Maternidade: carimbos e contratos que devemos eliminar
Crédito: mundodiferente.com.br

Maternidade: carimbos e contratos que devemos eliminar

Gosto da metáfora do carimbo para ilustrar tudo que não é natural de cada pessoa, mas que faz uma marca e se carrega no automático.  “Cabelo liso é mais bonito!” Carimbo que me acompanhou por 40 anos. “Sucesso é um crachá de CEO”. Outro forte. Todos carregamos alguns.  

Chamo aqui de carimbo as marcas da educação, da cultura, das convenções sociais.  Todo grupamento de pessoas tem suas regras, normal.  O problema é ninguém nos ensinar que as convenções sociais têm sua utilidade de acordo com ambiente e  momento. Mas se vira verdade absoluta... Ui, cuidado.  Carimbos se tornam comportamentos que nos limitam. “Ele é do time X, da política Y? Affff... Não quero nem ouvir!”.   Carimbos viram correntes que podem até estar cobertas de açúcar, mas seguem nos prendendo.

Como disse Adam Grant em seu novo livro, Think Again, “o sentido do aprendizado não é afirmar nossas crenças, mas evoluir a partir delas”. Boa parte dos problemas grandes que cada pessoa enfrenta têm relação com carimbos fortes que simplesmente precisam ser deixados para trás. 

Nessa reta final de mês da mulher é relevante pensar sobre os carimbos que replicamos umas às outras quando o assunto é maternidade. E os carimbos recebidos das gerações anteriores que seguimos passando adiante. 

Um dos que mais me incomoda é o carimbo que chamo de “onipotência materna”.  Parece que ao virar mãe a pessoa precisa se tornar infalível, ter todas as respostas. Ser mãe não se sobrepõe ao fato anterior: ser humana. Assim como qualquer pessoa, toda mãe tem luz e sombra. Dias bons e dias ruins. Erra e acerta.

A tal culpa que “vem no pacote” da maternidade tem relação com esse carimbo. Vem a maternidade e a equação é: reduzimos a tolerância, aumentamos as expectativas. “Ela vai viajar pra reunião? Mas não tá com filho pequeno?”.  Carimbão do mal.  A gente precisa urgentemente tirar o peso associado à maternidade. 

A mudança só será sustentável se começar no olhar de cada uma em relação a si mesma. A gente precisa aprender a se perdoar com a mesma elegância com a qual perdoamos as pessoas ao nosso redor. Se a gente não largar o chicote, vamos seguir chicoteando (ou carimbando!) as demais.

A ideia de que mãe dá conta de tudo, mãe é superheroina, pode parecer doce. Mas é uma corrente.  Uma corrente que prende tantas na condição de exaustão.  É tanta expectativa, tanta convenção a atender que é difícil se manter conectada consigo mesma, com seu mundo interior.  Até que uma hora bate: Quem sou eu mesmo? O que é que estou buscando? Qual era mesmo o sentido de tanta correria?

Portanto, meu primeiro convite para cada uma é, elegantemente, rasgar o contrato carimbado por tantas gerações que diz que nas prerrogativas da maternidade estão inclusas as obrigações de:  Ser sempre confiante, resolutiva, mente aberta, paciente, especialista em resolver brigas entre irmãos, pais e filhos, capaz de limpar uma cozinha em 10 minutos, meditar, ser CEO e feliz todos os dias.

Ufa! Dale ampliar obrigações e reduzir a tolerância. Respira. Você é humana. As outras pessoas também e vão projetar esse carimbo. O importante é trazer pra consciência que se trata de um eco do passado. Assim a gente começa a ter ferramentas para não entrar em tanto conflito consigo e com os outros. 

Para Sonata Brasil, ser mãe é ser ‘sócia’ da vida. Essa expressão surgiu numa conversa bem pessoal. 

“Como é ser mãe, Nat?” Soraia Schutel, cofundadora da Sonata e madrinha do Leon, perguntou quando veio visitá-lo  pela primeira vez.

“É como ser a empreendedora que toca a operação. Mãe é a sócia minoritária. A dona do negócio é a vida”. 

O que isso significa na prática? Significa que o carimbo da “onipotência materna” faz a gente esquecer que mãe é humana. Húmus. Humano. Humildade. Conscientizar o papel de empreendedora que toca a operação é entrar na humildade de compreender a maternidade como uma experiência para evolução, como um ‘sim’ à grande vida. Não um ‘sim’ ao seu conto de fadas pessoal.

No afastamento da humildade, da consciência de que é uma das experiências possíveis numa vida plena, os problemas se acumulam.  Entra em cena a posição de ‘dona da verdade’, ‘juíza’ da vida dos filhos. “Só eu sei o que é melhor para ele! Saiu de dentro de mim”. 

Claro que temos o papel de educar.  É isso que significa tocar a operação, o dia a dia. Mas assim como eu não tenho a menor ideia de como aquelas células se transformaram nos olhos, no jeito, na alma do meu filho.... Também não sou dona das escolhas dele, não tenho controle do que será o bom caminho. Aqui cabe relembrar a frase de Antonio Machado, quase mantra Sonata, “Caminhante não existe caminho, o caminho se faz ao caminhar.”

A gente se alimenta melhor na gravidez, cada uma faz o que está ao alcance para contribuir com a ‘mágica’ que a vida está realizando. Mas a gente com isso garante alguma coisa? Não. A gente faz a nossa parte e a vida a dela. Depois que a nova vida está aqui é importante entrar na humildade de que o papel de mãe vai até certo ponto, assim como na gestação. Do contrário, distorções entram em cena.

Distorção # 1

Sou mãe, minha visão vale mais que a sua (do filho, do pai)

Risco: trazer rigidez para si e para relação, atrapalhar o fluxo da vida, impedir a pessoa de aprender a partir do exercício das próprias escolhas

Distorção #2 Sou mãe e tenho que ajudar 

Risco: Incorrer no perigo de substituir a pessoa e tirar dela a capacidade de construir autoestima, que é a reputação de cada um consigo mesmo. É na ação que se constrói autoestima. “Ajudar” (quando vira substituir) dependência. Lembremos: problema só é resolvido pelo dono. Quanto mais tento resolver os problemas dos outros, substituindo as experiências de vida dele, mais traio a mim, a ele e a vida. 

Ser a empreendedora que toca o projeto é se colocar na posição de “eis-me aqui, com qualidade e defeitos, pronta para o fazer o meu melhor e sem contrato carimbado com a perfeição.” Até porque neste plano ela não existe, não é mesmo?  

Isso é garantia de ‘o’ melhor para o filho? Não. E no fundo a gente sabe que não há garantias. A gente sabe que fazer igualzinho ao que funcionou com o filho da prima ou da amiga não é garantia de sucesso.  

Quanto mais a gente acredita na distorção da onipotência materna, mais a gente se torna rígida e se perde no labirinto. Mais a gente se desconecta da autenticidade. Mais a gente renova contratos com as convenções sociais em detrimento da construção da relação consigo e com o filho.

Toda relação precisa ser construída diariamente. Inclusive a de mãe e filho. Não tem nada dado, nada garantido. Uma relação de valor é uma constante construção. Demanda tempo, interesse, vínculo, conversa, humildade, ombro a ombro, vontade.   

Para concluir, deixo uma reflexão sobre o que podemos resgatar dos acertos de nossas ancestrais. No passado, elas tinham 7, 8 filhos.  E todos se tornavam pessoas autônomas, ninguém odiava os pais ou precisava de tanta terapia, tantas coisas. Por quê?

Claro que cada caso é um caso e toda generalização é perigosa. Mas a intenção aqui é ressaltar um valor bonito, esquecido por muitas de nós.  Desde pequenos os filhos de famílias grandes aprendiam a ser úteis. Todos ajudavam na casa. Isso servia como escola para vida. 

Com a combinação "um filho e muita culpa" cria-se o ambiente para substituição. Na melhor das intenções, fazer tudo por ele. Aqui preciso relembrar com saudade do gigante Içami Tiba, autor da pérola, “Quem ama educa”.  Quem tem tudo na mão corre sério risco de virar um adulto sempre à espera de que alguém resolva por ele. A substituição serve de fermento para presunção de que alguém tem obrigação de fazer por ele.  Toda vez que a gente faz algo que o filhote poderia fazer sozinho, por mais simples que seja,  entramos nessa dinâmica de perde/perde.

Meu desejo neste março de 2021 é que cada mãe possa se permitir ser humana. E que escolha deixar o menino de 2 anos realizar o que consegue, que seja carregar o próprio pratinho. Educar não é substituir. É ser ponte entre o melhor que há dentro daquela pessoa e o mundo. Não é substituir, é formar cidadãos autônomos, conscientes e do bem. 

Peça ajuda quando precisar. Treine ouvir e confiar na sua intuição. Faça as pazes com a ideia de que vai ter erro com certeza absoluta. Encare os erros como demonstração da sua coragem e vontade de evoluir. E acima de tudo, tente ser gentil com você mesma :) Mais que nunca, o mundo precisa do feminino em ordem.

Patricia Ribeiro

Liderança | Suprimentos | Educação Corporativa | Sustentabilidade

3 a

Excelente reflexão !!! 💛💛💛

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