Mais um francês na vida de Abílio
Desde 1999, o empresário Abilio Diniz faz aulas de francês. O interesse pelo idioma não é um mero diletantismo, uma tentativa de se sentir mais confortável em suas frequentes viagens a Paris, com o domínio da língua local. Afinal, à época, seu sócio no Pão de Açúcar era o Casino, uma das principais redes varejistas da França. Depois de romper a parceria, há pouco mais de um ano, era de esperar que Diniz deixasse de praticar a língua de Marcel Proust e de Honoré de Balzac. Na quinta-feira 18, ele provou que tinha 1,8 bilhão de motivos para não dispensar seu professor particular.
Na ocasião, a Península, gestora da família Diniz que detém participações em diversas empresas, anunciou que chegou a um acordo para comprar 10% da subsidiária brasileira de outro gigante francês, o Carrefour, por R$ 1,8 bilhão. A participação pode subir para 16% nos próximos cinco anos. O negócio, que foi antecipado pelo site da DINHEIRO, marca o retorno de Diniz ao varejo, pouco mais de um ano depois de deixar o conselho de administração do Pão de Açúcar. Na época, ele selou um acordo de paz com Jean-Charles Naouri, CEO do Casino, costurado pelo professor americano de Harvard Willian Ury, especialista em mediação de conflitos.
Suas ações ordinárias (com direito a voto) foram trocadas por preferenciais, todas já vendidas no mercado. Em contrapartida, livrou-se da cláusula de não competição, comum nesse tipo de acordo. Dessa forma, não há nenhuma restrição para que o empresário passe a competir diretamente com o Pão de Açúcar, empresa fundada por seu pai, Valentim dos Santos Diniz, em 1948. “O que ficou no passado é passado. Vivo o presente, olhando para o futuro. Agora, é Carrefour. Agora, lugar de gente feliz é aqui”, disse Diniz, em uma teleconferência com jornalistas, repetindo o slogan do rival Pão de Açúcar, que teve a participação de Georges Plassat, CEO do Carrefour.
A transação que coloca o empresário brasileiro como um acionista minoritário do Carrefour é digna de um filme de aventura, com reviravoltas, brigas e, se esse pode ser considerado um final, um “happy end”. O roteiro começou a ser desenvolvido em junho de 2011, quando Diniz tentou unir as operações do Pão de Açúcar com as do Carrefour, na França. A proposta foi classificada por Naouri, que adquirira o controle acionário do Pão de Açúcar, como uma forma de impedir que ele assumisse o comando da rede no ano seguinte, conforme estabelecia o contrato de compra e venda.
Apesar do fracasso da empreitada, Diniz nunca deixou de acalentar o negócio. Livre do Pão de Açúcar, em setembro de 2013, Diniz viu a oportunidade de retomar as conversas. Na ocasião, o Carrefour havia contratado o banco de investimento Credit Suisse para estudar a abertura de capital de sua subsidiária no Brasil. No fim daquele ano, Plassat esteve em São Paulo e se encontrou com Pércio de Souza, dono da butique de investimentos Estáter, que assessorou Diniz nos principais negócios fechados no tempo em que ele comandava o Pão de Açúcar, como a compra do Ponto Frio e da Casas Bahia.
Plassat era portador de uma mensagem a Diniz: o queria como sócio da operação brasileira, pois avaliava que havia poucas condições para realizar um IPO. O que o executivo francês ouviu não o agradou. Souza disse que Diniz não pretendia disputar apenas o campeonato brasileiro, mas sim participar da liga mundial. Para qualquer francês entender: Diniz tinha sim interesse no Carrefour, mas lá fora. É por essa razão que quando vazaram as primeiras informações, em maio de 2014, de que Diniz estava comprando ações da operação global do Carrefour, Plassat considerou o ato uma traição, segundo uma fonte próxima ao executivo.
Hoje, o empresário brasileiro detém 2,4% da operação global da maior rede de supermercados da França. Inevitavelmente, as relações entre Diniz e Plassat azedaram. Foi um momento crítico, que quase fez mais uma vez naufragar o plano de Diniz de unir-se ao Carrefour. Pacientemente, no entanto, a paz, novamente, foi selada. “Eu e o Georges (Plassat) temos conversado há muito tempo sobre a possibilidade de fazer alguma coisa”, afirmou Diniz. “Mas só em setembro abrimos uma negociação real.” Diniz recebe um Carrefour bem diferente daquele de 2011, quando uma auditoria interna havia descoberto um rombo contábil de R$ 1,2 bilhão e a operação brasileira acumulava prejuízos.
Com um modelo baseado em hipermercados, a varejista francesa tinha dificuldades em competir com o Pão de Açúcar, que já investia em supermercados de vizinhança, que são menores e trabalham com margens maiores. “Esta sempre foi uma vantagem competitiva do Pão de Açúcar, que Abilio agora pode aportar no Carrefour”, diz Cláudio Felisoni de Ângelo, presidente do Instituto Brasileiro dos Executivos de Varejo (Ibevar). Três anos depois, o cenário mudou. DINHEIRO apurou que a subsidiária local deve gerar um caixa (ebitda) entre R$ 1,5 bilhão e R$ 1,8 bilhão neste ano.
Quase 60% desse valor virá do Atacadão, rede de atacarejo do grupo francês, que deve faturar R$ 22 bilhões em 2014. O Banco Carrefour, tocado em parceria com o Itaú, deve lucrar aproximadamente R$ 500 milhões. O Carrefour, por sua vez, gerará um ebitda de R$ 200 milhões, com receitas de R$ 15 bilhões. Esses dados indicam que Diniz pagou um múltiplo bastante alto para ficar com 10% da subsidiária brasileira, algo em torno de 10 a 12 vezes a sua geração de caixa. O Pão de Açúcar, principal referência do setor no Brasil, está sendo negociado a 5,7 vezes.
Na transação, o Carrefour Brasil foi avaliado em R$ 18 bilhões. Na BM&FBovespa, o Pão de Açúcar, que tem quase o dobro do tamanho do grupo francês, vale R$ 25,5 bilhões. De acordo com uma fonte que acompanha as negociações, apesar de não ter sido citada no comunicado, a operação argentina deve ser incluída em breve no acordo. “É uma forma de justificar esse alto valor pago”, diz a fonte, que conhecia detalhes da operação. Diniz discorda. “Acreditamos que pagamos um preço justo pela companhia”, afirmou ele. “Em um futuro próximo, esse valor vai aumentar muitíssimo.”
Apesar de não ter função executiva, Diniz, que manterá o cargo de presidente do conselho de administração da BRF, influenciará a nova gestão. Ele terá dois assentos no board que será criado a partir de 2015, que serão ocupados por ele próprio e por Eduardo Rossi, CEO da Península – o Carrefour será dono de seis cadeiras e haverá dois conselheiros independentes. Atuará ainda ativamente nos comitês, como o de recursos humanos e de estratégia. Além disso, ele participará de um grupo de trabalho com o objetivo de acompanhar de perto a atuação dos executivos.
O CEO do Atacadão, Roberto Mussnich, deve ser mantido no cargo. Para o Carrefour, o nome de Antônio Ramatis, que dirigiu a ViaVarejo, holding de eletroeletrônicos do Pão de Açúcar, surge como forte candidato para assumir a operação, segundo fontes ouvidas por DINHEIRO. Hoje, ele trabalha na Península com Diniz. O Carrefour deve também acelerar os investimentos no País. “Não investimos o suficiente no Brasil nos últimos dez anos”, disse Plassat. Uma abertura de capital no médio prazo também não está descartada.
“Não faz sentido para Diniz ser sócio minoritário, sem controle, em uma empresa sem liquidez”, diz Victor Falzoni, analista da corretora Brasil Plural. Diplomático, Diniz afirmou que a compra de uma fatia do Carrefour não se tratava de revanchismo em relação ao Casino, posição que ele tratou de comunicar a Naouri por intermédio de amigos comuns. Ele também disse que não está preocupado em transformar o Carrefour no maior varejista do País, mas sim em fazer com que seja o melhor e se torne referência mundial. É um discurso politicamente correto, adotado pela maioria dos empresários. Faz parte do jogo, mas, até onde se lembre, Diniz não entra em campo para perder.
Colaboraram: Márcio Juliboni e Carlos Eduardo Valim