Lições de vida e governança de Abilio Diniz

Lições de vida e governança de Abilio Diniz

Em seu poema Ilusões da Vida, o poeta português Francisco Otaviano, diz:

“Quem passou pela vida em branca nuvem

E em plácido repouso adormeceu,

Quem não sentiu o frio da desgraça,

Quem passou pela vida e não sofreu,

Foi espectro de homem, e não homem,

Só passou pela vida, não viveu.”

Quero usá-lo aqui em homenagem ao empresário Abilio Diniz, que faleceu há um mês, aos 87 anos de idade. Porque Abilio não só “passou pela vida”. Ele deixou um imenso legado para sua família e foi uma inspiração para empresários, empreendedores e para aqueles que têm a mania de criticar o Brasil, mas não se dispõem a dedicar seu tempo e conhecimento a fim de ajudar o país a superar dificuldades e crescer. Seus ensinamentos nunca serão esquecidos.

Abilio foi um símbolo para os que defendem a importância da prevenção no campo da saúde. Para ele, a idade parecia não ser uma barreira. Aos 87 anos, continuava a aprender e a ensinar, sempre com entusiasmo de um jovem. Era um otimista convicto em relação ao Brasil e seu potencial, sempre repleto de argumentos que embasavam suas teses. Deu suporte ao governo a partir de sua participação no Conselho Monetário Nacional entre 1979 e 1989.

Ao longo da vida, superou inúmeras crises e sempre achou maneiras de se reinventar – como exemplos (i) o quase desaparecimento do grupo pão de açúcar em 1990, (ii) a saída “forçada” de sua própria empresa em 2013 e (iii) o sequestro que sofreu em 1989. A partir de uma doceria criada por seu pai, Abílio fundou a maior rede de supermercados do país à época e ainda por muitos anos subsequentes, o Pão de Açúcar. Nos últimos anos, além de gerenciar seu portfólio de negócios por meio da Península Participações, seu Family Office, integrava o Conselho de Administração do Carrefour Brasil e no Carrefour Global, empresa da qual detinha 7,3% do capital, lecionava empreendedorismo na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP, onde se graduou em 1956), tinha um programa sobre o mesmo tema na TV, cuidava de vários projetos na área social e, não menos importante, dedicava tempo e energia a sua família.

Tinha uma disposição e um “pique” extraordinários. Destaco a seguir alguns dos seus ensinamentos:

1- Família e negócios não combinam

Abilio defendia a tese de que era preciso separar decisões de família das de negócios, ideia hoje compartilhada por todos os estudiosos de empresas familiares. Nos conceitos que desenvolvemos na Cambridge Family Enterprise Group (CFEG) há mais de três décadas, sempre destacamos o fórum da família (Conselho de Família) com funções específicas, mas separado dos negócios e das decisões principais. Neste sentido Abilio também foi exemplar, participava ativamente não só do Conselho do negócio (Conselho de Administração), mas também atuava com muita dedicação no Conselho de Família. Neste último, se envolvia em todas as questões familiares que estavam visíveis e em seu alcance, se aprofundava e participava do desenvolvimento individual de cada familiar.

Quando mais novo, o empresário quase deixou o negócio da família por conflitos que surgiram com os seus irmãos, e retornou quando recebeu do pai a maior parte das ações, o que permitiu que consolidasse o controle da empresa. Porém, a união familiar naquele momento foi desestabilizada – ponto o qual também destacamos na CFEG como crucial na sustentabilidade das famílias empresárias. Esta experiência desafiadora de viver o conflito familiar, talvez tenha sido um grande impulsionador para Abilio fortalecer ainda mais a sua jornada e trajetória de união em sua família. Abilio fazia questão de ter a presença de todos os membros da família em encontros que promovia para unir a família e o negócio. Apoiava e incentivava o desenvolvimento profissional de cada um de seus sucessores, filhos e netos. Por outro lado, deixava claro para estes que a iniciativa, proatividade, esforço e dedicação deveria partir de cada um. Perpetuar o seu legado nos negócios e família não era uma opção ou escolha para Abilio, ele sabia que isso seria apenas um resultado, e buscava viver e aproveitar o momento presente.

2- Nas crises, não titubeie: aja com rapidez

Em sua carreira como empreendedor, enfrentou diversas crises. Quando retomou a direção dos negócios do antigo GPA , controlador da rede de supermercados, o negócio caminhava para a falência. Na época, adotou o lema “corte, concentre e simplifique”. Dezenas de diretores foram cortados. O número de funcionários caiu de 43 mil em 1990 para 17 mil em 1991. O número de lojas passou de 626 para 262. Em um período relativamente curto, recuperou a empresa. E em 1995 abriu o capital e foi também a primeira empresa brasileira ter suas ações listadas na Bolsa de Nova York.

3- Varejo requer inovação

O empresário nunca teve receio de inovar e correr riscos trazendo novidades que conhecia em suas viagens aos grandes centros de negócios. Entre 1960 e 1970, o Pão de Açúcar se destacou como o primeiro supermercado a ter loja em shopping centers, a ter uma farmácia dentro do estabelecimento e a funcionar 24 horas por dia. Em 1971, trouxe para o Brasil o conceito de hipermercado com a bandeira Jumbo, um empreendimento que copiava o modelo do Carrefour.

4- Pensar grande

Ele costumava dizer que procurou ser o melhor em todos os negócios que iniciou. Porque sendo o melhor, passar a ser o maior era uma consequência. Na década de 1970, consolidou a área de supermercados adquirindo várias redes, como Peg-Pag e Sirva-se. No final de 1970, o Grupo Pão de Açúcar era formado por 150 lojas e 15 mil funcionários.

Em 1999, Abílio vendeu 24,5% do capital do GPA para o grupo francês Casino, o que gerou a ele capital para continuar crescendo. Em 2005, o grupo francês aumentou a participação no GPA e firmou um contrato que previa a saída de Abilio do controle da empresa. O empresário, na época com 70 anos, se arrependeu e tentou fazer uma fusão do Carrefour, Casino e Pão de Açúcar. A tentativa falhou e foi interpretada como uma forma de Abilio não cumprir os acordos.

Mais tarde, em uma entrevista, ele comentou sobre essa disputa: “contratos com sócios a gente precisa ir na loucura dos detalhes para não se arrepender mais tarde”. Em 2013, ele se afastou do Grupo Pão de Açúcar, vindo depois a investir no Grupo Carrefour, onde fazia parte do Conselho Global.

Vencer obstáculos para ele era uma motivação adicional. Disciplinado, era também um aficionado dos esportes, que praticou ao longo de toda a vida. A ele, deixo aqui minha admiração por ter sido inspiração para tantos jovens e empreendedores e um brasileiro que tanto fez por este país.

Quero agradecer a contribuição de Luana Abrao , neta de Abilio que gentilmente se dispôs a ser entrevistada para falar do legado do seu avô e da sua preocupação com a união da família e governança.

João adorei o artigo. Parabéns!

Júlio Rocha

Gerente Geral no Grupo MSP

8 m

Belo artigo João. Obrigado por compartilhar conosco. Seus conceitos não se aplicam somente ao varejo, mas podemos usar em todos os setores pois o cerne do trabalho de Diniz era uma forte gestão.

Melissa Cuppari

Desenvolvimento Humano | Consultora | Coach | Psicóloga | Famílias Empresárias | Mentora de Carreira

9 m

Parabéns João Bosco Silva, belo artigo e bela homenagem mais do que merecida.

wladimir cassani

Sócio Titular W.CASSANI SOCIEDADE DE ADVOGADOS

9 m

Caro João Bosco!! Excelente artigo sobre esse Ícone Empresárial Brasileiro. Que tive a honra e o prazer de estarmos juntos nos anos 1966/1969!! E Pasmem !!! JOGANDO FUTEBOL(rsrsrsrs) Abilio era GOLEIRO do meu time no CLUBE dos ADVOGADOS o SANTOS FC!! ( Patrocínio da Família Mazza) e fomos CAMPEÕES !! E nosso GOLEIRO nos presenteou com uma RESENHA( 🥩🥩🍺🍺 ) inesquecível até hoje quase 60 Anos depois!! Realmente seu LEGADO inspira novas gerações 👏🏼👏🏼👏🏼

Claudia Travassos

Senior Advisor & Head of Family Social Impact at Cambridge Family Enterprise Group (CFEG)

9 m

Homenagem mais que merecida. Parabéns pelo excelente texto, João Bosco Silva.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos