Minha Jornada de Despertar em Salvador: Uma Travessia de Descobertas
Há quase um mês, estive em Salvador participando de uma formação com profissionais de Recursos Humanos pela Fundação Dom Cabral . Nessa jornada, desempenhei vários papéis: fui um aventureiro em busca de conhecimento, um aluno sedento por aprendizado e, ao mesmo tempo, um potencial professor. Ao retornar, estava consciente de que em algum momento compartilharia essa experiência, mas a hora certa ainda não havia chegado.
Hoje, enquanto me preparava para a próxima aula da turma, que ocorrerá online na quinta-feira, decidi introduzir um exercício de reflexão pré-aula. Na aula em questão, solicitei a turma que refletissem sobre as percepções que tiveram durante nossa estadia em Salvador e como essas insights evoluíram após o impacto em suas respectivas empresas.
Conforme provocava a turma nesse momento preparatório, percebi que essa provocação também era pertinente para mim. Agora, estendo essa provocação a vocês, minha querida rede, com um foco especial nas pessoas aliadas. São aquelas que reconhecem seus privilégios, ou aspiram a fazê-lo, e que estão dispostas a ir além das palavras, transformando a agenda de diversidade e inclusão em ações concretas.
Este texto representa um convite ao despertar. Se você é uma pessoa curiosa, te convido a embarcar nessa jornada, peço que reserve mais alguns minutos e permita-me compartilhar como tudo se desenrolou. Além disso, ao final, oferecerei dicas valiosas para essa travessia significativa.
Salvador, a Cidade que Nos Atravessa.
Logo no primeiro dia, fomos ao Pelourinho. Foi lá que encontrei Nilzete Santos , da @Afrotour nossa guia e professora nesta jornada. Ela nos levou pelas ruas de pedra da cidade, compartilhando sua própria história e ancestralidade. O Pelourinho, outrora símbolo de dor e sofrimento, havia sido transformado pelo povo negro, que agora ocupava esse espaço, reescrevendo sua narrativa e destituindo o poder de quem um dia os escravizou.
Naquelas vielas, era nítido o carregar do meu privilégio, da cor da pele. Eu era de 36 anos branco, com cabelos lisos e claros, nascido homem, cis e heterossexual, sem deficiências. Ao lado de outros com histórias semelhantes, eu navegava por um território pouco explorado e frequentemente negligenciado, especialmente quando se tratava do epistemicídio do povo negro no Brasil.
O Reconhecimento do Privilégio: Um Caminho de Transformação
Partindo do ponto de vista de alguém que se identifica como homem branco, é essencial compreender que a verdadeira decolonização ocorre quando confrontamos conscientemente nossos privilégios e tomamos medidas ativas para enfrentá-los. O primeiro passo crucial é reconhecer a responsabilidade que carregamos devido aos privilégios que nos são concedidos diariamente. Eu estava firmemente comprometido em seguir por essa trajetória como um aliado.
Esse dia memorável terminou com uma experiência única: oferendas a Yemanjá no Rio Vermelho. Foi uma verdadeira imersão na cultura e na religião locais, que são intrinsecamente ligadas à compreensão das origens e do poder daquele lugar. Compreender esses aspectos é fundamental para quem deseja verdadeiramente conhecer e respeitar as raízes e o potencial da região.
A Sala de Aula na Vida Real
A partir daí, minha jornada nos levou à sala de aula. Acredito firmemente que a transformação real das organizações começa com as pessoas. E as pessoas só podem mudar quando experimentam algo diferente. Aquela travessia do Pelourinho até o rio Vermelho de Iemanjá foi uma experiência que mexeu com todos nós.
Mas uma experiência só é completa quando é simbolizada. Não adianta confrontar nossos privilégios e depois não saber lidar com as emoções que emergem. Reconhecer o privilégio é uma jornada árdua, mas é o mínimo que podemos fazer.
As Etapas da Reconstrução
Inspirei-me nas cinco etapas que Grada Kilomba descreve em seu livro "Memórias da Plantação" para ajudar a navegar pelas fases do reconhecimento de privilégios: Negação, Culpa, Vergonha, Consciência e Reparação. Essas etapas são como marcos em nossa jornada.
Começa com o incômodo, o despertar para a verdade que sempre esteve à nossa volta, mas que escolhemos ignorar. Esse incômodo é necessário, e a experiência de sair da rotina e vivenciar algo poderoso pode desencadeá-lo.
Ler, Compartilhar e Agir
Mas o incômodo não é suficiente. Precisamos simbolizá-lo. Logo após vêm a culpa e a vergonha, que podem ser abordadas com terapia e educação. Ler livros escritos por mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+ é uma forma poderosa de expandir nossa compreensão.
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Além disso, estar cercado de pessoas que estão trilhando caminhos semelhantes ou que já atravessaram essas etapas é fundamental. Encontrar as pessoas certas para compartilhar essas experiências é crucial.
O Despertar e a Ação
Quando atravessamos as etapas iniciais, algo mágico acontece. Sentimos como se tivéssemos vivido com os olhos embaçados durante toda a vida, e de repente alguém nos entregasse óculos novinhos. A clareza que vem com a consciência é incrível, mas também nos faz enxergar as injustiças, a crueldade e a perversão com muito mais nitidez.
Nesse estágio, nos tornamos vocais, ativistas, dispostos a debater e promover mudanças. No entanto, falar sobre a transformação é apenas o começo.
Da Fala à Ação: Reparando o Mundo
Muitos param nesse estágio, e eu mesmo já regredi várias vezes. Falar sobre a mudança é importante, mas agir é fundamental. A última etapa é a reparação, e isso requer renunciar a nosso privilégio e investi-lo de forma desproporcional em grupos menos privilegiados.
Não basta reconhecer o privilégio; devemos ser ativos na luta contra as hierarquias sociais racistas, sexistas, LGBTfóbicas, capacitistas, etaristas e outras. Somente quando agimos com equidade é que verdadeiramente contribuímos para a mudança.
Aqui estão cinco recomendações do que as pessoas aliadas podem fazer AGORA para abrir mão de seus privilégios:
1. Eduque-se Continuamente: Leia livros, artigos e assista a documentários que ampliem sua compreensão sobre as lutas e desafios enfrentados por grupos minorizados. Conheça suas histórias, culturas e perspectivas. Questione o conhecimento que você recebeu, qual matriz ele veio? Europeia? Norte Americana? Autores Homens, brancos são a base da construção do seu conhecimento?
2. Amplie sua Rede: Conecte-se com pessoas de diferentes origens e perspectivas. Esteja disposto a ouvir e aprender com suas experiências. Como esta sua rede? Sua bolha? Amplie seu universo referencial.
3. Seja uma pessoa aliada ativa: Não fique em silêncio diante da injustiça. Levante a voz contra o preconceito e a discriminação sempre que os encontrar. Qual a sua disposição em enfrentar desconfortos para apoiar a justiça?
4. Promova a Equidade: Use seu privilégio para abrir portas para aqueles que foram historicamente marginalizados. Você atua ou defende a igualdade de oportunidades e políticas inclusivas em sua comunidade e local de trabalho?
5. Apoie Financeiramente e/ou Voluntariamente: Contribua financeiramente para organizações e causas que promovam a igualdade e a inclusão. Qual a sua oferta de tempo e habilidades com voluntariado para apoiar projetos que beneficiem grupos minorizados?
Os dias ainda foram abrilhantados por búzios na @Casa de Oxumarê, de onde Obá e Xangô me deixaram divididos, mas um conflito bom, uma pendência que me coloca em dívida comigo mesmo, na busca do equilíbrio. Os Orixás falaram e deles eu vou escutar. Do Candomblé emana um poder, paz e amor. De todas as religiões que já tive contato, de longe foi a que mais me senti melhor, em sintonia. Não posso deixar de citar aqui meu querido ator e professor @João, que nos levou na igreja de São Lázaro e São Roque, tomar banho de pipoca e nos abrilhantou com sua arte, comédia e felicidade. Os contatos com o povo, a cultura e os costumes fizeram dessa experiência algo incrível e que levarei como aprendizado para a vida.
Espero voltar, em breve.
Salvador, já estou com saudades.
Axé.
Arte / Estratégia / Pesquisa / Criatividade
1 aGrande abraço, querido! E volte sempre!
Human Resources Specialist at ArcelorMittal Long Carbon LATAM
1 aNão teria ninguém melhor que você para descrever com tamanha riqueza essa experiência!