Ameaça Digital

Ameaça Digital

Klaatu Barada Nikto

 

Talvez você não saiba, mas a Chegg, é uma plataforma de educação online que por anos ofereceu suporte acadêmico a estudantes. Foi um exemplo de sucesso no setor de tecnologia educacional. Fundada como uma empresa de aluguel de livros didáticos, a Chegg rapidamente evoluiu para fornecer respostas de livros, tutoriais personalizados e apoio de especialistas sob demanda. Durante a pandemia de Covid-19, com a ascensão da educação a distância, a empresa experimentou um boom em sua base de assinantes, vendo o valor de suas ações triplicar.

No entanto, o que parecia um crescimento sustentável revelou-se frágil diante do avanço da inteligência artificial (IA). Com o lançamento do ChatGPT em novembro de 2022, estudantes passaram a ter uma alternativa gratuita, instantânea e altamente eficaz para suas dúvidas acadêmicas. A migração em massa de usuários da Chegg para o ChatGPT resultou na perda de mais de meio milhão de assinantes e uma queda de 99% no valor de suas ações, eliminando cerca de US$ 14,5 bilhões em valor de mercado.

Embora a Chegg tenha tentado responder à crise desenvolvendo ferramentas próprias de IA, como o Cheggmate — uma parceria com a OpenAI para integrar o GPT-4 em seus serviços —, seus esforços não foram suficientes para reverter o declínio. A empresa também tentou expandir sua oferta para serviços mais amplos, como aconselhamento acadêmico, mas enfrentou dificuldades para competir com uma alternativa gratuita e instantânea. O colapso da Chegg ilustra uma questão central: a IA não destrói apenas negócios que resistem à mudança, mas também ameaça empresas que falham em integrá-la de forma estratégica e proativa.

Essa história provoca uma reflexão necessária para empresas e setores inteiros: como sobreviver em um mundo onde a IA não é mais uma escolha, mas uma inevitabilidade?

Desde os primeiros avanços no aprendizado de máquina, a inteligência artificial foi vista como uma força transformadora capaz de remodelar indústrias inteiras. Quando a IA começou a se popularizar, especialmente após o lançamento do ChatGPT em novembro de 2022, a imprensa e especialistas rapidamente especularam sobre quais segmentos desapareceriam por completo. Empresas de suporte acadêmico, atendimento ao cliente, logística e até mesmo áreas criativas e de saúde foram apontadas como as mais vulneráveis à disrupção.

Essa reação lembra o clássico filme "O Dia em que a Terra Parou", no qual a chegada de uma tecnologia alienígena desencadeia um pânico generalizado. No filme, a humanidade teme o pior: destruição, guerra, o fim de tudo o que conhecemos. No entanto, a tecnologia não veio para aniquilar a Terra, mas para trazer uma mensagem de transformação e responsabilidade. A verdadeira ameaça não era a tecnologia em si, mas a incapacidade humana de compreendê-la e lidar com ela de forma sábia.

De forma semelhante, o pânico inicial em torno da IA foi movido por suposições catastróficas: que setores inteiros seriam extintos, que milhões de empregos seriam eliminados e que a criatividade e as habilidades humanas se tornariam obsoletas.

Assim como no filme, a realidade foi bem mais complexa — e menos apocalíptica. A IA não destruiu indústrias, mas revelou um novo paradigma: o sucesso não seria definido pelo setor de atuação, mas pela capacidade de adaptação e integração dessa tecnologia ao modelo de negócios.

Perdedores e ganhadores emergiram não com base na área de atuação, mas na habilidade de integrar a tecnologia ao coração de suas operações. Empresas como a Chegg, que falharam em absorver a mudança de forma estratégica, foram rapidamente ultrapassadas. Por outro lado, organizações que souberam usar a IA para otimizar processos e criar valor adicional, como a RoutEasy na logística ou o Bradesco no atendimento ao cliente, conquistaram vantagem competitiva e consolidaram suas posições no mercado.

Essa tendência revelou uma verdade essencial: a IA não é uma força exclusivamente destrutiva, mas uma ferramenta de transformação. Quem viu a tecnologia como uma ameaça ou hesitou em adotá-la acabou perdendo relevância. Por outro lado, empresas que enxergaram a IA como um aliado estratégico adaptaram seus modelos de negócio para prosperar em um mercado em constante evolução. Assim, a disrupção promovida pela IA não foi uniforme nem determinista — ela refletiu a capacidade de resposta das empresas, e não simplesmente as características de um setor específico.

No setor de educação, além da Chegg, outras empresas também enfrentaram a pressão de ferramentas como o ChatGPT, que oferece respostas instantâneas e gratuitas. Apesar disso, muitas instituições de ensino adaptaram-se incorporando a IA como um complemento ao aprendizado, em vez de resistir a ela. O Colégio Porto Seguro, por exemplo, integrou a IA em seu currículo de letramento digital, preparando alunos para usarem a tecnologia em projetos e pesquisas. Essa abordagem demonstrou que, com uma mentalidade integradora, a IA pode ser uma aliada, não uma ameaça.

O atendimento ao cliente é outro setor que sentiu a pressão da IA. Empresas que implementaram chatbots avançados, como a BIA do Bradesco, conseguiram equilibrar eficiência e personalização, atendendo milhares de clientes com alta precisão. Ainda assim, a automação não eliminou a necessidade de operadores humanos, que continuam essenciais para lidar com demandas mais complexas. O modelo híbrido — integração entre IA e equipes humanas — tornou-se o padrão de sucesso.

No marketing e na criação de conteúdo, a IA democratizou a produção de materiais básicos, permitindo que empresas pequenas competissem em escala com grandes corporações. No entanto, a criatividade humana segue indispensável para campanhas inovadoras e estratégias que exigem empatia e narrativa. Empresas que combinaram o poder da IA com a visão humana não apenas melhoraram sua produtividade, mas criaram novas formas de engajamento.

Já na área de saúde, a IA mostrou-se revolucionária em diagnósticos e desenvolvimento de medicamentos, mas atua mais como um apoio do que como substituta. Ferramentas de análise de imagens, por exemplo, requerem validação humana para evitar erros. Assim como em outros setores, o modelo híbrido de integração é o caminho.

No transporte e na logística, tecnologias como veículos autônomos e otimização de rotas vêm promovendo avanços significativos. Empresas como a RoutEasy, que utilizam IA para integrar processos de entrega, conseguem economizar até 40% para clientes como Shopee e Magalu. No entanto, barreiras regulatórias e limitações tecnológicas impedem a substituição total de motoristas, mostrando que a IA, mesmo em seus casos mais avançados, ainda é complementar.

Olhando para esses exemplos, uma conclusão torna-se evidente: o impacto da IA é tão transformador quanto gradual. Empresas que abraçam a tecnologia de forma estratégica não apenas sobrevivem, mas prosperam. Já aquelas que resistem ou tentam adaptar-se superficialmente enfrentam um declínio inevitável, como ilustra o caso da Chegg. Essa lógica, entretanto, não se aplica apenas à inteligência artificial — ela também se reflete em outro grande desafio contemporâneo: a transição energética.

Assim como a IA, as energias renováveis são vistas por muitos como uma ameaça a modelos tradicionais de negócio. No setor de energia, por exemplo, a ascensão de fontes como solar, eólica e biometano está transformando o mercado. No entanto, em vez de eliminar as fontes tradicionais, essa transição oferece uma oportunidade de diversificação e modernização. Empresas que enxergam as renováveis como aliadas, e não como concorrentes, estão prosperando.

A Shell, por exemplo, ampliou significativamente seus investimentos em energia limpa. Recentemente, lançou iniciativas de produção de biometano a partir de resíduos agrícolas, integrando sustentabilidade ao seu modelo de negócios sem abandonar suas bases tradicionais. De forma semelhante, a Neoenergia no Brasil, subsidiária da Iberdrola, tornou-se líder no mercado de energia limpa ao investir fortemente em parques eólicos e solares, enquanto aproveita sua infraestrutura de distribuição tradicional.

Por outro lado, empresas que resistem à mudança enfrentam dificuldades. Geradoras baseadas exclusivamente em termelétricas a óleo e carvão têm perdido competitividade em mercados onde os custos da energia limpa estão despencando. Distribuidoras que relutam em adotar redes inteligentes e soluções de microgeração, como painéis solares em residências, estão deixando de capturar valor em um mercado onde consumidores também se tornam produtores.

Além disso, o papel do consumidor mudou. Indústrias e transportadoras estão migrando para o biometano e energia solar, aproveitando incentivos fiscais e custos operacionais reduzidos. Empresas industriais que antecipam essa transição conquistam novos mercados e melhoram sua imagem corporativa, enquanto aquelas que resistem correm o risco de perder relevância.

Ao traçar um paralelo entre IA e energias renováveis, fica claro que ambas representam desafios e oportunidades semelhantes. Ambas são vistas como disruptivas, mas na realidade exigem uma abordagem integradora. Assim como a IA não substituiu completamente o trabalho humano, as energias renováveis não eliminam fontes tradicionais de energia, mas as complementam.

 Empresas que adotam uma visão polarizada — enxergando essas tendências como ameaças ou soluções milagrosas — tendem a falhar. Já aquelas que buscam um equilíbrio entre inovação e tradição estão mais bem posicionadas para prosperar. O caso da Shell, ao integrar renováveis ao seu portfólio, ou o sucesso de instituições educacionais que incorporaram IA ao aprendizado, exemplificam essa abordagem.

O impacto da inteligência artificial e das energias renováveis reforça uma lição fundamental: o futuro não pertence a quem resiste à mudança, mas a quem é capaz de integrá-la de forma estratégica e equilibrada. Executivos e líderes empresariais devem abandonar visões polarizadas, que enxergam essas tecnologias como ameaças existenciais ou soluções mágicas.

A história da Chegg é um alerta: abraçar a tecnologia apenas quando o mercado já mudou pode ser tarde demais. Ao mesmo tempo, as iniciativas da Shell e da Neoenergia mostram que a adaptação é possível e recompensadora. O desafio está na capacidade de olhar além do curto prazo e compreender que a transformação não é uma escolha entre o passado e o futuro, mas uma oportunidade de criar um modelo híbrido que combine o melhor dos dois mundos.

IA e energias renováveis não são forças destrutivas, mas catalisadoras de inovação. Empresas que adotarem uma visão integradora, reconhecendo que o sucesso vem da combinação de tecnologia e humanidade, tradição e modernidade, estarão preparadas para prosperar em um mercado em constante transformação. Afinal, como mostram os exemplos citados, o futuro não é uma ruptura — é uma integração.

Bom Sábado Sustentável!

 

Ótima reflexão. Na área da educação tenho receio em relação aos rumos que isso toma, uma vez que o que pesquisa na internet trouxe foi a possibilidade de consultar facilmente várias fontes. Avaliar, criticar, e aí sim , construir a idéia. Nesse sentido, uma resposta rápida por IA me parece um retrocesso. A conferir .

Antonio Carlos Worms Till

CEO/Founder do Vita Check-up Center

2 sem

Artigo muito interessante e pertinente Gabriel Kropsch . Parabéns!

Antonio Ferro

Editor na Revista AutoBus

2 sem

Como está cômodo usar da tecnologia para ter a prerrogativa de não fazer nada... Substituir a mão de obra humana por máquina traz benefícios, mas causa um enorme estrago social. Isso é um tema relevante e precisa ser visto com muita seriedade

José Monteiro

Senior Sales Manager | Latam | Power Generation | Oil & Gas | Key Account Management | Automation | Software | Negotiation | Leadership | Sales Manager at GE Vernova

2 sem

Instigante a reflexão que este artigo nos provoca, Gabriel Kropsch . Apenas para emendar com outra: o uso crescente de IA demandará uma quantidade de energia muitas vezes superior a atual capacidade de geração, por exemplo para suprir a demanda dos gigantes Data Centers. Importante pensarmos sim em formas complementares de gerar energia, bem como no uso de combustíveis de transição como o gás. A necessidade de investimentos no Grid e talvez também MicroGrids são outros pontos de atenção. Quando quiserem aprofundar a discussão nestes outros temas contem comigo e com a equipe da GE Vernova. Bom final de semana.

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