Liberdade, condicional
Hoje foi dia das conversas profundas, de tentar traduzir em palavras a grande confusão mental e emocional que nos encontramos. Incertezas, cansaço, medo e a ansiedade disputam espaço com a fé, esperança e idealismo por um mundo melhor depois desta crise. A batalha tem sido diária, oras combatemos isolados e em outros momentos surgem pessoas (de perto e de longe) e nos permitimos lutar juntas, mas depois, cá estamos sozinhos novamente.
Cremos na ilusão de que o sofrimento de agora deriva de um vírus, mas não, ele apenas escancarou as feridas escondidas, as relações mal tratadas, as decisões proteladas, frustrações maquiadas, as deficiências humanas, sociais e as prisões psíquicas que vivemos.
Revela a verdade que não havia liberdade real, e sim, condicional. Um mundo imaginário, sob a promessa de felicidade barganhada pelo controle dos nossos pensamentos e ações, impossível de ser entregue, parcelamos a frustração em doses diárias de satisfações terrenas. Um carro, depois outro carro, um celular, depois outro celular, uma casa, depois outra casa, e quando damos conta, uma viagem e depois outra, a vida torna-se faseada por boletos e por novos processos de recompensa.
Carentes, frustrados e cada vez mais dependentes, corremos atrás como loucos de quem tem algo a mais para dar, tentamos cobrir o buraco, mas agora, temos um cérebro condicionado por um ciclo de recompensa infame, nos tornamos viciados convencidos por “só mais uma vez e depois eu mudo”. Porém o sistema percebe a nossa manobra para colocar fim à liberdade condicional, e lança mais uma estratégia: a pandemia é o grande alerta da humanidade, a vida precisava mudar, que bom que agora percebemos, faremos planos para nunca mais cair na mesma falácia.
E dia a após dia, encaramos a impotência real. Não há filmes, livros, tarefas, comida, bebida, compromissos, pessoas, lives e nem dinheiro suficientes para mascarar a angústia. A fonte que até então alimentava todo sistema de recompensa da humanidade ruiu bem a nossa frente.
Os sintomas da ansiedade, depressão, cansaço e confusões internas que estamos enfrentando agora fazem parte da síndrome da abstinência, descobrimos que a liberdade era condicional, e se tentarmos controlar isso, pular este processo, estaremos condenados.
Dói, quem falar para você que não dói, está mentindo, teremos horas mais tranquilas, mas em outras, parecerá que um leão está quebrando nossos ossos. Não falo como uma pessoa que já terminou a abstinência, sim, como uma pessoa que descobriu que uma puxará a outra e que sobrevivemos a todas elas. Outra descoberta neste caos, é que podemos ajudar outra pessoa a atravessar esta crise enquanto nos curamos na nossa.
Estou aqui, fique bem, fique com Deus!
Fernanda Leite