ME/CFS: A PANDEMIA DOS RICOS
Se você pesquisar ME/CFS + o nome de um país desenvolvido, e depois outros, você descobrirá que as nações com alto IDH estão lidando com uma doença bizarra, camaleônica, epidêmica e endêmica, debilitante, sistêmica, gravíssima em muitos casos, e associada a suicídios – uma doença que tem uma história incrível e reveladora, e que se expande nas cidades de quase todo o mundo, em especial no Ocidente.
Embora se diga que ainda é muito pouco, há nesses países iniciativas de numerosas fundações, ONGs, universidades, sistemas de saúde, movimentos sociais, profissionais, de clínicas e laboratórios, associações de pacientes, e programas de empresas, voltados à conscientização e ao combate da doença. Recentemente ME/CFS foi discutida no parlamento alemão, e ontem li que fará parte do currículo médico do Reino Unido. Fantástico. Há 18 anos eu estudo a doença.
Holanda, Bélgica e os países da Escandinávia são também especialmente vitimados por ME/CFS, e similarmente desenvolvem programas de educação médica, conscientização, tratamento e prevenção. Na evoluída e gelada Islândia, onde ocorreram surtos epidêmicos, a doença é de tal prevalência que adquiriu designações locais: neuromiastenia, doença de Akureyri, depois doença da Islândia. Nos Estados Unidos, em 2008, ME/CFS foi considerada pelo CDC como o problema de saúde pública mais preocupante no país. No Canadá a prevalência é tão alta ou maior que a dos USA.
São características comuns aos países com muita ME/CFS, um elevado IDH, abundância de alimentos industrializados (esterilizados); e talvez, invernos muito frios. Na Oceania e no Japão a prevalência parece ser um pouco menor.
Um mapa das epidemias de ME/CFS publicado por Donald Acheson em 1959 já mostrava os países-alvo; esses pouco mudaram, o número de doentes é que explodiu.
Os mapas no Capítulo 15 de Pandemics Entangled© também desnudam essa aberração epidemiológica; e no site da American Myalgic Encephalomyelitis and Chronic Fatigue Syndrome Society, um outro mapa mundi desatualizado da ME/CFS já confirmava o que este texto descreve: ME/CFS é doença de países ricos.
Entretanto, nas nações em desenvolvimento a história da ME/CFS é outra. Vamos ver?
Pesquise agora ME/CFS + o nome de um país tropical em desenvolvimento: você não encontra nada, ou quase nada. Nesses países a doença é praticamente desconhecida, porque de fato, o número de acometidos é relativamente bem menor. Mas não só por isso.
Esses números se repetem em toda a América Latina, e na maior parte da Ásia: ME/CFS nessas regiões quase inexiste. Nas nações da África, a prevalência é baixíssima, com duas exceções: a África do Sul (onde há IDH alto e invernos frios), e a Nigéria, cuja alta prevalência de ME/CFS é atribuída a malária endêmica; mas que no meu entender deve-se mais ao uso excessivo ou preventivo de antibióticos em razão de grande número de infecções do ciclo da água.
Vamos considerar o Brasil, um país continental, com 215 milhões de habitantes, grandes metrópoles, 546 mil médicos, medicina pujante, hospitais dentre os melhores do planeta, um gigantesco sistema público e universal de saúde, e 357 escolas médicas, o maior número de escolas de medicina no mundo. Não obstante, pesquisando hoje (24 de junho de 2023) no Google usando o Chrome: ME/CFS + Brasil; encontrei apenas um trabalho de 2010 que menciona CFS, nada mais. Nenhuma publicação nos últimos treze anos que sequer mencione a sigla ME/CFS.
Usando o Bing da Microsoft, encontrei apenas uma breve discussão em um Fórum (Fevereiro de 2021) fora do Brasil Brazil: ME/CFS in Brazil | Phoenix Rising ME/CFS Forums., que informava sobre o desconhecimento da enfermidade no país; e revelava o lançamento do primeiro site no país sobre a doença.
Participo de alguns grupos de médicos; dentre 800 profissionais, apenas seis conheciam a doença; dois deles portadores da condição.
E porque isto ocorre?
Entendo que há quatro motivos:
1) A cultura médica do país ignora a existência de ME/CFS, configurando um exemplo clássico de Claude Bernard: o médico não sabe o que procura, e não valoriza o que encontra;
2) muitos pacientes com ME/CFS são rotulados como portadores de fibromialgia, e outros tantos ficam sem diagnóstico;
3) porque há muito menos doença mesmo; restrita às classes A|B, quase três mulheres para cada homem; e ...
4) por preconceito dos profissionais de saúde; decorrente de desconhecimento e do problema sem solução que cada paciente traz ou representa; e que fecha o círculo vicioso. Só para citar um exemplo, meses atrás, um renomado colega cardiologista me confessou entre amigos e outros colegas: “eu odeio quando o paciente diz que tem fibromialgia! ”... E completou: “se eu pudesse evitar, eu nem atenderia. ”
Assim é. Por quinze anos, para identificar e conseguir investigar melhor 70 pacientes com ME/CFS, precisei atender em consultório 201 pacientes cujo principal diagnóstico era fibromialgia; outros 39 foram diagnosticados Lyme, fadiga viral, EBV crônico, psicose, etc. Apenas 20 tiveram o diagnóstico inicial de ME/CFS, formulado por mim.
ME/CFS é doença de países ricos, sim; mas não só deles. E não cometa o erro de achar que é desprezível o número de vítimas da ME/CFS no Brasil e nos demais países em desenvolvimento; nas parcelas mais privilegiadas nesses países milhares vivem sob um IDH elevado; e similarmente desenvolvem a condição e enchem os consultórios mais luxuosos, e as relativamente novas clínicas da dor.
Importante, no início de 2020, muito antes de ser descrita a coexistência de ME/CFS e complicações da Covid hoje conhecidas por Covid Longa, antevi o que hoje são fatos: que a incidência de ME/CFS explodiria no mundo pós-Covid, e que as sequelas ou efeitos tardios do coronavírus se somariam ou confundiriam com ME/CFS – que as pandemias se entrelaçariam.
Por isso, em meados de 2020 modifiquei o título do trabalho que seria Outbreak 64®, e depois criei a nova página no LinkedIn, dando início a Pandemics Entangled© o único projeto editorial na plataforma, onde publiquei o Prefácio, e a seguir os primeiros capítulos do um livro agora concluído.
Os resultados da pesquisa, a vivência com os pacientes, e os dados da literatura impõem reconhecer que o fator etiogênico fundamental à ME/CFS é o distúrbio ambiental hostil que leva à quebra da grande simbiose; entendida a grande simbiose como o relacionamento complexo e vital que precisamos manter com o mundo microbiano, e que rompido impõe gravames à homeostasia e leva ao estado de doença.
São muitos os exemplos da nossa dependência da flora. Os médicos conhecem o problema hemorrágico que decorre de antibióticos. Esses medicamentos reduzem no intestino a população de bactérias que produz a vitamina K, necessária às proteínas da coagulação. Sem essas bactérias, sem essa vitamina, podemos apresentar sangramentos.
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A título ilustrativo, em elegante post de Elena Panzeri, o infográfico abaixo revela 35 metabólitos do microbioma que participam do desenvolvimento, da função e da integridade do cérebro humano.
A lista é outro exemplo dos princípios vitais que são fornecidos pelas microscópicas criaturas que nos cercam e que levamos conosco; cuja escassez, desequilíbrio, ou interação anômala em um ambiente inóspito, leva ao que conhecemos por ME/CFS. Faz sentido supor que o mesmo ocorre para todos os outros órgãos e sistemas.
O paradoxo de uma doença dita incurável, mas que apresenta um índice de 4% a 8% de curas espontâneas reforça essa convicção. Essas curas ocorrem pelo restabelecimento da grande simbiose – casual, deliberado ou profissionalmente orientado.
Hoje li um artigo em que a autora advoga a necessidade de cuidado nas tentativas de restaurar o microbioma nos pacientes de ME/CFS, com o que concordo plenamente; é difícil. Mas não concordo com a doença viral que ela advoga ser a causa da doença.
A causa é a privação e a destruição dos microrganismos benéficos no entorno e na vida dos acometidos. Dito de outra forma, a causa é a vitória da civilização na estúpida guerra imposta aos microrganismos dos quais dependemos para viver e ter saúde. Por medo das infecções, resolvemos que deveríamos destruí-los a todos, maléficos e benéficos, de todas as formas. O resultado é ME/CFS. Só não vê quem não quer.
Já postei repetidamente aqui, que uma vez instalada, ME/CFS é um transatlântico pesado que saiu da sua rota levado por uma corrente forte; corrigir o seu curso é geralmente um processo lento, cansativo, sofrido.
O que chamo de ambiente antibiótico é o ambiente hostil ao microbioma da vida urbana, com elevado padrão de saneamento, higiene excessiva, água clorada e fluoretada, e reduzidos contatos sociais. O ambiente antibiótico está nos hospitais e na vida dos profissionais de saúde; pode ter início no nascimento cirúrgico, asséptico, e se expandir na vida dos solitários, das pequenas famílias, nos apartamentos sem animais e plantas; e nos detergentes e antissépticos em todas as suas formas, no uso excessivo de antibióticos e antifúngicos, de desodorantes e desodorizantes, de álcool-gel, de antissépticos bucais; está no fast-food, e nos alimentos estéreis, principalmente os industrialmente processados; nos aditivos e agroquímicos adicionados; na pasteurização, no UHT, nos alimentos irradiados, nas conservas, nos enlatados.
Há uma quantidade enorme de substâncias químicas e antibacterianos nos alimentos industrializados, sendo lícito crer que danificam a nossa flora.
No alimento humano, esse logotipo simpático, verde, ECO, com cara de natural, de orgânico, é o radura logo. Ele sinaliza que a sua comida foi irradiada.
A irradiação é a pasteurização do século 21.
A radiação não fica no produto e teoricamente o alimento irradiado não faz mal; mas o bem que faz é limitado; ela torra o DNA de qualquer forma de vida, mata todos os fungos e bactérias; estende a validade e a duração dos produtos. Laticínios perdem vida (morrem os fermentadores), são plastificados e ganham aromatizantes para ter sabor; e a banana no invólucro plástico dura mais de um mês na prateleira.
É relevante a informação de que ME/CFS não existe no povo simples, nem no ambiente rural no Brasil.
O oposto de ME/CFS é a vida no campo, está nas casas cheias, com comida de verdade, feita por mãos, com ingredientes frescos. Está na água dos rios, na horta e no jardim, nos pés descalços, no sexo desprotegido, na praia, na cerveja artesanal, no vinho, nos animais domésticos, no leite fresco, no alimento fermentado em casa. Tenho exemplos e testemunhos de pessoas que ficaram curadas por mudanças no estilo de vida. A adoção de um estilo probiótico de vida, o que inclui o consumo de variados probióticos naturais, gradualmente produz melhora do quadro clínico.
Há um vídeo do fim da pandemia, em que o famoso ator brasileiro Lima Duarte narra a sua infância em que acordava com o pai nas madrugadas, para levar o bezerro ao pé da vaca e conseguir ordenhá-la. Ele diz que é o amor da vaca pelo bezerro que a faz liberar o leite; e profetiza que outras pandemias virão, porque estamos vivendo errado – que falta o amor da vaca no leite da ordenha mecânica. E o que é mais grave, eu acrescento: falta também o microbioma dela e do bezerro, meu caro.
ME/CFS é a menina dos olhos de quem vende diagnósticos e tratamentos, financia ou realiza pesquisas, cria produtos, informação, e tecnologia para tratar os sintomas de uma doença dita sem fim, que tanto sofrimento produz – e que também é terreno vasto e fértil para todo tipo de charlatanismo.
Para impedir conflito de interesse, todo o trabalho médico da pesquisa foi pro bono. Todos os pacientes foram retornados aos colegas que os encaminharam.
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Director at [non-disclosable]
1 a"Tempos fáceis produzem pessoas fracas; pessoas fracas produzem tempos difíceis; tempos difíceis produzem pessoas fortes; pessoas fortes produzem tempos fáceis". Mais umas poucas gerações à frente e esses snowflakes terão desaparecido do mapa... (infelizmente para ressurgirem mais algumas dezenas de gerações adiante. )