Mais do que esperar o tempo passar
Da manga rosa, quero o gosto e o sumo. Quero ensopado de frango, sorvete, morango, suspiro, pudim e manjar. No café, pão salgado, pão de queijo, pão doce recheado, caramelado de açúcar. Eu quero um ou mais um.
Compartilhar a vida, não pôr a mesa nem dar lugar. Pôr os pratos no chão e o chão está posto. Linguiças para tira-gosto, uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão. E botar mais água no feijão. Sempre. E saudades.
Esse oportet ut vivas, non vivere ut edas(1). Comer para viver, mas para viver, muito mais. Quero ervas que curam e acalmam, que aliviam e temperam.
Não só alimento, quero almo. Não só comida, mas diversão e arte. Quero saída para qualquer parte. Logo.
Quero um lugar de mato verde para plantar e para colher. Uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela para ver o sol nascer, onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais!
Quero dormir um sono tranquilo, sem temer os males ignorados pelo sonho acompanhado do sono da morte. Nem pelo pesadelo acompanhado da vigília da vida. Não basta apenas ser ou não ser, existir, sobreviver. Girar a mó todos os dias, praticar o contrário da prestidigitação. Por enquanto, não morrer.
Muito mais que alimentos usados para subsistência, suprimentos e provisão, quero o silêncio das línguas cansadas. Eu só quero chocolate e o café proibido pelo grande irmão. Quero minha dose de soma diária para aguentar a condição. Quero a música que une as pessoas.
Um homem de bom juízo pede ao céu, em oração, mente sana e corpo são.
Quero um banho de espuma, um dolce far niente, sem culpa nenhuma.
Quero tudo que alimenta. Além da porção distinta da matéria, a parte incorpórea do ser.
Corpo, alma e vida.
Nada singular, pluralia tantum(2).
Víveres. E afazeres.
(1)Comer para viver e não viver para comer.
(2) Expressão tradicional da gramática latina que significa “apenas plurais” (afazeres, parabéns, arredores)