Masculino e Feminino

Masculino e Feminino

Ser um homem feminino

Não fere o meu lado masculino

Se Deus é menina e menino

Sou masculino e feminino

 

As concepções sobre o que define o masculino e o feminino evoluíram ao longo dos séculos e assumiram formas distintas em diferentes culturas. Essa evolução revela que talvez, assim como propuseram Pedro Anibal De Oliveira Gomes e Bernadeth Cidade em 1983, essas categorias não sejam fixas nem universais, mas dinâmicas, moldadas por influências históricas, sociais, filosóficas e biológicas. No mundo contemporâneo, à medida que antigas noções de gênero são questionadas, a integração de perspectivas ocidentais e orientais, aliadas a reflexões antropológicas e sociopolíticas, fornece um panorama mais inclusivo e complexo sobre o tema.

As bases do pensamento ocidental sobre gênero foram lançadas pelos filósofos da Grécia Antiga, cujas ideias influenciam até hoje a cultura ocidental. Platão, em sua obra A República, argumentava que homens e mulheres poderiam compartilhar virtudes como a coragem e a sabedoria, mas, ao mesmo tempo, reconhecia limitações impostas pela biologia às mulheres. Aristóteles, por outro lado, apresentou uma visão mais hierárquica, retratando o masculino como ativo e dominante, e o feminino como passivo e subordinado. Essa visão se consolidou ao longo da história, sendo reforçada por pensadores medievais e pela teologia cristã.

No cristianismo, as ideias aristotélicas foram reinterpretadas para justificar papéis de gênero que perpetuavam a supremacia masculina. A metáfora da "ordem divina" — com o homem como cabeça da família e a mulher como subordinada — não apenas moldou a vida doméstica, mas também a vida pública e política. Durante séculos, a masculinidade foi associada a liderança, racionalidade e força, enquanto a feminilidade foi vinculada à obediência, emoção e cuidado.

Com o advento da modernidade, movimentos iluministas e revoluções sociais começaram a questionar essas bases, mas as mudanças foram lentas. Foi apenas com os movimentos feministas do século XX que as críticas a essas concepções ganharam força significativa. Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo (1949), desafiou a ideia de que as mulheres eram "o outro" em relação ao homem, argumentando que essas distinções eram construções culturais e não condições naturais. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, escreveu Beauvoir, destacando que a feminilidade é um papel aprendido por meio da socialização.

Judith Butler, décadas depois, expandiu essa crítica ao sugerir que o gênero não é apenas construído culturalmente, mas também performativo. Em Problemas de Gênero (1990), Butler argumenta que não existem identidades de gênero fixas; em vez disso, o gênero é continuamente produzido e reproduzido por meio de comportamentos e discursos que reforçam normas sociais. Essa perspectiva abriu caminho para discussões mais amplas sobre como os conceitos de masculino e feminino podem ser desconstruídos.

Enquanto o pensamento ocidental frequentemente cristalizou as categorias de gênero em uma relação hierárquica, o pensamento oriental oferece uma abordagem mais fluida e integrativa. O conceito taoísta de Yin-Yang, por exemplo, vê o masculino e o feminino como forças complementares e interdependentes que coexistem em harmonia. O Yin (feminino) simboliza o receptivo, o intuitivo e o introspectivo, enquanto o Yang (masculino) representa o ativo, o criativo e o expansivo.

Essa visão contrasta diretamente com o dualismo cartesiano predominante no Ocidente, que separa e opõe categorias como mente e corpo, razão e emoção, masculino e feminino. No modelo Yin-Yang, essas forças não são excludentes; ao contrário, um indivíduo equilibrado é aquele que integra essas energias, independentemente de seu sexo biológico. Essa perspectiva encontra eco em abordagens contemporâneas que veem o gênero como um espectro, em vez de uma dicotomia fixa.

No entanto, mesmo em culturas orientais, o Yin-Yang foi, ao longo da história, reinterpretado de formas que justificavam estruturas patriarcais. Por exemplo, textos confucionistas reforçavam a subordinação das mulheres aos homens, argumentando que o Yin deveria ser subordinado ao Yang. Apesar disso, a visão filosófica mais ampla do taoísmo ainda oferece uma alternativa poderosa às divisões rígidas ocidentais, inspirando modelos mais fluidos e inclusivos.

As perspectivas antropológicas demonstram que a ideia de gênero como uma dicotomia fixa é, em grande parte, uma construção das sociedades ocidentais modernas. Em muitas culturas tradicionais, as categorias de masculino e feminino eram menos rígidas e frequentemente permitiam espaço para identidades intermediárias ou fluidas.

Entre os povos indígenas da América do Norte, os indivíduos Two-Spirit (Duas-Almas) desempenhavam papéis sociais e espirituais únicos, sendo vistos como aqueles que incorporavam aspectos tanto masculinos quanto femininos. Para muitas tribos, essas pessoas eram altamente respeitadas, ocupando posições de liderança e mediação. Da mesma forma, na Índia, a comunidade hijra tem uma história que remonta a milhares de anos, sendo reconhecida como um terceiro gênero que transcende as categorias binárias.

Esses exemplos mostram que as construções rígidas de gênero não são universais, mas específicas de contextos históricos e culturais. Eles também desafiam a hegemonia das visões ocidentais e oferecem modelos alternativos para entender a pluralidade de expressões de gênero.

No contexto contemporâneo, as narrativas de gênero transcendem a esfera cultural e filosófica, influenciando diretamente a política e a economia. A eleição presidencial americana de 2024 exemplificou isso de maneira notável, especialmente em sua relação com os mercados financeiros.

Donald Trump, representando os republicanos, usou uma retórica fortemente associada à masculinidade tradicional — enfatizando força, assertividade e competitividade. Por outro lado, o candidato democrata apresentou uma narrativa que enfatizava valores como inclusão, empatia e sustentabilidade, muitas vezes associados à feminilidade em construções culturais tradicionais.

A reeleição de Trump teve um impacto significativo no mercado financeiro, com setores específicos registrando variações marcantes nas semanas seguintes. A sua retórica influenciou as expectativas dos investidores, resultando na valorização de empresas ligadas a setores percebidos como "masculinos" e na desvalorização de setores relacionados a características "femininas".

A Northrop Grumman, gigante do setor de defesa, registrou uma valorização de aproximadamente 13% nos dias seguintes à eleição. A política de Trump de aumentar os gastos militares, uma promessa central de sua campanha, gerou otimismo no setor. O setor de defesa, com suas associações a força, proteção e domínio, é amplamente percebido como representativo da masculinidade tradicional.

As ações do setor bancário também experimentaram altas expressivas, com o Morgan Stanley e o Wells Fargo registrando aumentos superiores a 11,5%. A expectativa de desregulamentação e redução de impostos corporativos impulsionou a confiança dos investidores, reforçando a ideia de um mercado financeiro competitivo e agressivo, características frequentemente associadas ao masculino.

Curiosamente, as ações da Tesla subiram cerca de 14,8% após a eleição. Apesar de operar no setor de energias renováveis, a Tesla se beneficiou do apoio público de Elon Musk a Trump, que o indicou para liderar uma comissão governamental de eficiência. Essa aliança fortaleceu a percepção de Musk como uma figura visionária e assertiva, qualidades tradicionalmente associadas à masculinidade.

Por outro lado, companhias de energia limpa, como a Sunnova Energy e a First Solar, sofreram quedas superiores a 9%. O governo Trump, com sua conhecida preferência por combustíveis fósseis, gerou incertezas para o setor. Energias renováveis, associadas a valores de cuidado e preservação, são frequentemente percebidas como "femininas" nas narrativas culturais.

A Allbirds, empresa de calçados sustentáveis, também enfrentou uma desvalorização de 6%. O foco de Trump em setores tradicionais e sua resistência a políticas ambientais criaram um ambiente desfavorável para marcas comprometidas com a sustentabilidade.

A Etsy, uma plataforma de comércio eletrônico voltada para pequenos empreendedores e comunidades criativas, teve uma queda de 8%. Com sua ênfase em valores como inclusão e apoio a artesãos, a Etsy é frequentemente associada a características femininas como empatia e colaboração, que foram desvalorizadas sob a administração Trump.

Essas flutuações no mercado refletem não apenas as promessas políticas concretas, mas também a influência das narrativas culturais associadas aos setores. Empresas e indústrias vinculadas a características como força, domínio e expansão — frequentemente atribuídas ao masculino — se beneficiaram do clima político favorável. Em contraste, empresas associadas a valores de cuidado, inclusão e sustentabilidade, percebidas como "femininas", enfrentaram desafios.

Esse padrão não é exclusivo da administração Trump. Após a eleição de Barack Obama, setores ligados à energia limpa e inovação social experimentaram um aumento, refletindo políticas que valorizavam atributos associados à sustentabilidade e inclusão.

Esses movimentos revelam como narrativas de gênero continuam a moldar percepções culturais e econômicas. A masculinidade tradicional, representada por Trump, reforçou uma mentalidade de “domínio e conquista”, que ressoou nos mercados. No entanto, isso não significa que empresas progressistas tenham ficado paralisadas. Muitas delas reagiram ao momento político reforçando suas estratégias sustentáveis e consolidando sua base de consumidores e investidores.

No contexto empresarial, as noções de masculino e feminino também encontram paralelos. Sustentabilidade, frequentemente associada a atributos como cuidado, preservação e responsabilidade intergeracional, carrega uma conotação de feminilidade. Inovação, por outro lado, é vista como arrojada, disruptiva e associada à masculinidade. Durante muito tempo, essas dimensões foram percebidas como opostas, mas, na verdade, são interdependentes.

Empresas que integram sustentabilidade e inovação não apenas garantem sua sobrevivência no longo prazo, mas também criam vantagens competitivas. A Ørsted, por exemplo, passou de uma empresa focada em combustíveis fósseis a uma das líderes mundiais em energia renovável. Essa transição não apenas mostrou o potencial da sustentabilidade como motor de crescimento, mas também exemplificou a integração de atributos tradicionalmente associados ao masculino (inovação) e ao feminino (sustentabilidade).

Além disso, os consumidores do século XXI estão cada vez mais exigentes em relação às práticas empresariais. Segundo um relatório da Nielsen de 2022, 73% dos consumidores globais afirmaram que preferem comprar de empresas que demonstram compromisso com sustentabilidade. Isso reforça a importância de equilibrar cuidado e inovação, tanto em estratégias corporativas quanto na cultura organizacional.

A tecnologia está desempenhando um papel crucial na transformação das percepções de gênero. Na moda, marcas como Gucci e Balenciaga lideram a criação de coleções sem gênero, desafiando as divisões tradicionais entre masculino e feminino. Na área de tecnologia, empresas como a Apple e a Google estão sendo pressionadas a reconsiderar como criam produtos, especialmente assistentes virtuais como Siri e Alexa, que reforçam estereótipos femininos de cuidado e serviço.

Ao mesmo tempo, a inteligência artificial está permitindo novas formas de expressão de identidade de gênero. Plataformas como o Instagram e o TikTok oferecem ferramentas que permitem aos usuários experimentarem identidades fluidas e não-binárias, normalizando essas expressões para uma audiência global.

Essas tendências mostram que a dissolução das categorias rígidas de gênero está se tornando não apenas uma realidade cultural, mas também uma exigência comercial. Empresas que não acompanharem essas mudanças correm o risco de se tornarem irrelevantes para as novas gerações.

Ao integrar diferentes perspectivas — filosóficas, antropológicas, econômicas e tecnológicas —, fica claro que masculino e feminino não são categorias rígidas ou universais. Em vez disso, são expressões fluidas e dinâmicas, moldadas por contextos históricos e culturais que estão em constante transformação.

No mundo contemporâneo, a integração das energias associadas ao masculino e ao feminino, como propõe o modelo Yin-Yang, pode servir como uma metáfora poderosa para sociedades e empresas. Assim como indivíduos equilibrados integram esses aspectos dentro de si, organizações que equilibram sustentabilidade (cuidado) e inovação (arrojo) estão melhor posicionadas para prosperar em um mundo complexo.

O desafio para o futuro não é apenas desconstruir as divisões de gênero, mas também criar novas narrativas que celebrem a pluralidade e a complementaridade, abrindo espaço para que cada pessoa, comunidade ou organização possa expressar sua singularidade sem limitações impostas por categorias fixas.

Essa integração entre inovação e sustentabilidade, competitividade e cuidado, não é apenas uma visão filosófica, mas uma necessidade prática para empresas que buscam prosperar em um mundo interconectado e em constante mudança. Assim como Baby e Pepeu, talvez valha a pena as empresas se tornarem mais masculinas e femininas!

Bom Sábado Sustentável.

Links entre temas diversos, mas conectados nessa trama cultural e histórica 👏👏

Jan Poul Sorensen

CEO Alumichem Latin America and owner of MAGNI Environment

1 m

Excelente análise , Gsbriel👍🏼👏🏼👏🏼👏🏼

Isinaldo Fernandes

Sócio da Ideia Soluções Logísticas e Ambientais Ltda

1 m

É necessário muito discernimento .

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