Meios de pagamento evoluem, mas conceder crédito segue como desafio

Meios de pagamento evoluem, mas conceder crédito segue como desafio

Matéria originalmente publicada no Flash CardMonitor, edição de 03 a 10 de junho de 2024.

 A tecnologia está transformando o mercado de cartões de crédito. Por um lado, reduziu custos, facilitou a entrada de novos players e criou vários nichos de negócio ‘as a service’. Por outro lado, ainda não resolveu todos os desafios da concessão de crédito, nem mesmo substitui a expertise de quem já atravessou crises. “Crise sempre vai existir. Se você concede crédito, deve estar preparado para ter alguns soluços ao longo do tempo”, diz Ricardo Kaoru, CEO da ConectCar, uma das maiores empresas de meio de pagamento automático de mobilidade do Brasil.

Ricardo Kaoru, CEO da ConectCar

Com mais de 25 anos de experiência nos mercados financeiro e de meios de pagamento, o executivo acumula passagens por diversas empresas no Brasil e no Exterior, dentre as quais Credicard, Prever Seguros e Previdência, BankBoston, Citibank e Banco Carrefour.

Antes de assumir a ConectCar, Kaoru respondia pelos negócios de Cartões de Crédito, Conta Digital, Empréstimos e Financiamentos da Porto Bank. Desde março de 2022, integrava também o Conselho de Administração da própria ConectCar.

Há menos de duas semanas, Kaoru participou do painel “Cartões - A Fintechização dos Modelos Tradicionais”, promovido pela Ultratalks. “Hoje, o que a gente está vendo é uma proliferação de diferentes meios de pagamento, mas, novamente, haverá uma consolidação”, acredita. A seguir, confira os principais trechos da participação do executivo no debate:

O boom do cartão de crédito – “No final da década de 90, a ideia do varejo era, na verdade, conhecer mais o cliente para conseguir vender mais. Eles perceberam que conseguiam fazer isso até um certo ponto e que precisavam de outras ferramentas para que o cliente utilizasse mais o produto dele. Naquele momento, o principal instrumento era o crédito - não só para aumentar o poder de compra dos clientes que iam ali ao varejo, mas também para tirar um pouco mais de resultado daquele outro negócio que poderia estar surgindo. Acho que começou assim. Hoje isso continua válido? Continua, mas em níveis diferentes. Agora temos mais informações circulando, a tecnologia está muito mais presente e mais acessível aos varejistas. Porém, uma coisa que não muda é o conhecimento. Para conseguir fazer essa junção de um negócio financeiro + um negócio de cartões + um negócio de varejo, que são especialidades totalmente diferentes, é preciso que você tenha conhecimento para fazer bem-feito. Do contrário, isso pode, às vezes, gerar problemas muito grandes, como a gente viu no passado”.

Do private label ao co-branded – “A maior parte dos varejistas na época tinham o que a gente chamava de private label. Isso foi evoluindo e a indústria de cartão de crédito percebeu que essa base de clientes, essas informações que os varejistas traziam, eram muito ricas para a concessão de crédito. Então, no final de 90, cases como a Credicard trouxeram para esse mercado essa especialidade, esse conhecimento, essa forma de atuação, de gerar valor tanto para o varejista como para a própria empresa e para a sociedade, porque os clientes também aproveitaram muito esse adicional de créditos para conseguir consumir mais e completar seus sonhos”.

Tecnologia traz escala ao mercado de cartões de crédito – “A tecnologia tornou acessível executar tarefas, atividades ou processos que antes só grandes companhias conseguiam fazer porque o custo era proibitivo. Mas, quando você olha o que é feito hoje, a gente imaginava como fazer lá atrás, mas a tecnologia não permitia. Agora a gente consegue executar, por exemplo, 15 modelos de crédito ou qualquer outra segmentação. Antes, você precisava fazer sequencialmente porque não dava para processar. Hoje em dia você consegue operar isso, coloca uma IA ou um processamento de machine learning muito poderoso, de uma forma muito barata. Então, isso permite você ser muito mais assertivo e conseguir atingir muito melhor os seus clientes”.

Fator humano ainda é crucial em concessão – “A dúvida que não muda é: ‘o que eu faço com esse dado?’. Não necessariamente porque você consegue processar, você consegue executar aquilo que você quer no seu negócio. A grande questão é que isso continua demandando alguém ali para direcionar, para trabalhar”.

Qual foi a crise de crédito mais marcante? – “A crise que mais me marcou - talvez tenha sido mais difícil porque foi uma conjunção de vários problemas ao mesmo tempo - foi na Argentina. No final de 2001 e começo de 2002 caiu a paridade dólar-peso. Na época, o presidente da Argentina, Fernando de la Rúa, saiu fugido do país de helicóptero porque várias pessoas foram mortas no tiroteio que teve na Praça de Maio. Na ocasião, se implantou o que eles chamaram de Corralito. Começou a ter uma fuga de divisas muito forte do país e o governo, para tentar estancar a sangria, simplesmente congelou todos os depósitos. Algo parecido com o que o Collor fez aqui no Brasil. E como é que se trabalha o crédito nesse cenário? Porque não tem histórico. Quando a gente trabalha crédito, normalmente a gente tenta ver comportamento, curva, compara safras, compara períodos para ver se encontra alguma correlação. E no caso da Argentina, não achamos correlação em lugar nenhum. O mais importante na época era ter um pouco mais de sangue frio: parar, respirar, olhar, entender como a crise afetou os diferentes segmentos, produtos, tipos de clientes e começar a fazer escolhas. O nosso banco [Citibank] começou o ano com 4 mil funcionários e reduziu para 2 mil funcionários porque a gente foi cortando áreas inteiras para conseguir sobreviver, escolher quais produtos e quais serviços a gente ia manter”.

Nem sempre o problema é o crédito, mas a liquidez – “Após isso, a gente percebeu também um segundo ponto. Porque, às vezes, a crise de crédito não é uma crise de crédito. É uma crise de liquidez. Não se trata apenas de um problema de inadimplência, mas de uma inadimplência gerada porque não tem recurso, não tem fundos para você conseguir emprestar. Então, para resolver a crise de crédito, você tem que resolver também a crise de liquidez. Foram quase quatro anos ali na Argentina, quase apanhando na rua, porque

você não podia andar com o crachá de banco porque era agredido. Foi um período de muito aprendizado”.

Cuide do cliente que vai ficar com você depois da crise – “O tratamento na crise é conseguir, realmente, fazer as escolhas corretas e tentar preservar ao máximo aqueles clientes que vão ficar com você depois da crise. Quando você olha crédito, às vezes, você fica muito ávido por cobrar e recuperar porque você está precisando de caixa, e acaba exagerando no tratamento. Esquece que aquele cliente lá na frente pode voltar a ser seu cliente. E você tem que tratar ele de uma forma que seja respeitosa. Ninguém está dizendo que você vai dar dinheiro ou fazer alguma coisa não pensada. Mas, principalmente, você tem que pensar que, lá na frente, você vai precisar dele para manter o negócio. Acho que esse talvez seja o balanço que você tem que ter nesse período”.

O que fideliza um cliente a um cartão de crédito? – “Você vai perder o cliente se não tiver uma proposta de valor. Primeiro, o cliente tem que ser seu. Para ser seu, você tem que oferecer alguma coisa diferente para ele. Então, para ele continuar usando o cartão, seja num private label ou um co-branded, precisa sentir um valor, uma diferenciação”.

Tecnologia, concorrência, bancarização BaaS e outros aparatos estão facilitando a concessão? – “A melhor explicação é olhar exatamente para o que aconteceu de 2021 a 2024, principalmente em 2023. O mercado tinha tecnologia, tinha dados, tinha informação, tinha liquidez durante esse período. O crescimento do mercado de cartão de crédito praticamente duplicou. Coisa que não acontecia; o crescimento médio do mercado de cartão de crédito era de 10, 15% ao ano. E não foram os novos entrantes que criaram esse crédito, mas os incumbentes. Você tinha grandes bancos com 40% de crescimento numa carteira de cartão de crédito estável. Existia competição, existia informação, existia tecnologia e todo mundo achava que estava fazendo a coisa certa. Talvez essa última crise de crédito, entre 2022 e 2023, tenha sido a primeira criada pelo próprio sistema. Os próprios bancos, os próprios incumbentes, as fintechs, na verdade, o excesso de crédito dado na economia acabou endividando uma parte da população. Nas crises anteriores, todos os problemas que existiam, geralmente, eram com clientes novos. É a primeira vez que esse excesso de crédito machucou, inclusive, carteiras de 10, 15 anos de vida dentro das instituições”.

Além de velocidade é preciso maturidade - “Esse movimento fez com que todas as instituições financeiras olhassem e passassem a considerar novas variáveis e outras formas de conceder crédito. E tem um segundo componente que é a maturidade que existia nas instituições. Houve uma proliferação de instituições financeiras muito recentes, com pessoas muito ávidas, crendo 100% na informação que estavam olhando. Quando o financeiro é mais maduro, a crise começa no mesmo tempo e termina no mesmo tempo. Por quê? Porque todo mundo começa a sentir os efeitos do aumento da inadimplência e já começa a ajustar a curva, o crédito e passa a ser mais conservador. O que aconteceu nessa última crise? A curva alongou demais. Por que alongou demais? Porque ao mesmo tempo que tinha um pessoal sinalizando que haveria uma crise, tinha gente abrindo crédito para conceder. Então, na verdade, você tinha um grupo de instituições já fechando o crédito e outro abrindo, ao mesmo tempo, durante a crise. Então, isso acabou alongando uma crise que duraria um ano para quase dois anos e meio”.

Criptomoedas, stablecoins, tokenização... Qual o futuro dos meios de pagamento? – “Toda a parte do chamado Embedded Finance vai continuar melhorando, evoluindo, porque você está mais próximo da jornada. O que a gente tem que pensar - seja o cartão de crédito ou qualquer outro instrumento - é que os meios de pagamento estão evoluindo. Só que ninguém acorda querendo comprar um cartão de crédito. Você compra um sonho, uma viagem, uma geladeira, comida... O meio de pagamento só permite que você faça isso de uma forma mais simples e mais rápida. Essa relação sempre vai continuar acontecendo. Essa necessidade de estar sempre interlaçando o objetivo final versus o meio de pagamento, sim, vai continuar acontecendo. Essa vai ser a principal tônica”.


Tags – “O mercado de mobilidade também está evoluindo tanto quanto o mercado de pagamentos. E a gente está falando que agora o mercado de mobilidade é pagamento em movimento. Então, você paga em movimento porque não tem pagamento estático - você está dentro de algum lugar e está pagando. A ConectCar está olhando para essa mobilidade futura”.

Eva Hughes

Vice-presidente sênior da Fiserv

4 m

Words of wisdom and current insights in our cards payments industry from Ricardo Kaoru Inada. I recently said at our Fiserv LATAM conference that embedded finance has existed for a very long time (co-brands). With current technology and democratization of Payments ecosystems, the value propositions for the end user are richer than ever to help people realize their dreams and fulfill their needs. I very much enjoyed this interview by CardMonitor.

Antonio Abdalla

LL.M, FCIArb, Prof. FDC - Fundação Dom Cabral

5 m

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