A Menina que Dormia com os Morcegos

Ela era uma menina, tinha lá seus 12 anos, e toda vez que seus patrões vinham para a fazenda, o pai a mandava para a casa grande.

Sua tarefa era lavar toda a louça após as refeições, as inúmeras mamadeiras, papinhas, frutas, sobremesas, chás, lanches. Não era convidada para se sentar à mesa, mas mesmo que fosse não teria tempo para tanto deleite.

O pai não lhe permitiu frequentar a escola ao completar 10 anos. Ele dizia que filha dele não aprenderia a escrever para mandar carta ao namorado. Eram oito filhos, seis homens e duas mulheres. Se matassem cinco galinhas, as dez coxas seriam dos rapazes, às mulheres cabiam quantos pescoços pudessem digerir.

A menina de cabelos louros, quase brancos como algodão, não enxergava bem. Na roça mal se conhecia a miopia, o importante era varrer corretamente o chão e quando isso não acontecia, a própria vassoura nas costas era o seu castigo.

A cada dia a menina sentia mais medo ao dormir. Mas para não molhar mais os colchões, a mãe lhe preparou um encerado, muito bem colocado atrás da porta. 

Ela gostava de ir à cidade com uma tia para comprar tecidos, mas não tinha sapatos. Com um pedaço de barbante usado para medir o pé menina, a tia voltou da viagem com um par de alpargatas. Quanto conforto, tolhido pelo pai. Sapatos também eram proibidos. 

Ao fim de cada saga da lavação de louças, ela era liberada para ir aos aposentos, o estábulo. Sim, ela dormia sobre o feno, junto às selas e aos morcegos. Pavor, pavor e pavor.

O pagamento pelo serviço na casa grande nem passava por suas mãos, o irmão caçula era alérgico a leite e só mamava leite condensado. 

Do feno ao encerado, restava-lhe apenas sonhar em fazer o mesmo que sua única irmã fez aos catorze anos: ir embora. Correr para a capital e tratar das seriíssimas amidalite e otite causadas por tanto leito molhado e pés descalços.

Já moça feita, partiu. Destino óbvio: casa de família. Quanto óbvio tentar desistir da vida? Parecia que longe do medo as dores se acentuavam. Escolheu não superar.

O velho pai enlouqueceu e um dia foi encontrado ajoelhado em frente a uma casa.

– Filho, ajoelhe-se, estamos em frente a uma igreja.

– Pai, vamos embora, Ele já vem te buscar.


Meu primeiro pseudoconto.

11/8/2011


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