Lições e inspirações do Caminho de Santiago
Minha aventura no Caminho de Santiago em 2010. As pedrinhas colocadas nos marcos garantiam um desejo, segundo tradições.

Lições e inspirações do Caminho de Santiago

Walking 'The Way' across Spain. Eu não sabia, mas estava para viver a aventura mais incrível da minha vida.

Em 2010 estava morando em Milão há 7 meses e o verão estava chegando. Era julho, as aulas de bolsista da USP na Itália tinham acabado e todos os meus amigos tinham voltado aos seus países. Decidi então que me enfiaria no meio do mato da Galícia, na Espanha, sem conexão com o mundo, para fazer uma longa caminhada até Santiago de Compostela.

E lá fui eu!

O Caminho de Santiago é uma rota de peregrinos desde o século IX e é considerado Patrimônio da Humanidade. Dizem que em Santiago de Compostela estão os restos mortais do apóstolo Santiago Maior. Os motivos para atravessar a Espanha a pé são vários e ultrapassam os religiosos, mas quase sempre acabam ligados a uma busca por autoconhecimento, superação e espiritualidade. Dentre várias rotas escolhi o Caminho Francês.

A concha é um símbolo do peregrino. Dizem que ao chegar em Santiago de Compostela, os peregrinos da Idade Média seguiam adiante até o "Fim do Mundo - Finisterre", onde encontravam a praia. Lá queimavam suas vestes e pertences em sinal de abandono da vida antiga e início de uma nova vida. Pegavam nas areias uma concha que levavam para seus familiares como sinal de que haviam feito o Caminho.

As histórias que vivi no Caminho são inúmeras e especiais. É sempre difícil não entrar no detalhe de cada uma e reviver todos os momentos incríveis, mas para esse artigo, o que gostaria de dividir são as lições incríveis que levo comigo marcadas no corpo e na alma.

A experiência marcou minha vida e me inspira até hoje. Divido com vocês as lições que aprendi caminhando infinitos quilômetros em meio à natureza, sem mapa e desconectada da civilização.



1) "Certas coisas você nunca sentirá que está pronto para começar, até dar o primeiro passo"

A caminhada se faz de um pé após o outro. Muitas vezes leio os relatos de pessoas que se preparam meses, algumas anos, antes de encarar o Caminho. Planejar e se preparar é necessário e sempre bom, mas muitas vezes acabamos nos auto-enganando achando que estamos sendo cuidadosos no planejamento demorado, quando o que estamos fazendo é arranjando desculpas pelo imenso medo que temos de encarar o desconhecido. Em um dos albergues que dormi no Caminho, ouvi de um peregrino canadense com quem fiz amizade: "A coragem não é a ausência de medo. Coragem é ir lá e fazer - mesmo com medo. Se você não sente medo, não é coragem - é inconsequência."


Quanto tempo você está perdendo porque sente que não está pronto para começar aquilo que quer fazer, mas que te tira da zona de conforto
- e por isso mesmo tem potencial maior de MUDAR a sua vida?


2) "Buen Camino!"

O que mais me marcou quando comecei a caminhar foi a interação entre os peregrinos do Caminho. Os motivos para se fazer o Caminho são variados, mas sempre estão ligados a uma urgência de redescobrir-se, de reconectar-se, de superar duros desafios e momentos de crise, de relembrar-se que a vida é muito mais do que nossas rotinas estressantes. No Caminho, todo peregrino tem consciência de que o outro está caminhando sua jornada por outros motivos, mas com a mesma vontade de curar algo dentro de si, enfrentando suas próprias dificuldades. No fim, todos nós somos muito parecidos!

Há um imenso carinho e cuidado em motivar uns aos outros no longo trajeto. Repetimos e ouvimos várias vezes ao dia: "Buen Camino!" acompanhados de um enorme sorriso e aceno de desconhecidos. Vários deles que ouvi - enquanto sentia fome ou dor nos pés - mudavam meu ânimo e me inspiravam a seguir em frente! E eu me vi repetindo, acenando e sorrindo para todos que encontrava enquanto caminhava. Eu sabia que algum deles poderia estar precisando ouvir, como várias vezes eu mesma precisei.

Quantas vezes ficamos insensíveis às dificuldades dos outros, olhando nosso próprio calo no pé enquanto as pessoas que fazem parte da mesma jornada chamada VIDA também estão enfrentando seus próprios desafios e dores? Experienciando a mesma vontade de superação que nós também temos? Por que não podemos ser como os peregrinos do Caminho no nosso dia-a-dia? Por que não cultivamos diariamente o hábito de nos motivarmos uns aos outros?

Quantas oportunidades de motivar os outros você desperdiçou hoje? Quantas outras você perdeu de reparar nos sinais de motivação que alguém cuidou em te desejar hoje?


3) "A simplicidade e a importância das trocas"

É muito comum que os peregrinos andem com objetos que signifiquem algo que os fez percorrer o Caminho e que eles dão aos outros peregrinos que sentiram alguma conexão especial, contando o significado do objeto. Quando saí do Brasil para a Itália eu não planejava fazer o Caminho, mas eu tinha levado várias fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim que ganhei da minha mãe - amarrei todas na mala de viagem para identificar no desembarque na Itália qual seria a minha bagagem em meio ao caos do aeroporto. Coincidentemente eu tinha levado as fitinhas na mochila para o Caminho. Uma forma de lembrar da minha mãe durante o trajeto. Ao receber um bottom da bandeira do Canadá de um dos caminhantes, retribuí com uma fitinha bem brasileira contando a história dela e seu significado para mim naquela viagem.

Quando criança minha mãe sempre amarrou uma fitinha no meu pulso dizendo para eu fazer um pedido de um sonho que quisesse muito. Ela dizia que o sonho se realizaria quando a fitinha arrebentasse - era um sinal no pulso para que eu sempre me lembrasse do meu objetivo a longo prazo, e um sinal para que eu aprendesse a ter paciência e persistência para alcançá-lo. O peregrino canadense pediu minha ajuda e amarrou a fitinha no pulso depois de ouvir minha explicação. "O Caminho é como essa fitinha" ele disse, "nos ensina a ter paciência e persistência".

Eu coloquei o bottom dele na minha mochila, que já tinha virado um passaporte do Caminho: cheio de penduricalhos que fui trocando. Não eram penduricalhos! Cada um deles significava uma história que alguém me contou presenteando. Eram a materialização das trocas humanas e emocionais, das conexões que eu ia estabelecendo enquanto caminhávamos na mesma direção: o mergulho interno de cada um em si mesmo.

As trocas humanas nos enriquecem e nos preenchem. Somos seres sociais. Adoramos ouvir histórias e contar as nossas. Essas trocas verdadeiras dão significado e propósito ao nosso Caminho e nos motivam a seguir em frente, a sentir que temos pessoas torcendo pela nossa história e pessoas para quem nós torcemos para que vivam um final feliz. Com as verdadeiras trocas, nos sentimos conectados uns aos outros em nível profundo.

Você fez alguma troca significativa com alguém hoje?


4) "Cuidar para que sua mochila seja sempre leve"

A história mais engraçada foi quando cheguei com meu amigo no aeroporto de Santiago de Compostela e vi um casal: a moça mais jovem com uma mochila compacta como a nossa; o homem com uma mala enorme de rodinhas. Brinquei comentando: "Só falta ele estar pensando em fazer o Caminho arrastando essa mala gigantesca!"

"Claro que não!" - meu amigo tirou sarro da minha observação absurda.

Quando iniciamos o caminho dias depois - coincidência ou não do destino - encontramos o mesmo casal do aeroporto que estava começando do mesmo ponto que a gente. E sim, o homem estava arrastando a mala gigante de rodinhas pelo acidentado Caminho! E teve que ir com essa mala até o final.

Ele levava estoque de comida e inúmeras coisas pensando e prevendo todo e qualquer tipo de emergência que poderia vir a ocorrer. E nenhuma ocorreu!

Durante as partes mais difíceis do Caminho ele sofria carregando a imensa mala de viagem nos terrenos mais acidentados, que também eram os trechos que tinham as paisagens mais lindas.


Jamais esqueci essa lição: é preciso manter nossa mochila leve! Quantas coisas acumulamos por medo. Quantas mágoas guardamos em nossa mochila pela vida com a justificativa de que "precisamos lembrar para não passar nunca mais por uma situação ruim como essa de novo"... carregamos aquela mágoa pesada por medo de viver aquilo novamente e perdemos as melhores visões, as melhores experiências do caminho da vida, pensando em uma tragédia que pode nunca acontecer...

Cuide para sempre manter a sua mochila leve e com o ESSENCIAL!


5) "Caminhe deixando um legado para os que virão depois de você"

Hábito de liderança na veia! O Caminho é feito de marcações oficiais com a concha amarela do peregrino indicando a direção certa. Porém em alguns trechos ficamos na dúvida. Eu mesma, na escuridão das 5 da madrugada em mata fechada, me desviei da rota francesa e fui parar na rota primitiva (sem estrutura, sem estrada, em mata fechada, porém com as paisagens mais lindas que percorri durante todo o Caminho).

Como há trechos em que a dúvida aparece, os peregrinos deixam sinais para os que vierem depois. Para que saibam a direção certa. Eu fiz o Caminho sem mapa, então reparava muito mais nos sinais deixados por peregrinos que passaram por ali muito antes de mim. As pedras não eram somente pedras. Cada flecha amarela pintada de forma artesanal era como uma herança que eu recebia. E a cada sinal deixado por um desconhecido para mim, eu sentia GRATIDÃO. E mais importante ainda: sentia vontade de retribuir para os que viriam depois de mim. Essa corrente de gratidão - compromisso - retribuição é muito poderosa!

Quantos sinais você criou para deixar mais fácil o caminho dos que virão depois de você? Não apenas para seus filhos... mas para o mundo e para as pessoas que caminharão com eles por aquela mesma estrada que um dia você trilhou?



6) "Preste atenção aos sinais do Caminho"

Além dos sinais de direção pintados e sinalizados com pedras por outros peregrinos, o Caminho é cheio de sinais. Os caminhantes deixam várias pedrinhas em cima dos marcos oficiais de direção. Deixei a minha. Segundo a tradição, cada pedrinha colocada em cada marco do extenso Caminho garante ao seu coração um desejo. Eu não sabia disso. Para mim, as pedrinhas significavam um sinal de que outros peregrinos passaram por lá antes e talvez já estivessem em Santiago de Compostela enquanto eu passava por aquele ponto - eram um sinal de que era possível trilhar aqueles caminhos. Que era possível seguir. Que outros antes de mim conseguiram. Signifiquei as pedrinhas como esperança e inspiração.

Você presta atenção aos sinais que surgem na sua vida, no seu Caminho? Quais significados você dá para esses sinais? Você escuta realmente o que sua intuição e o seu coração dizem?


A mente é uma grande e maravilhosa ferramenta: potencializada com o coração e a intuição então, ela fica imbatível! Razão e emoção não precisam ser opostos excludentes. Devem estar integrados. Integre-se!




7) "Vivi na pele e entendi que o que importa é a jornada e não o destino"

Sabe aquela frase clichê? Então! Caminhando cheguei à mesma conclusão.

Durante dias, com dores no corpo, caminhando com o nascer do sol e continuando depois dele se pôr, eu sonhava em como seria chegar a Santiago de Compostela. Ver na minha frente a linda catedral. Sentir a sensação de "finalmente cheguei!"

Quando eu estava lá, com a catedral na minha frente, percebi que tanto eu quanto os amigos peregrinos que fiz, estávamos muito mais conectados com as experiências vividas durante o Caminho do que com o fato de estarmos finalmente lá.

Lembrei de todas as conversas nas hospedagens, das pessoas que conheci, das vezes que me emocionei, das dores no corpo, do cansaço, das risadas, dos perrengues... da jornada!

Não se esqueça disso na sua vida! No final o que importa são as experiências que você aproveitou durante os dias e os afetos e relações que criou com as pessoas que cruzaram seu caminho!

O Caminho de Santiago é a metáfora da vida. Não se arrependa de ter ficado sisudo, reclamão e focado apenas no destino da jornada. Quando você chegar lá, vai querer conversar e celebrar com as pessoas todos os causos da jornada. Certifique-se de que elas estarão ainda ao seu lado, gargalhando e relembrando as boas histórias!

Juro: é só isso que importa!



Somos todos caminhantes

Fiz o Caminho em um ano muito especial - 2010 - o último Año Santo Jacobeo. O próximo será só em 2021, quando pretendo voltar. Dizem que quando você percorre o Caminho de Santiago no ano do jubileu, todos os pecados de sua vida até então estão perdoados. Coincidência o ano de meu intercâmbio ter sido exatamente o Ano Santo, mesmo sem eu ter planejado anteriormente percorrer o Caminho? Talvez.

Mais do que perdão, o que o Caminho me deu foi uma vivência incrível, uma experiência que até hoje me rende insights, me ensina algo que naquele exato momento do caminhar eu não tinha absorvido.


Relembrando, o Caminho me ensinou que:

1) Toda incrível jornada tem que partir de um primeiro passo;

2) Todos nós estamos caminhando na direção da nossa própria evolução e enfrentamos dificuldades e medos. Somos tão parecidos! Com essa consciência, sermos gentis uns com os outros nos torna melhores, mais motivados e mais felizes durante nosso caminho;

3) Busque todo dia trocar algo de significativo. Participe da história de alguém e faça o outro participar de uma parte da sua história. Significados e propósitos compartilhados se engrandecem!

4) Não carregue sentimentos e mágoas desnecessárias com você na sua mochila. Só tornará a caminhada mais pesada e te fará perder as melhores paisagens da viagem! Foque no ESSENCIAL!

5) Deixe sua contribuição para os que virão depois de você! Mostre caminhos e direções! O propósito de tornar o mundo um lugar melhor tem força. Nomeie essa missão - que deve ser apaixonante para você - e faça a diferença!

6) Preste atenção ao legado de quem veio antes. Não precisamos reinventar a roda. Precisamos continuar o imenso projeto de quem veio antes de nós e seguirmos melhorando, evoluindo, tornando o caminho da vida um trajeto muito mais bonito e significativo! Preste atenção aos sinais!

7) Curta a jornada! Quando você estiver finalmente "lá", tudo o que vai fazer sentido (muito mais do que contemplar o que conquistou) é reviver e relembrar o caminho com as pessoas que compartilharam contigo cada passo até ali.



Só posso desejar a todos vocês:

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Daniela Taminato é Relações Públicas pela USP com MBA em Gestão de Empresas pela FGV. Atua especificamente na equipe de Startups & Inovação de TozziniFreire. Também é responsável pelo marketing jurídico internacional, publicações, premiações e rankings específicos, desenvolvendo estratégias de submissão e produção de conteúdos voltados ao público internacional. Daniela é palestrante, Presidente de Mesa em eventos do setor e moderadora de debates. Apaixonada em compartilhar ideias, conectar gente interessante, é super entusiasta do ecossistema brasileiro de startups. daniyk@gmail.com


Também é verdade: uma inquieta impulsionadora de novos projetos e adepta fervorosa da meditação. Ex-professora de dança de salão. Peregrina do Caminho de Santiago. Nas horas vagas gosta de tocar seu violão no cantinho do quarto enquanto canta para Pancho, seu cachorro que sempre curte um som :)

Ana Distefano

Gestão de Vendas | Relacionamento com Cliente | Desenvolvimento de Negócios Tecnologia & Conectividade

6 a

Obrigada por compartilhar ... veio no tempo certo

Renato Grau

Transformação Digital, Tecnologia, Inovação e Futurismo || Consultor | Palestrante | Escritor | Professor | Podcaster | Linkedin Creator

7 a

Sensacional seu relato Daniela Yoko Taminato! Parabéns! Viajei junto!

Gustavo Alves Felici

Fomentador Cultura Inovação e Empreendedorismo | Facilitador de oportunidades | Conecto pessoas e negócios

7 a

O artigo trouxe-me boas reflexões, em Julho fiz o Caminho da Fé, próximo objetivo será o de Compostela. Gratidão por despertar-me sentimentos de crença em minha pessoa. Conte comigo no que necessitar. Que o Caminho não sai de nós!

Dani, Impressionante, impossível não ficar emocionado com esta partilha, talvez algo que sabemos, mas precisamos de pessoas inspiradoras para nós relembrar e despertar uma série de bons sentimentos. Muito obrigado pela partilha.

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