tudo isso variando de pessoa para pessoa, pois somos diferentes, pensamos diferentes, agimos de formas diferentes.
Durante a leitura, nos deparamos com palavras não conhecidas do nosso vocabulário, o que nos instiga na busca do seu significado para dar uma contextualização e sentido do que estamos lendo. Ao passo que caminhamos para o saber de mais uma palavra, ampliamos, não apenas a nossa fluência verbal, mas todas as demais áreas afetadas por essa nova descoberta, como criatividade em compor frases que utilizarão esses mesmos elementos dando uma aparência especial à nossa própria criação literária.
Há, porém, que se ponderar a respeito da densidade daquilo que lemos. Nesse aspecto, uma avaliação dos conteúdos componentes do que se lê deverá ser feita antes, durante e depois de forma a se obter uma mostra do quão agigantada a pessoa ficou após tal leitura. Uma simples análise do que mudou de realmente construtivo em seu paladar literário. Quantos novos sabores foram acrescidos e quantas novas coisas ela se tornou capaz de produzir através da reprodução do aprendizado daquilo que se leu.
Eu mesma tenho alguns exemplos significativos e poderia citar a todos quantos lembrar, no entanto, me aterei àqueles que considero bem contundentes no momento que escrevo esse artigo.
Tenho analisado formas de expressão de algumas pessoas públicas e me questiono, pois gostaria de questionar a elas próprias, mas como não me é possível, devido ao meu total anonimato no mundo colorido dessas mesmas pessoas, me atenho a desenhar figurativamente um debate mental entre mim e tais ícones do mau uso da língua.
Uma certa jornalista, descrevendo uma narrativa proferiu a seguinte frase: “Aí cê vai dar uma olhada nos perfis de sempre...Essa ideia tá incutida em toda lá”. Eu acredito que para se tornar um jornalista a pessoa precisa dominar a arte do escrever e do falar. Eu, que não sou de humanas nem em minhas mais remotas tendências, sinto verdadeiros calafrios ao ouvir frases tão sem nexo, tão sem sentido, tão desprovidas de criatividade. Aqui eu deixo para vocês, leitores, o exercício da crítica dessa fala, pois eu já me sinto totalmente exausta em encontrar um erro a mais em cada análise que sou obrigada a fazer desse episódio. Apenas ressalto o constante uso do “tá” em vez de “está”. Nem lhes pedirei que traduzam a parte final da frase, não lhes causarei os mesmos arrepios que a mim me causaram.
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A pergunta que eu faço é quantos livros um jornalista é obrigada a ler durante a sua vida acadêmica, e mais, quais foram os livros que leram. Qual teria sido a densidade de conteúdo sólido dessas leituras? Qual a musculatura intelectual foi absorvida a partir da literatura a que alunos, como essa jornalista, foram expostos?
Eu, embora de origem pobre, estive, boa parte da minha adolescência, rodeada de professores que primavam pela escrita e fala. Precisei aprender a me comunicar de forma a ser entendida, coordenando bem as minhas palavras e dar um compasso entre as frases ditas por mim. Desde cedo fui colocada em contato com Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Antonio de Almeida, Cecília Meireles, Machado de Assis, dentre vários outros. Estudei poesias e passei a escrever algumas muitas, além disso, gostava de ler gêneros investigativos para adolescentes e livros de mitologia grega. Eu me divertia com o significado das palavras tupi-guarani em Iracema, eu chamava meu colégio de Casa Verde, pois, assim como a Casa Verde de Simão Bacamarte, o Costa e Silva tinha também as portas e janelas verdes à época. Eu criei um novo final para Lucíola, enfim, a minha imaginação e criatividade foram estimuladas desde sempre. Eu sempre estudei em escolas públicas.
Já na faculdade de engenharia resolvi pegar uma matéria optativa fora das exatas, Economia Internacional. Meu professor nos estimulava a escrever um artigo a partir de alguns artigos estudados em sala de aula para lhe entregar na aula seguinte. Dessa forma, toda semana eu tinha um artigo novo escrito e apresentado ao professor Carlos Silva. Certo dia, ele me perguntou qual era minha formação, respondi-lhe que estava no nono semestre de engenharia. Ele insistiu que eu tivesse alguma outra formação na área de humanas, eu então disse-lhe que aquela era a minha primeira graduação. Ele disse que era muito estranho, pois eu escrevia muito bem, sendo de exatas e usava certos termos não muito comuns para os jovens e mostrou-me algumas dessas palavras. Nesse momento disse-lhe que o uso dessas palavras me eram comuns, pois o livro que eu mais lia era a Bíblia e nela eu tinha uma riqueza literária muito grande, logo era natural que eu reproduzisse aquilo do que eu me alimentava.
Infere-se daí que, quanto mais próximos de leituras que trazem muito da riqueza do português estivermos, estaremos também incutindo e preservando o artigo 13 da Constituição:
“Art. 13. A língua portuguesa e a língua brasileira de sinais são os idiomas oficiais da República Federativa do Brasil.”
Finalizo ressaltando que o contato com coisas que engrandecem nos torna grandes. O contato com coisas que apequenam nos torna menores do que aquilo que nascemos para ser. Hoje se usa muito o termo “desconstruir”, que tal voltarmos a usar o construir? Vamos construir um melhor legado para os futuros jornalistas que saibam se expressar? Vamos construir mais meninos e meninas que saibam fluir a sua língua mater? Vamos construir! Chega de desconstruir! A experiência tem demonstrado que essa destruição do que é bom e belo não deu certo. Eu lhes proponho uma lei, LEI-A (LEI-TURA).