A “mãenana” e o mundo do desperdício
Nide é uma amiga recente. Formada em Serviço Social, ela achou seu próprio jeito de ajudar as pessoas. Em uma pequena propriedade na região metropolitana de São Paulo ela planta. Planta verduras, frutas e temperos já conhecidos e se dedica fortemente ao cultivo de Pancs. Para quem não conhece, Panc é a sigla de plantas comestíveis não convencionais, ou seja, uma série de possibilidades de alimentos que estão ao nosso redor e olhamos apenas como plantas decorativas ou até como mato que precisa ser arrancado. Das pessoas com quem me relaciono, Nide é a que mais conhece sobre as Pancs. Caminhar com ela na rua é quase uma excursão gastronômica, pois em cada jardim ou até brotando no meio da calçada ela aponta algo comestível. Sua missão é levar esse conhecimento – e as plantas, pois fornece para diversos coletivos (cozinhas comunitárias) – até movimentos sociais, escolas, restaurantes, hospitais, enfim, para onde alimento for pauta, não importa o local nem a classe social.
Ela conhece o nome de todas as plantas, mas se recusa a chamar banana de banana. Colocou seu próprio nome na possivelmente fruta mais popular do Brasil. Banana para ela é “mãenana”, sim uma mistura de mãe com banana. No começo eu achei estranho, até que ela apresentou, com muita paciência, parte a parte de uma bananeira e com isso justificou o nome. Justificou o nome e abriu um “buraco” na minha cabeça.
Não, eu não vou dar aula de botânica aqui, mas vale um pequeno tour pela bananeira. A começar pelas folhas fibrosas das quais podemos fazer cordas, tecidos e até embalar alimentos (quem nunca comeu uma pamonha cozida dentro da folha de bananeira?). Descendo para o cacho, além da fruta que é de conhecimento geral, o próprio suporte do cacho, aquela parte de onde puxamos as bananas, pode ser considerado uma espécie de palmito. Sim aquilo que jogamos fora quando compramos aqueles enormes cachos na beira da estrada. A casca da banana também pode ser aproveitada. Desfiada se torna uma “carne vegetal. Cozida com açúcar e depois triturada, a casca de banana vira um creme doce para colocar no pão ou como cobertura no sorvete.
O que pouca gente conhece, é o que a Nide chama de “coração da banana”, pois ele é cortado e jogado fora até mesmo por quem vende os cachos inteiros na beira da estrada. De cor roxa – como aparece na foto - ele é semelhante uma alcachofra enorme com as folhas fechadas. E, entre cada uma dessas folhas, há flores muito bem guardadas. Flores essas que podem ser tornar novas bananas com o passar do tempo ou podem ser ingeridas, assim como as folhas que as protegem. As folhas roxas se transformam em conserva ou base de outros pratos, bem como as flores que também podem ter o mesmo destino.
E por que motivo eu trago essa história aqui? Para repensarmos que caminho estamos tomando, tanto no nosso microuniverso quanto nas decisões macro de regiões ou até países. Quando embarcamos sem refletir ou questionar em argumentos que dizem que se não houver desmatamento ou constantes incentivos químicos na nossa alimentação o mundo vai passar fome. Será mesmo? Será que o caminho é continuar passando o trator em tudo com produções de monocultura até perder de vista ou precisamos olhar para mais perto de nós? Para o nosso jardim, para o suposto “mato que cresce na rua”.
O quanto somos ávidos e pagamos caro por frutas exóticas que atravessam o mundo para chegar na nossa mesa – e que nem sempre são saborosas – e não olhamos para o que está ao nosso lado, que está ao alcance da nossa mão, mas não conseguimos enxergar. E podemos ir além da banana (não fique brava Nide, eu vou continuar chamando de banana) quando falamos sobre o que descartamos sem aproveitar.
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Jogamos fora o vidro de palmito vazio e vamos à loja de utensílios comprar vidros para conservar mantimentos. Jogamos fora o arame do pão que pode ser usado para fechar outras embalagens e compramos clipes de plástico com a mesma função. Trocamos um aparelho que tinha 500 funções das quais usávamos somente 20 por outro que tem 800 funções e continuamos usando as mesmas 20.
Se ampliarmos o leque a conversa vai longe. Mas, a essência do conceito da “mãnana” é o quanto vamos buscar soluções caras e distantes para tantos aspectos na nossa vida, enquanto jogamos fora soluções que estão ao nosso lado porque não conseguimos enxergar além do convencional.
Os mares estão lotados de objetos que poderiam ter sido reaproveitados. Para quem não conhece, procure no google sobre as cinco ilhas de plástico nos oceanos. São montanhas de "lixo" plástico (lixo entre aspas porque muita coisa ali poderia ser reaproveitada) jogado no mar que, devido às correntes marítimas, se acumularam em determinadas regiões. A do pacífico tem 1,6 milhão de quilômetros quadrados de plástico boiando. É do tamanho aproximado do Estado do Amazonas ou, praticamente, três vezes o Estado de Minas Gerais.
Alguém já disse que o segredo está nos detalhes. Detalhes que estamos perdendo a capacidade de olhar. Detalhes das plantas que podem nos alimentar, dos objetos que podem ter um segundo uso, o que dirá o quanto estamos deixando de olhar para os detalhes das pessoas que estão ao nosso lado.
Acredito muito que as grandes mudanças do mundo partem da mudança do indivíduo. Se queremos a nossa Amazônia preservada, se queremos os nossos oceanos preservados (falar de pesca predatória dá um livro), se queremos o nosso mundo preservado, precisamos olhar para ele nos seus detalhes. Como a Nide olha para a banana, ou melhor pra “mãenana”.