No limite da decisão
Documentário traz embate sobre a vida e a morte de pacientes terminais
*Resenha originalmente publicada na edição de Maio/18 da Revista FEHOESP360
Você seria capaz de decidir pela vida ou morte de um familiar em estágio terminal? O que você levaria em consideração?
A discussão entre ortotanásia (morte pelo processo natural) e distanásia (prolongamento artificial do processo da morte) na área da saúde é longa e polêmica.
Na discussão, defensores de ambos os lados, suas teses plausíveis e familiares que devem pensar em todos os cenários possíveis antes de definir o destino de um paciente.
Este assunto foi amplamente debatido também pela FEHOESP no ano passado. Além de reuniões e eventos sobre o tema, em setembro e outubro de 2017, a Federação promoveu uma pesquisa sobre morte digna. Realizado por meio da plataforma digital Fehoesp360 e aberta ao público, o estudo ouviu 716 pessoas a respeito do testamento vital – documento em que qualquer pessoa pode deixar, por escrito, quais alternativas terapêuticas são aceitas durante o tratamento no caso de uma doença incurável.
Para 96,4% dos participantes a vontade manifestada no testamento vital deve prevalecer sobre a vontade dos familiares e para 86,1% sobre a vontade dos médicos.
Um olhar crítico sobre este cenário é a proposta pelo documentário Extremis, dirigido por Dan Krauss e disponível pela Netflix, que conta de forma direta um pouco da rotina de pessoas envolvidas num dilema recorrente nas UTIs: prolongar uma vida que só se mantém com a ajuda de aparelhos, ou desligar as máquinas e permitir que esse paciente tenha um fim natural e digno.
Protagonista do curta-metragem e autora do livro “Medidas extremas: encontrando um caminho melhor para o fim da vida”, que deu origem ao documentário, a médica especialista em cuidados paliativos Jessica Nutik Zitter, que curiosamente não tem seu nome citado ao longo do filme, apresenta sua luta para manter seus pacientes confortáveis e ao mesmo tempo negociar, quando possível, as melhores opções de tratamento junto aos enfermos e seus entes.
Ao longo da história, capaz de prender o telespectador em um misto de ansiedade e empatia, conta-se os casos de duas mulheres na UTI do Oakland’s Highland Hospital, em Nova Iorque, já desenganadas pela equipe médica. Suas condições de sobrevivência passam pelo dilema entre uma vida ligada a um respirador artificial ou a decisão de deixar o curso do tratamento levá-las à morte, que pode ser breve.
Donna é uma paciente com distrofia muscular e Selena chegou ao hospital após uma parada cardíaca prolongada. Ambas não têm possibilidades terapêuticas e necessitam de traqueostomia para continuar a viver, ainda que artificialmente. Aparecem ainda outros casos breves, porém o foco se mantém nas duas personagens e nas conversas entre Zitter e seus familiares.
“Na faculdade de medicina, ninguém te ensina como deixar o paciente morrer”, conta a médica antes de sentar em uma sala com os parentes de Donna e Selena. Sua rotina revela a deficiência na formação médica quando o assunto é cuidados paliativos.
Ela se mostra incisiva a todo tempo e tenta passar a voz da ciência e da razão no momento em que os familiares mais estão à flor da pele. Enquanto isso, mesmo ouvindo os pareceres da medicina, alguns entes duvidam dos métodos terapêuticos, insistindo que tudo pode ser feito para salvar a vida daqueles que amam. Já outros acreditam que Deus pode realizar um milagre e apelam para a fé e religiosidade.
Um diálogo entre as plantonistas mostra como intervenções desnecessárias trazem sofrimento tanto para o paciente quanto para o profissional de medicina, que pode se culpar por suas escolhas, caso não sejam cientificamente embasadas.
O que chama a atenção na produção é que ela não tem um começo ou introdução sobre o que será tratado. O espectador é lançado diretamente para uma UTI vista de perto por alguém que parece apenas estar com uma câmera na mão e com disposição de mostrar algo que muitas vezes é apresentado nas filmagens como um ambiente silencioso e pacificador.
Não há medidas de tempo e sequer sabemos quais procedimentos foram realizados antes da doutora Zitter chegar à conclusão de que a morte digna é o melhor caminho para seus pacientes. O medo, o desespero e a culpa são sentimentos que invadem, quase que automaticamente, o coração e a mente de quem está assistindo.
O documentário tem 24 minutos, mas parece uma eternidade quando se trata da definição do futuro de um ser humano. Todas as reações, sentimentos e situações são reais. É possível acompanhar e viver todo o sofrimento, a angústia no olhar de cada paciente e de cada familiar, transpassando da tela para o espectador e a sensação de impotência diante da falta de controle.
Extremis é um filme reflexivo. Torna-se impossível não parar por alguns minutos, após o fim do curta, para pensar sobre o modo pelo qual se leva a vida. Para pessoas sensíveis, assistir ao documentário pode ser um rebuliço de emoções, mas que leva a um pensamento profundo sobre atitudes, reações e sentimentos que permeiam cada interior.
A produção original da Netflix foi indicada ao Oscar na categoria de melhor documentário de curta-metragem em 2017, levando o diretor Dan Krauss a sua segunda indicação. No entanto, o vencedor foi Capacetes Brancos, outra produção original da plataforma de streaming de vídeo. (por Rebeca Salgado)
Extremis
Documentário: Curta-metragem
Duração: 24 minutos
Direção: Dan Krauss
Classificação indicativa: 12 anos
Netflix: 2016