Melhor proveito dos gastos com defesa e segurança
Por Gabriel Kohlmann[i]
O incremento dos gastos com segurança pública e defesa pode ser pensado no sentido de gerar benefícios diversos para o desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico do país.
É razoável esperar que os gastos governamentais com segurança pública e defesa aumentem nos próximos anos, ainda que os problemas orçamentários e fiscais imponham restrições a esse incremento. Dois são os fatores que geram essa expectativa:
1) A grave crise de segurança pública que assusta o país, com o crime organizado forte, difundido e aparelhado, atuando principalmente na desordem carcerária e no narcotráfico. A sociedade pediu, ao eleger políticos identificados com o tema, uma ação efetiva do poder público nessa agenda.
2) O governo federal formado por grande número de militares, que experimentaram nos últimos 30 anos um gradual sucateamento e fragilização da capacidade operativa das Forças Armadas. Esse processo foi interrompido brevemente no final do 2º mandato de Lula e inicio do 1º mandato de Dilma quando os grandes projetos estratégicos militares foram beneficiados – porém por restrições fiscais e orçamentárias esse investimento minguou.
As compras e encomendas em segurança e defesa são diversas e inclui grande componente de itens tecnológicos. Grosso modo, podem ser divididos em grandes grupos, indo muito além de materiais armamentícios propriamente dito:
- Sistemas e equipamentos para monitoramento, vigilância e comunicação (radares, sensores, captadores remotos, elementos óticos, satélites, softwares, tecnologia em inteligência artificial, etc);
- Equipamentos para transporte – marítimo, terrestre e aéreo (inclusive não tripulado), com tecnologias e sistemas embarcados (tais como robótica; aviônica; navegação em mar, terra e ar, etc)
- Equipamentos de uso e proteção individual
São, portanto, diversas as indústrias potencialmente beneficiadas: Eletroeletrônica, aeroespacial, naval, automotivo, metal mecânica, metalurgia e siderúrgica, química e petroquímica, TICs, entre outros. São setores onde predominam negócios civis e relevante conteúdo tecnológico, com forte demanda por atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação – PD&I, ou o resultado disso.
Apesar dessa abrangência, destinar boa parte das encomendas para a indústria instalada no país pode não gerar benefícios ótimos para a sociedade e o desenvolvimento industrial e tecnológico. Nesse aspecto, é menos importante o percentual de compras feitas localmente, e mais o nível de transbordamento dessas aquisições para outros setores da economia e sua geração de externalidades positivas, tais como economias de escala, investimentos em PD&I, aumento de demanda e capacidade em produtos e serviços de alta tecnologia para negócios civis.
Dessa forma, são propostas três bases de política pública – interligadas e interdependentes - para potencializar o beneficio das compras e encomendas em defesa e segurança, de modo a melhor contribuir para o desenvolvimento industrial e tecnológico.
A) Deve-se observar toda a cadeia de produção à Não somente a indústria receptora da encomenda, mas também seus fornecedores e elos anteriores ainda – especialmente para geração de economias de escala, trabalhos conjuntos de PD&I, ganhos competitividade e aumento da demanda agregada.
B) Deve-se priorizar externalidades civis para o PD&I à As encomendas e a própria indústria da defesa e de segurança demandam volume significativo de PD&I, que gera novos conhecimentos, produtos e tecnologias. Esses novos desenvolvimentos podem ser utilizados em outras industrias (civis) e campos da ciência, beneficiando setores diversos e consumidores espalhados – inclusive para o mercado internacional
C) Atenção para os produtos de uso dual e empresas com negócios civis à É a melhor maneira de intercambiar a externalidade positiva para o restante da economia, ao gerar novos produtos, serviços, soluções, tecnologia, processos e conhecimento para negócios civis – aumento competitividade e modernizando a indústria.
Muitos desses produtos, serviços e soluções deverão ser importados, uma vez que o Brasil não possui capacidade industrial, de conhecimento, científica e tecnológica para o volume, tipo e especificidade das demandas que surgirão. Nas encomendas importadas de defesa é comum a utilização do offset – espécie de compensação dada ao comprador pelo vendedor.
Nesse sentido, o uso inteligente do offset é indicado. Considera-se então transferência de tecnologia para empresas e usuários, capacitação cientifica e de conhecimento para universidades e institutos de pesquisa, programas de PD&I conjuntos – com comercialização em parceria desses produtos, são alguns dos programas a serem adotados.
O que se verifica é que para o melhor benefício possível para o desenvolvimento industrial e tecnológico das compras de defesa e segurança é necessária uma ampla coalização de atores interessados: empresas e industrias tanto de negócios militares quanto civis; universidades e institutos de pesquisa; núcleos de start ups (incubadores e aceleradoras); além dos governos – federal e estaduais, que serão os demandantes e articuladores dessa engrenagem.
Eventuais ganhos de curto de prazo podem mascarar um não enraizamento ou otimização dos benefícios que os gastos em defesa e segurança podem ter. Um olhar estratégico, de longo prazo, visando o desenvolvimento tecnológico, científico e de modernização da indústria e das empresas civis gera um arcabouço de ganho de competitividade ampla para a economia do país.
[i] Mestre em economia internacional pela University of Applied Sciences Berlin, é gerente de projetos de políticas públicas da Prospectiva Consultoria