Luto na carreira

Luto na carreira

Tão importante quanto começar uma carreira é saber lidar com as perdas que acontecerão ao longo da jornada profissional. Abrir e fechar ciclos é uma condição natural da vida, e o luto na carreira, em algum momento, será inevitavelmente vivenciado por todos nós. Toda perda de emprego, mudança drástica na função e modificações adversas na equipe e na empresa podem ser consideradas formas de luto na carreira.

Segundo Maria Luiza Dias (2023), o luto, na literatura psicológica e psicanalítica, é concebido como um processo natural e universal diante de uma perda significativa, por exemplo: morte, divórcio, desemprego, perda de poder aquisitivo, despedida de uma fase da etapa evolutiva da família (como acontece quando os filhos saem de casa), dentre inúmeras outras possibilidades.

Quando ocorre uma perda na carreira, o que está em jogo é a interrupção do contato e da dinâmica com uma pessoa, empresa ou função, provocando um conjunto de reações que caracterizam o luto. O luto na carreira é uma experiência emocional intensa, que pode impactar profundamente a saúde mental de uma pessoa.

De acordo com o psicólogo John Bowlby, quanto maior o apego ao objeto perdido, maior será o sofrimento do luto. Se a pessoa não conseguir expressar adequadamente seus sentimentos e emoções, o sofrimento psíquico poderá persistir ao longo de sua carreira profissional, afetando suas decisões, produtividade e relações diárias com os outros.

Elaborando o luto

O ambiente corporativo, pautado por uma excessiva competitividade e incessante busca de resultados, não oferece um espaço propício e nem estimula a expressão de sentimentos. Manifestar aflições, angústias e dores psicológicas são consideradas fraquezas e fragilidades, de modo que devem ser evitadas a todo custo no dia a dia corporativo.

Não existe uma única forma de passar pelo luto, e nem um tempo pré-determinado de “término”. Estamos num mundo de diferentes e com situações totalmente adversas. Cada caso é um caso. Tudo deve ser analisado com cuidado e acolhimento.

Embora o tema não siga uma ordem rígida de fases, a psicologia e os autores organizacionais que se dedicam ao tema entendem que existe um padrão ao vivenciar o luto. Dessa maneira, segue abaixo o que Jim Davis elaborou a respeito: 

1. Negação: A pessoa resiste em acreditar que foi desligada da empresa.

2. Raiva: Após passar o susto do desligamento e se dar conta que realmente perdeu o emprego, poderá emergir um sentimento de raiva.

3. Barganha: Nessa fase, passa a fazer roteiros mentais para que, até as forças superiores, intervenham de alguma maneira na empresa.

4. Depressão: A pessoa toma consciência que perdeu o emprego.

5. Aceitação: A pessoa reconhece que o último emprego já não é uma realidade, e percebe que só depende dela para continuar tentando e explorando novos caminhos.


Superando o luto

Um desligamento não significa que tudo acabou e que o mundo está perdido. Como bem escreveu Mitch Albom: “Todos os fins são também começos; apenas não sabemos disso na hora”. Uma demissão, que inicialmente pode parecer o fim da linha, na verdade, pode se revelar como um ponto de virada na sua carreira. Basta aceitar e se colocar à disposição para novas oportunidades que, naturalmente, surgirão.

Nas empresas, poucos são os espaços e estímulos para a expressão das angústias e dores. Sem essa escuta e acolhimento, o mal-estar persiste, impactando negativamente a saúde mental e física, tanto dos colaboradores quanto da organização.

A escuta ativa e acolhedora, seja de um líder, terapeuta ou mentor, pode ser uma alternativa viável para aliviar as dores ocupacionais e aflições existenciais, permitindo que o colaborador abra espaço para criatividade, espontaneidade e produtividade. Da mesma forma, para evitar o sofrimento psíquico (Burnout e outros transtornos), é fundamental que a empresa invista em uma comunicação clara e objetiva e considere as necessidades dos seus colaboradores.

Dicas práticas para lidar com o luto na carreira

1. Terapia

A terapia é fortemente recomendada ao enlutado. Diversas pesquisas e estudos oferecem provas robustas de que a terapia pode auxiliar e tornar a fase do luto menos dolorosa.     

2. Permita-se sentir

Após um desligamento, perda significativa dentro da carreira ou até mesmo uma transição de carreira, é importante que as emoções sejam manifestadas de alguma forma. Olhar de frente para as emoções e os sentimentos é um grande passo para seguir em frente com mais confiança e saúde mental.

O psicólogo Carl Rogers ilumina o assunto com a seguinte frase: “Se nos permitimos ficar mais à vontade com nossas emoções, inclusive com as que consideramos negativas, a corrente de sentimentos positivos flui com mais vigor; é como se, ao permitir sentir dor, o indivíduo abrisse espaço para uma experiência mais intensa de alegria”.

Como dar vazão às emoções?

  • Chorar:

Chorar ajuda a aliviar a pressão interna. Não resista. Permita-se sentir. Coloque para fora o que está incomodando. Liberte-se. Chorar não é sinal de fraqueza. Chorar é um sinal de autocuidado, de quem está expressando aquilo que está sentindo naquele exato momento.

A psicóloga Susan David afirma que “... um dos grandes paradoxos da experiência humana é que não podemos mudar a nós mesmos ou as nossas circunstâncias enquanto não aceitarmos aquilo que existe neste exato momento. A aceitação é um pré-requisito para a mudança”.

Quando paramos de resistir, abrimos espaço para atividades construtivas e gratificantes.

  • Diário ou escrita terapêutica:

A ação física de escrever reorganiza o cérebro, isto é, funciona como um grande catalisador para as mudanças positivas no cérebro.

Na escrita terapêutica, abrimos uma janela de reflexão sobre sentimentos, emoções, crenças… Ao escrever o que está represado e rodando em círculos dentro da gente, com o tempo tornam-se mais claros e conscientes, e então podemos nos sentir e se comportar melhor.

Richard Ragnarson sugere o seguinte: “Quando sentamos para escrever, dedicamos um tempo muito especial para nós mesmos, abrimos uma janela de reflexão sobre a nossa própria vida. Quando colocamos sentimentos e pensamentos no papel, eles deixam de ser absolutos, de modo que nos sentimos menos sobrecarregados”.

No livro “Agilidade Emocional”, de Susan David, há um capítulo dedicado aos benefícios da escrita terapêutica. A própria autora usou este recurso na adolescência para superar a morte do pai. Mas é de James Pennebaker, um professor da Universidade do Texas, que vem as pesquisas e estudos mais sérios sobre o assunto. David escreveu:

“Em cada estudo, Pennebaker constatou que as pessoas que escreviam a respeito de episódios emocionalmente carregados vivenciavam uma acentuada melhora no seu bem-estar físico e emocional. Elas ficavam mais felizes, menos deprimidas e menos ansiosas. Nos meses que se seguiam às sessões de escrita, elas registravam redução na pressão arterial e melhora na imunidade e iam menos vezes ao médico.” (DAVID, 2018, P. 102).


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  • Como fazer/escrever?

1. Separe um caderno, diário ou agenda.

2. Escolha um lugar tranquilo e acolhedor. De preferência, que você esteja sozinho.

3. Escreva sem filtro ou receio. Dê liberdade para sua mente. Deixe-a comandar a sua mão. Escreva o que tiver vontade na hora — experiências da infância, da adolescência ou atuais. Não se preocupe com coerência, gramática, pontuação etc. Escreva até achar que, durante o tempo dedicado (5, 10, 30 minutos ou mais), o processo se esgotou.

4. Preciso escrever todos os dias? Não. Mas, no início é interessante ter frequência.

5. Você não precisa mostrar para ninguém, a não ser que você queira. Portanto, faça com coragem e vontade. Não hesite. Coloque tudo o que está dentro de você para fora. Assim que você acabar de escrever, faça uma revisão do material. Procure os atos falhos, contradições e tente entender a sua forma de pensar. Revisar é uma boa maneira de promover insights.

6. Escreva até acabar o caderno/diário/agenda, ou pelo tempo que achar necessário. Concluído o trabalho, descarte o manuscrito da forma que você quiser: rasgue as folhas, queime o caderno e assim por diante. Ou ainda, se julgar que fez um ótimo trabalho, revise e divulgue o material nas redes sociais ou envie para uma editora.

7. Dica valiosa: Cada um tem um jeito de ser e de fazer as coisas. Sinta como é o seu processo. O que é que funciona melhor para você? Encontre o seu método durante o seu processo. Descubra-se. Ouça a voz que está dentro de você e mantenha-se firme preenchendo o caderno da forma que você se sente bem.

3. Conversar

Quando Sigmund Freud decodificou a “cura pela fala”, ele ofereceu também outros significados para os nossos relacionamentos diários. De alguma maneira, conversar ou desabafar com uma pessoa de confiança é também uma poderosa prática de aliviar a pressão interna.

4. Atividade física

É importante ressaltar que a atividade física não é um substituto da terapia. Na verdade, ela atua como um escudo protetor, ajudando a manter equilibrada a saúde física, emocional e mental. Já conhecemos seus benefícios, mas sempre é bom relembrar: reduz o estresse, os sintomas de ansiedade e depressão, e diminui a mortalidade por doenças crônicas, como pressão alta e diabetes. Além disso, melhora a qualidade do sono, aprendizagem, força e flexibilidade; além de proporcionar socialização e convivência.

Escolha a atividade física ou o esporte que você sinta prazer. Lembre-se de que deve ser um momento prazeroso, e não uma obrigação. Faça com constância.


É preciso olhar para a carreira como um todo. Resultados sustentáveis aparecem através do equilíbrio entre o ambiente externo e interno. Como diria Jim Rohn: "Trabalhe mais em você mesmo do que no trabalho". E, lembre-se: “Todos os fins são também começos, apenas não sabemos disso na hora”. 



 

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